Diplomata brasileira morre após contrair malária em viagem oficial à África

Em ato raro, diplomatas questionam Itamaraty sobre morte de colega

Milena contraiu malária durante uma viagem oficial para Malabo, na Guiné Equatorial.

Um grupo de diplomatas brasileiros entregou nesta semana ao Ministério das Relações Exteriores uma carta que pede melhorias na orientação e acompanhamento dado a diplomatas que viajam para locais de risco.

Em uma iniciativa raramente vista na chancelaria, o documento foi entregue após a morte da diplomata acreana Milena Oliveira de Medeiros, 35 anos, ocorrida no último dia 26. Ela foi vítima de um quadro agudo de malária, que contraiu durante uma viagem a serviço do governo para Malabo, na Guiné Equatorial.

A carta, assinada por “colegas e amigos de Milena de Medeiros”, diz que ela “não recebeu nenhuma instrução institucional específica sobre as doenças que poderia contrair, não lhe foram indicadas formas de prevenção ou cuidados a serem observados durante e depois da viagem” no país africano antes de deixar Brasília, em 20 de novembro.

Segundo o documento, os 21 diplomatas que viajaram a Malabo receberam repelentes e advertências sobre a possibilidade de contrair malária por iniciativa independente da embaixada brasileira no local.

Entre eles, somente Milena apresentou sintomas da doença.

Endereçada ao Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, a carta foi assinada por diplomatas da turma de Medeiros, que ingressou no Instituto em 2009, e foi entregue no gabinete ministerial. O documento deve ser encaminhado novamente ao chanceler, assim que ele retornar de férias, no início do ano.

O Itamaraty confirmou à BBC Brasil o recebimento da carta e disse “estar analisando o documento com muito cuidado e atenção, em um momento de muita dor e tristeza para todo o Ministério”. Uma resposta formal aos pedidos e sugestões feitos no documento será dada, segundo o órgão, apenas no início de 2012.

Agravantes

A carta afirma que a situação da diplomata foi agravada pelo fato de que ela não recebeu do Ministério “orientação adequada quanto aos sintomas da doença e quanto a profissionais e instituições aptas a prestar atendimento especializado em Brasília”.

Além disso, segundo o documento, houve demora na realização do exame de malária e na obtenção do medicamento para o tratamento da doença.

De acordo com amigos e familiares, a diplomata apresentou os primeiros sintomas, febre e dor de garganta, no dia 30 de novembro, três dias depois de voltar ao Brasil.

Ela se submeteu à primeira consulta médica no dia 5 de dezembro e fez um exame de malária, cujo resultado só sairia em 15 dias.

Em regiões do país afetadas pela doença, como o Acre, estado natal de Milena, o resultado de um exame de malária é disponibilizado no mesmo dia.

O médico teria recomendado a internação, mas Medeiros, segundo a carta, “sem um diagnóstico definitivo e sem suspeitar da gravidade do caso, optou por continuar em casa, procurando o hospital mais duas vezes naquela semana”.

Afastamento

O documento afirma que depois da primeira consulta médica, o Serviço de Atendimento Médico e Social do MRE foi notificado do afastamento da diplomata sob suspeita da doença duas vezes, nos dias 7 e 12 de dezembro, mas só interveio no dia 17 de setembro, “por meio de visita ao hospital”.

O Serviço teria ficado sem médicos disponíveis durante uma semana, entre 7 e 15 de dezembro, já que todos estariam de férias ou licenças.

“Caberia determinar, com objetividade e espírito construtivo, as falhas que possam ter ocorrido no caso, bem como as ações necessárias para corrigi-las”, diz o texto da carta.

Medeiros foi internada na UTI, no dia 10 de dezembro. No dia 17, os médicos do Hospital Brasília anunciaram a morte cerebral a familiares e amigos. Ela morreu na manhã da segunda-feira.

“A senhora Raimunda Carneiro, mãe de Milena, expressou, em conversa com alguns de nós, o desejo de que o caso de sua filha servisse para evitar que outros jovens e suas famílias experimentassem situações de tanto sofrimento no futuro”, afirmam os diplomatas na carta.

Prevenção

O documento cita o sistema de gerenciamento de riscos da ONU como exemplo do procedimento que, segundo a carta, faltaria ao Itamaraty.

A ONU exige que seus funcionários obtenham um documento especial para viagens a regiões consideradas de risco, que são classificadas segundo cinco níveis de segurança.

Um dos pré-requisitos para a obtenção da autorização é a aprovação em um teste sobre os riscos específicos do país a ser visitado.

Segundo o grupo que elaborou a carta, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa) recomendam, em um guia específico para a prevenção da malária em viajantes, de 2008, a avaliação prévia do risco de o viajante adquirir malária no destino incluindo a análise do roteiro da viagem por um profissional de saúde.

O guia também diz que o viajante para uma região onde a malária é endêmica deve ter “acesso precoce ao diagnóstico e ao tratamento” da doença.

Primeiros socorros

Em resposta a um texto criticando o Itamaraty publicado no blog do jornalista Luis Nassif, a assessoria do MRE disse que o Serviço de Atendimento possui um médico especialista em doenças tropicais, cedido pelo governo do Distrito Federal, e que solicitou em 2009 a contratação de profissionais de outras especialidades.

Afirmou ainda que o Serviço orienta funcionários doentes a buscar atendimento especializado, já que por lei, só é obrigado a realizar perícias médicas e atendimento de primeiros socorros.

De acordo com a assessoria, o ministério está “intensificando suas atividades de divulgação de medidas profiláticas e de identificação de sintomas, o que se fará inicialmente por meio da elaboração de cartilha específica de orientação”.

Em 2006, o governo federal aprovou cerca de 400 novas vagas para o Itamaraty. Os alunos ingressam na carreira diplomática após um ano e meio de curso preparatório.

Desde 2007, o Itamaraty abriu 35 novos postos em países como Congo, Geórgia, Serra Leoa e Bósnia e tem embaixadas abertas por decreto, mas não de fato, em Bagdá e em Cabul.

 

 

 

 

 

Fonte: BBC Brasil

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