Direitos Humanos: realidade ou utopia? (2)


O ministro Paulo de Tarso Vannuchi defende que a educação em direitos humanos deve ser prioridade dos governos e da sociedade

Desde 2005, o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo de Tarso Vannuchi, procura levar adiante a sua missão, dia após dia: a de reconstruir o diálogo do governo com a sociedade civil e com os movimentos de defesa dos direitos humanos, como também conquistar mais espaço para sua pasta.

Jornalista, cientista político e preso político, por cinco anos, pelo regime militar em São Paulo, o ministro Paulo de Tarso foi um dos 34 signatários do amplo dossiê entregue ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1975, com os nomes de 233 torturadores, descrevendo os métodos de tortura, as unidades onde eram praticadas, e apresentando uma primeira lista geral dos assassinados desde 1964.

Trabalhou na equipe que realizou, sob sigilo, o projeto de pesquisa Brasil: Nunca Mais, um levantamento das torturas e dos assassinatos praticados pelos organismos de repressão política durante o regime militar.

Em entrevista especial aos virajovens de Brasília, ele bateu um papo sobre educação em direitos humanos e como a mídia, as ONGs, empresas privadas, Estado e a sociedade civil podem contribuir para a promoção e disseminação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Na conversa, também fez uma avaliação do primeiro mandato do governo Lula no que se refere aos direitos humanos: “O grande gol do governo foi ter colocado como prioridade o combate à pobreza e à fome”.

O que é Direitos Humanos?

O dicionário da língua portuguesa aponta mais de oitenta definições para a palavra “direito”, mas em nenhum momento faz referência ao termo “direitos humanos” que, no entanto, não tem uma definição categoricamente correta. Direitos humanos é, sobretudo, a afirmação da vida em sua diversidade. É, portanto, essencialmente, a defesa da vida e da dignidade humana.
Um dos direitos essenciais à vida, por exemplo, é a alimentação. É direito da mulher que está amamentando levar o seu bebê para onde quer que vá (até mesmo trazê-lo para a entrevista com o ministro) e que tenha preferência de atendimento em órgãos públicos, bancos, hospitais, etc. Na verdade é mais que um direito. É uma questão de humanidade, um direito humano.

O que é preciso para que os direitos humanos sejam, de fato, respeitados?

Para que os direitos humanos sejam incorporados no cotidiano dos cidadãos e cidadãs com o devido respeito e prioridade acredito que uma das principais apostas deve ser o investimento na educação. A educação é um instrumento de transformação cultural, de afirmação de valores solidários, de afirmação da vida e da diversidade. A Declaração dos Direitos Humanos diz: livres e iguais em direitos nascem todos os homens. Para isso, devemos garantir que aqueles que sofrem mais violações tenham atenção especial. E não estamos falando de minorias.
As mulheres e os afrodescendentes, por exemplo, correspondem a mais de 50% da população brasileira. Quando falamos em deficiência, não falamos de uma minoria. Hoje são mais de 24 milhões de pessoas com deficiência em todo o país. Precisamos criar conceitos de várias “maiorias”. Os direitos humanos cuidam de todos esses grupos. Pegando a questão da diversidade sexual: apesar de não haver estatísticas acreditamos que a população GLBT represente cerca de 10% da população, ou seja, 18 milhões de brasileiros. Igualmente os idosos com mais de 60 anos já atingem esse patamar e a expectativa de vida está aumentando. Cada segmento tem suas particularidades e essas devem ser respeitadas.
O Brasil jamais será uma nação democrática enquanto houver desigualdades. A regra número um da democracia é a igualdade de direitos.

Como trabalhar isso tudo dentro da sala de aula?

Para mudar a cultura nacional temos que fazer com que a educação incorpore os direitos humanos em cada nível. Na pré-escola, a professora tem que observar nas brincadeiras a partilha, incentivando a cooperação, o companheirismo. O machismo começa a aparecer. Homem não chora. Homem brinca com carrinho, mulher de casinha. Depois, as brincadeiras observando o racismo.
Da fase lúdica da educação até a pós-graduação, têm que entrar as noções de direitos humanos.
É preciso investir em pesquisa em direitos humanos, no curso de Jornalismo, História, Sociologia, Educação Física, Direito. Imagine se tivessem no Brasil 200 pós-graduandos de Direito fazendo pesquisa sobre tortura nos presídios, vendo de perto, ouvindo os presos.
Todo o currículo escolar oficial deveria ter a temática de direitos humanos. Nos cursos que têm adota-se como disciplina separada. É preciso, efetivamente, incluir a temática na educação como um todo.

De onde vem a violência policial que causa a morte de tantos jovens?

