Discurso de posse – Desembargador Paulo Rangel – TJ Rio

DISCURSO DE POSSE

Cumprimentos a todas as autoridades.

– Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta que leva para a perdição e espaçoso o caminho que a ela conduz, e muitos são os que por ela entram.

– Quão pequena é a porta da vida! quão apertado o caminho que a ela conduz! E quão poucos a encontram! (S. MATEUS, 7:13 e 14.)

Larga é a porta da perdição, porque são numerosas as paixões más e porque o maior número de pessoas envereda pelo caminho do mal. É estreita a porta da salvação, porque a grandes esforços sobre si mesmo é obrigado o homem que a queira transpor, para vencer suas más tendências, coisa a que poucos se resignam. É o complemento da máxima: “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.”

Senhores, Peço permissão para iniciar minha fala com esta singela passagem bíblica, mas significativa ao meu modo de ver, porque retrata a minha realidade. Em minha vida sempre preferi o caminho apertado e a porta estreita, certo de que o desvio de conduta me levaria a um mundo sem volta, não necessariamente pelas conseqüências jurídicas, mas em especial pelo comprometimento espiritual e ético.

Sou de uma família simples e humilde, mas dotada dos mais rigorosos compromissos éticos e espirituais, sem os quais, penso, um ser humano não pode viver.

Quando iniciei minha campanha a este Egrégio Tribunal passei por uma experiência marcante que não posso me furtar de dizer:

● procurei uma determinada autoridade e pedi seu apoio e de imediato ela me perguntou quem, no órgão Especial, apoiava meu nome. Fui sincero. Estava em início de campanha e não tinha o apoio de ninguém do órgão, mas tinha sim DEUS me apoiando, me guiando e orientando meus passos. Foi então que veio a heresia verbal. Disse ele: “Meu filho DEUS não vota no órgão Especial, DEUS não tem assento neste Tribunal.Você precisa de alguém do órgão especial para defender seu nome. Desculpa, mas não posso te ajudar”.

Agradeci a gentileza de ter me recebido e fui embora, sinceramente, chocado, estupefato com o que acabava de ouvir.

Não tardou muito veio a resposta divina: “Rangel, a 1ª Dama está recebendo os candidatos que a estão procurando e receberá você também com prazer”.

Vossa Excelência, Dra. ADRIANA ANCELMO, gostou do meu curriculum, gostou de minha história de vida e defendeu meu nome, no Palácio. Sou grato a honraria que me foi deferida porque sei da pressão que se faz num processo eleitoral dessa envergadura.

Como se não bastasse, Vossa Excelência Governador, em nosso encontro, disse-me que se eu entrasse em lista, seria nomeado por tudo que eu representava no mundo jurídico e pela minha postura no Ministério Público, pois meu Procurador Geral, Dr. Cláudio Soares Lopes presente ao encontro, e que, incondicionalmente, apoiou meu nome, ratificava a escolha afirmando que seria uma honra para o Ministério Público entregar uma lista sêxtupla com meu nome.

Se o Grande Arquiteto do Universo estava comigo até aqui, ele não me abandonou mais.

Ao chegar no TJRJ Vossa Excelência, Presidente Luiz Zveiter, me recebeu e disse: “Como Judeu, penso que está na hora de termos um negro nesse Tribunal, em especial com o seu curriculum que o legitima, por si só, independente da cor da sua pele. Seja bem vindo”.

Defendeu meu nome e iniciei uma campanha com simplicidade, humildade, transparência e com ética, sem ataques a quem quer que seja. E aqui estou, e pergunto: DEUS precisa votar? Precisa ter assento no órgão Especial? É claro que DEUS muito mais do que ter assento no Órgão especial, criou tudo o que está a nossa volta e se aqui estamos é porque ele permitiu. Enganam-se aqueles que pensam que sozinhos, com sua competência, conseguiram chegar até aqui. Se competência e inteligência temos é porque Ele nos emprestou. Tudo o que temos é emprestado. Nada nos pertence.

E por respeito a este empréstimo é que temos que usar bem o que nos foi emprestado. Quando usamos mal, ele nos toma. Com a mesma facilidade com que um Pai retira a chupeta da boca de seu filho. Não preciso dar exemplos de homens públicos que usaram mal o cargo que lhes foi emprestado e o que aconteceu.

Basta lerem os jornais.

Nada na vida acontece sem que haja a permissão divina e é por isso que digo que sou um privilegiado.

Governador, SÉRGIO CABRAL, vossa excelência nomeou um homem simples do povo, tenho dito que chegar até aqui para mim é motivo de orgulho e de fé em DEUS que sempre me abençoou. Nasci no subúrbio do Rio de Janeiro. Meu primeiro emprego foi de porteiro de edifício, depois, melhorei um pouco, tive um UP GRADE e fui ser vendedor na falecida MESBLA (meu amigo juiz Roberto Ayub, professor de Direito Empresarial, agora já sabe o porque que a Mesbla faliu. Eu não sabia vender, Ayub).

Sempre acreditando que os livros salvam o homem investi nos estudos e fiz concurso para a gloriosa polícia civil do nosso estado. Motivo de orgulho para mim.

Na polícia iniciei meus estudos na universidade e me deparei com as dificuldades normais da vida. Mas nunca desisti. Não foram poucos os obstáculos, todos superados. Sempre tive o amparo de pessoas boas que me orientaram e ajudaram, ou melhor, sempre tive DEUS que colocou essas pessoas em meu caminho, afastando as que quiseram me fazer mal.

