– Fonte: Írohín – Jornal Online –
Estabelecer medidas para combater a discriminação racial e promover a participação de afrodescendentes nas esferas institucionais e de poder em condições de igualdade com as outras etnias. Esses são os principais objetivos do Estatuto da Igualdade Racial, que deverá ser votado pela Câmara dos Deputados na próxima quarta-feira (27).
Há dez anos, o Estatuto tramita no Congresso Nacional em meio a muitas polêmicas. Como o projeto provocou reações, ele deverá perder o caráter conclusivo e ser enviado ao plenário. Em seguida, voltará para o Senado, por ter sido alterado na Câmara.
Segundo o deputado Carlos Santana (PT-RJ), presidente da comissão especial que analisa o documento na Câmara, o valor simbólico do Estatuto está em mostrar que, 121 anos depois da assinatura da Lei Áurea, a abolição da escravatura ainda não foi concluída no País.
Santana analisa como um dos pontos positivos do projeto a garantia de que o Sistema Único de Saúde (SUS) vai atender as peculiaridades da população negra brasileira. “Os negros têm algumas doenças específicas, mas não há tratamento devido a elas”, avaliou.
Medidas
O substitutivo do deputado Antônio Roberto (PV-MG) ao projeto de lei do senador Paulo Paim (PT-RS) defende medidas como a fixação de cotas para negros em programas de televisão e em comerciais, a garantia de direito à terra aos remanescentes de quilombos sem fixar limite de tempo para sua ocupação, a criminalização do preconceito na internet, além da previsão de conselhos de Promoção da Igualdade Racial, nas esferas municipais, estaduais e federal, formados por representantes do governo e da própria sociedade.
De acordo com o deputado Vicentinho (PT-SP) a aprovação do Estatuto não significa um privilégio dos negros em relação às outras etnias, mas busca defender a igualdade de condições. “A escravidão é o maior crime contra a população negra. E esse crime não será pago nem com esse estatuto”, disse o petista.
Para o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o Estatuto é inconstitucional. “A proposta não estabelece igualdade nenhuma e cria um fosso em uma sociedade onde ele não existe. E nós não queremos fazer parte de uma racialização de um país que ainda não é racializado”, criticou o deputado.
Antônio Roberto, relator do projeto é contra o argumento de que o Estatuto vai provocar uma segregação racial. ´O preconceito ainda é grande no Brasil e o preconceito racial é ainda mais inaceitável´, defendeu o parlamentar.
Educação
Para garantir o acesso de todos ao ensino público de qualidade, o Estatuto da Igualdade Racial prevê a criação de cotas para negros nas universidades federais de acordo com o percentual de negros de cada estado. As cotas na educação foram tema de outro projeto, aprovado pela Câmara em novembro do ano passado e devolvido ao Senado.
Atualmente, os senadores estão divididos entre manter as cotas sociais (para alunos das escolas públicas), conforme a proposta aprovada na Câmara, ou instituir cotas raciais (para negros e índios). Além disso, o Estatuto também torna obrigatório o ensino da História Geral e da História da População Negra no Brasil nas escolas.
Mercado de trabalho
Com relação ao emprego, não há cotas fixas para a contratação de afrodescendentes. O poder público deverá adotar ou incentivar a adoção de cotas para negros tanto no serviço público como em empresas privadas.
Uma pesquisa do IBGE revela que, apesar dos avanços registrados, permanecem as desigualdades entre os grupamentos de pretos e pardos, e brancos. “O patamar que os brancos atingem é maior do que aqueles conseguidos pelos pretos ou pardos”, disse a economista do IBGE, Adriana Beringuy.
RESISTÊNCIA
População quilombola luta pela terra
O Estatuto da Igualdade Racial é uma forma de pagamento da dívida que o Estado tem com mais de 40% da população brasileira. O documento mostra que a abolição da escravatura no Brasil não foi concluída, já que os negros enfrentam até hoje preconceitos e dificuldades.
