Está marcada para o próximo dia 19 de março de 2015 a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi ajuizada em 2004 pelo antigo PFL (hoje DEM) e discute a constitucionalidade do Decreto Federal 4887/2003.
O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, expedido pelo Presidente da República, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Trata-se, portanto, de documento legal que produz efeitos no país há mais de 10 anos.
Importante ressaltar que o referido Decreto não apenas define o processo de regularização fundiária, como também defende a criação de um plano de desenvolvimento sustentável para as comunidades dos quilombos. A partir desta norma o “etnodesenvolvimento” passou a ser uma missão dos diferentes ministérios, visando “a garantia da reprodução física, social, econômica e cultural” das comunidades.
As ações e programas do Governo Federal que se referem ao seu “etnodesenvolvimento” estão inseridas no Programa Brasil Quilombola, que foi lançado em 12 de março de 2004, com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado para esse público. Com o seu desdobramento foi instituída a Agenda Social Quilombola (Decreto 6261/2007), que agrupa as ações voltadas às comunidades nas áreas de acesso à terra/território, infraestrutura e qualidade de vida, inclusão produtiva e desenvolvimento Local, Direitos e Cidadania. O Decreto, assim, serve de base para outros diplomas legais que instituem políticas para as comunidades quilombolas.
Todos esses programas e ações repercutem no governo em seus diferentes níveis e se coadunam com ações de mobilização levadas a efeito pela Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas – CONAQ e suas instâncias estaduais, por movimentos sociais, por inúmeras ONGs e OSCIPs, associações científicas e acadêmicas, grupos de pesquisa e extensão de várias Instituições de Educação Superior no país, além de iniciativas privadas na pauta da responsabilidade social. O Decreto 4887/2003 encontra-se, portanto, respaldado por uma série de atores que perpassam diferentes segmentos da sociedade nacional, o que demonstra sua importância na manutenção de direitos básicos do povo quilombola.
Desde abril de 2012, quando começou o julgamento desta Ação de Inconstitucionalidade no Supremo, paira grande insegurança no país, entre as comunidades e seus territórios, entre lideranças, movimentos sociais, organizações comunitárias e de apoio a essas comunidades e, sobretudo, entre os mais de 2 milhões de quilombolas de todo o país, assim como entre a comunidade acadêmica e profissionais diretamente envolvidos na implementação desses direitos, e entre vários setores do executivo brasileiro que estão à frente de iniciativas governamentais voltadas à sua proteção.
A ADI Nº 3.239/2004 abala conquistas consolidadas na Constituição Federal de 1988, sobretudo quanto à garantia do direito à propriedade de territórios (art. 68, ADCT) e à proteção dos “modos de fazer, criar e viver” das comunidades quilombolas no país, (artigos 215 e 216 da CF/88). A mesma Ação coloca em risco também o alcance de conquistas correlatas de outros dispositivos legais, tais como a Lei 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial, a Convenção 169 da OIT, e o próprio artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da nossa Constituição.
Assim, a Associação Brasileira de Antropologia, através do seu Comitê Quilombos, vem, a público, externar sua preocupação com a votação do Supremo, defendendo sua manutenção e plena efetivação.
Comitê Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia Brasília,