Ingressei no Ministério Público e tive, graças a DEUS, uma carreira de glória, durante quase dezoito anos. Trago o Ministério Público no coração e a certeza de que a exemplo também do Judiciário que agora passo a integrar é a reserva moral da sociedade.

Mas aqui um registro que não posso me furtar de fazer: se recebi tanto serei cobrado no mesmo tanto, por isso “a quem muito foi dado muito será pedido”. Eu não tenho dúvida.

Não esqueço das palavras dos meus queridos Pais que já partiram, quando tomei posse como promotor de justiça:

“MEU FILHO, NÃO ESQUEÇA O LUGAR DA ONDE VOCÊ VEIO E O NOME DE SUA FAMÍLIA. EXERCITE NA PROFISSÃO AQUILO QUE TE ENSINAMOS EM CASA E SEJA FELIZ COM DEUS EM SEU CORAÇÃO.”

Tenho plena convicção que o papel que ora passo a desempenhar de Desembargador desta corte exigirá de mim muito mais do que o conhecimento do direito. Direito a gente estuda e aprende. Direito o colega ensina. Os livros ensinam. Direito, podemos fazer um curso de mestrado e doutorado e aprendemos um pouco mais. Mas a ética, ou se preferirem, o comportamento moral digno do cargo, não se aprende, no exercício da função. Ou se toma posse com ele, ou não. Nenhum colega vai nos ensinar a sermos honestos. A respeitarmos os outros, enquanto seres iguais a nós na sua diferença. Isso se traz de casa, do berço, da criação.

Percebermos que naquele processo com o qual estamos lidando existe um ser humano, igual a nós na sua diferença. Deixarmos de enxergar a lide, ou a pretensão, e enxergar o ser humano. Olharmos para a faxineira, o porteiro, o garçom e os demais funcionários deste tribunal e os enxergarmos. Darmos ao outro visibilidade social. Isto não se aprende. Ou se tem, ou não se tem.

Por isso Ele disse:

Bem-aventurados os pobres de espírito, isto é, os humildes, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que têm puro o coração; bem-aventurados os que são brandos e pacíficos;

É este para mim o grande desafio do cargo que ora passo a ocupar: Saber respeitar as diferenças.

E por falar em diferenças quero aqui registrar meu compromisso com uma causa que não é só nossa, mas de toda a sociedade: a nossa causa do Movimento Afro descendente. A nossa causa de combate a intolerância religiosa.

Para muitos, uma questão sem importância. Para nós que sentimos na carne, uma luta pela sobrevivência. Por isso, meu amigo Paulo Roberto dos Santos – Paulão (Presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro – CEDINE / RJ); Ivanir dos Santos; Frei Davi dos Santos (DA EDUCAFRO), Jose de Oliveira, reassumo meu compromisso na luta pelo respeito as nossas diferenças. Até porque ela é constitucional e eu acabei de fazer um juramento de defendê-la.

E dou um exemplo aos senhores:

Na SPFW, em 12/04/2009, se descobriu que as modelos negras eram preteridas e o Ministério Público instaurou um inquérito civil público. A estilista GLÓRIA COELHO chamada a prestar depoimento sobre o fato, disse:

Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, faxineiras por que têm de estar na passarela?”

Ou seja, o lugar comum para o negro, segundo ela, é em qualquer lugar, menos na passarela. Imagina se ela me vir aqui tomando posse, Governador.

Por isso digo que seu ato de me nomear é também simbólico e representativo, banhado pela ética da alteridade de Henrique Dussel, filósofo argentino, e será sempre reconhecido por todos do Movimento Afro.

Por falar em humildade, gentileza, sabedoria e respeito aos colegas não posso deixar de consignar minha satisfação e orgulho em assumir o lugar deixado nesta corte por um dos maiores desembargadores que o quinto do Ministério Público já produziu: ANGELO MOREIRA GLIOCHE. Receba meu professor um fraternal abraço e a certeza de que farei o possível e impossível para honrar o lugar que vossa excelência deixou.

No mesmo passo quero deixar consignado o apreço e respeito a um desembargador que hoje está fazendo aniversário e largou as comemorações em família para me prestigiar: Geraldo Prado. Obrigado amigo, por tudo e parabéns.

Na mesma esteira da amizade fraterna está o irmão SÉRGIO COELHO. Obrigado por tudo, parceiro.

Cumprimento todos os advogados na pessoa de João Batista Coelho, homem probo, sério, correto e que está a 45 anos andando pelos corredores deste tribunal buscando justiça. Parabéns. Você é um exemplo de vida.

O compromisso de bem atuar, enquanto desembargador é um compromisso prestado perante DEUS e como tal com a responsabilidade ética de um filho para com seu Pai.

Por último, sem querer cansá-los mais do que já o fiz, a bondade Divina não terminou com esta posse. Deus colocou em meu caminho uma mulher que faz toda a diferença em minha vida: ELIANE COELHO RANGEL. Obrigado por tudo meu amor, em especial por me dar a expectativa do nascimento de nossa Maria Fernanda.

Na ausência de palavras que expressem a você o meu amor, me socorro de Vinicius de Morais

Soneto de Fidelidade De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tenho): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.

Um beijo no seu coração.

E que o Grande Arquiteto do Universo ilumine a todos.

Obrigado!

Rio, 05 de abril de 2010.

Paulo Rangel

Fonte: Blog do Humberto Adami

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