É um instrumento de repressão que vem dos sistemas políticos tradicionais que não foram democráticos. É um poder a serviço da elite dominante para exercer o controle, seja no sentido político, no sentido da legalidade penal. A lei no Brasil, até 1888, permitia ter escravos, proibia o escravo de fugir. O direito humano essencial de ir e vir era negado, então a lei era ilegítima.
A pobre democracia brasileira que começou a funcionar em 1988 ainda era repressora. Mas, estamos começando a avançar. Em 506 anos de existência, há apenas 18 anos o País tem uma constituição democrática.
Dentro das academias de polícia tem o módulo de direitos humanos. Só que às 10h da manhã ele acaba e entra o módulo de abordagem que começa com o treinamento de golpes, ou seja, com violência. Não dá para a polícia ter noção de democracia, de direitos humanos nesse contexto. Direitos humanos têm que estar presentes em toda a formação do policial.

E o papel da mídia na Educação em Direitos Humanos?

A mídia, nesse momento, é a área mais essencial para promover essa discussão. A Rede Globo, por exemplo, tem incorporado nas suas produções temáticas como a síndrome de down, a discussão sobre a reforma agrária, a homofobia, a questão racial etc. As rádios estão muito concentradas em interesses comerciais. Em algumas cidades, elas só sobrevivem com o dinheiro do prefeito. Isso tem se tornando um agravante tendencioso que realimenta todos os preconceitos.
Recentemente no Rio de Janeiro uma herdeira da empresa Gerdau foi assassinada por um adolescente e um certo jornal colocou em primeira página a foto dele, sem tarja, com o nome, e, em baixo, dizia: “O jornal tem consciência de que a lei brasileira proíbe a divulgação de fotos de adolescentes infratores, porém para expressar a indignação da sociedade esse jornal resolveu divulgar a foto”. Ou seja, violou a lei para surfar na onda da indignação do leitor que vê na morte da mulher bonita, da elite, motivos para diminuir a maioridade penal, entre outras medidas paliativas e passionais.
O que nós temos feito é nada mais do que um começo. É um mundo para ser construído. Na hora que a gente conseguir convencer os veículos de comunicação a fazerem vinhetas sobre os direitos humanos as coisas podem começar a mudar e isso só será real quando a sociedade começar a incorporar.

Qual o papel das organizações sociais e das empresas na promoção dos direitos humanos?

As ONGs cumprem um papel que, muitas vezes, o governo não tem condição de fazer porque o Estado, por sua natureza, não pode ser numericamente extenso, já que fica muito caro manter toda essa máquina. É muito importante dizer que as ONGs não são Estado. Como exemplo, temos a Revista Viração: um grupo de jovens que desenvolvem um trabalho de conscientização. Então o governo chama esse grupo e propõe uma atuação conjunta. Os jovens da Viração têm capilaridades, vocês estão vivendo na sociedade como membros da sociedade e não como agentes do Estado.
Já o setor privado no Brasil têm duas importantes instituições, o Instituto Ethos e o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), que mobilizam e sensibilizam as empresas a destinarem seus recursos a projetos em prol da comunidade. Crescentemente, as empresas estão publicando os seus balanços anuais mostrando para a sociedade quanto e onde foram aplicados estes recursos. Instituições como estas são importantíssimas para todo esse processo.

Quais foram os avanços no governo Lula em Direitos Humanos?

O grande gol do governo foi ter colocado como prioridade o combate à pobreza e à fome. O Brasil já tinha políticas de direitos humanos, só que colocadas como de um outro departamento. Como assim? A Alimentação é ou não um direito à vida? Como a mulher pode reivindicar os seus direitos se ela não tem o que comer em casa, o que dá para os filhos se alimentarem. Como vamos falar dos direitos da criança e do adolescente para uma criança, que no Nordeste, ate 20 anos atrás, tinha um alto índice de mortalidade infantil e desnutrição. São questões que precisam ser enfrentadas e que estamos enfrentando. O Brasil vive hoje o menor índice de desigualdade social dos últimos 30 anos. Mas é preciso avançar.

E a educação em direitos humanos?

Todo o nosso Plano de Educação em Direitos Humanos foi feito conforme uma recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) para que os Estados partes fomentem a educação como um instrumento de transformação cultural.
Nossa proposta é fazer revisões periódicas. Não dá para um Plano como esse durar dez, vinte anos. É preciso que se faça uma revisão de três em três anos. Como fazer isso? Promovendo encontros e discussões. Estamos incentivando e estimulando o debate junto à sociedade. Temos de fomentar o potencial transformador da educação. Esse é um processo que está apenas começando e todos nós temos a nossa contribuição a dar.

Matéria original: Direitos Humanos: realidade ou utopia?

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