Um dos pontos mais polêmicos do Estatuto é a regulamentação de territórios quilombolas. O substitutivo do deputado Antônio Roberto (PV-MG) reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos, cabendo ao Estado a emissão dos títulos.
Durante o processo de regularização, serão priorizadas as comunidades envolvidas em conflitos pela posse da terra. Os quilombolas receberão tratamento diferenciado e contarão com linhas especiais de crédito para realizar suas atividades produtivas.
Luta histórica
Local isolado para onde fugiam os escravos em busca de liberdade. Essa é a idéia que vem à cabeça quando imaginamos um quilombo. No entanto, as comunidades quilombolas não pertencem somente ao passado escravista. Depois de mais de cem anos do fim da escravidão, elas são, cada vez mais, presentes e atuantes lutando pelo direito a suas terras defendido pela Constituição de 1988.
O Brasil conta com mais de 2,3 mil quilombos. Existem comunidades quilombolas em pelo menos 24 estados brasileiros. A maior parte destes agrupamentos estão localizados no Nordeste e no Norte do País.
O Nordeste apresenta 60% dos registros. Já a região Norte detém 25% das comunidades quilombolas do Brasil, localizados no Pará.
De acordo com o chefe da divisão de ordenamento fundiário do Incra, Flávio José, o Ceará contabiliza mais de 60 comunidades quilombolas, empalhadas pelo interior do Estado e na própria Capital. Além disso, 20 comunidades estão com processo administrativo em andamento no Incra para que sejam identificadas oficialmente. Apenas três delas, contudo, encontram-se em fase de pesquisa de campo.
De acordo com a assessora do Programa de Democratização da Participação Política do Instituto Terramar, Cristiane Faustino, a garantia da terra é a principal luta das comunidades quilombolas hoje no Estado. ´A garantia dos territórios implica em bens ambientais que garantem a vida destas pessoas e estão ligados à cultura´.
Para ela, o governo deve promover políticas setoriais que garantam uma vida digna para esta população. ´Se esses elementos não estão integrados acorre a favelização´.
ENTREVISTA
As cotas vão fomentar uma maior identificação da negritude
Na sua opinião, qual a importância do Estatuto da Igualdade Racial para o Brasil?
O Estatuto é uma conquista importantíssima para o Movimento Negro. É o reconhecimento não somente do racismo no país, mas um indicativo da vontade política de trazer respostas concretas a um problema secular. Ele gera um movimento de conscientização e um quadro de referência para se exigirem mudanças no status quo.
O Estatuto vai gerar uma ´racialização´ do País?
O País já está dividido e a desigualdade e a desvalorização do negro têm raízes históricas profundas, provocando essa segregação de hoje. Esse argumento é de pessoas que se sentem ameaçadas pelo reconhecimento do racismo.
Que ligação há entre racismo e problemas sociais?
A ligação é óbvia pois sem mudança de atitude não se pode esperar que as ações mudem. Mas geralmente essas mudanças só surgem pelas ações afirmativas dos grupos atingidos, bem mais raramente pelos grupos que não vivenciam diretamente a situação.
A senhora é a favor de cotas nas universidades?
Sim, o desejável seria algo mais radical, não somente aumentar a proporção de negros na universidade. As cotas são um passo importante e interessante para fomentar uma maior identificação da negritude, gerando todo esse debate que vemos aí e que permite tirar o assunto do racismo da invisibilidade perversa em que se encontrava.
SANDRA HAYDÉE PETIT
Professora da UFC, membro do Núcleo das Africanidades Cearenses (Nace)
OPINIÃO
“A escravidão é o maior crime contra a população negra. Esse crime não será pago com esse Estatuto”
Vicentinho
Deputado federal (PT-SP)
“Não queremos fazer parte de uma racialização de um país que ainda não é racializado”
Onyx Lorenzoni
Deputado federal (DEM-RS)
JULIANNA SAMPAIO
Especial para o Nacional
Matéria original: Deputados votam Estatuto