Dois pesos e duas medidas

Foto: JORGE ADORNO / REUTERS

No final de abril, uma série de denúncias atingiu o presidente Fernando Lugo, do Paraguai, e foram de tal ordem que já causariam grande prejuízo à imagem de qualquer governante. No caso de Lugo, entretanto, elas ultrapassaram os limites do escandaloso, por ser o presidente paraguaio um ex-bispo da Igreja católica. Tais denúncias referem-se à descoberta de que Lugo é pai de várias crianças, filhos/as de mães diferentes, todos/as engendrados/as quando ainda era um eminente membro da hierarquia católica paraguaia.

Alguns detalhes das denúncias revelam ainda comportamentos que beiram o escárnio: um dos filhos assumidos por Lugo foi batizado com o nome de Juan Pablo, uma “singela” homenagem ao ex-papa João Paulo II. Além disso, há suspeita de que Lugo tenha cometido estupro, o que ainda não foi comprovado.

Tal comportamento, além de demonstrar total descompromisso com o voto de celibato feito quando Lugo ingressou no clero, expõe de forma crua a hipocrisia com que a hierarquia católica lida com a sexualidade. E como impõe e mantém uma dupla moral machista e indecente.

Quando se trata de perseguir mulheres e homossexuais e condená-las/os a uma espécie de “cidadania de segunda classe”, a hierarquia católica tem sido inflexível, dura e, às vezes, chega às raias da crueldade, como foi o caso da excomunhão proferida por um arcebispo no caso da menina de nove anos do Recife que sofreu aborto após ter sido violentada por seu padrasto. Dom José Sobrinho chegou a dizer que o aborto é pior do que o estupro, algo que choca tanto pela banalização e legitimação da violência sexual cometida contra mulheres e meninas, quanto pela falta de compaixão em nome de um apego a regras e princípios abstratos, totalmente desconectados da realidade cotidiana das e dos fiéis.

Quando se trata de “falhas” cometidas pelos “santos” homens da Igreja, a reação é sempre muito leniente, até amorosa, para com os faltosos. Nestes casos, clama-se pelo perdão, como fizeram vários bispos brasileiros quanto aos “deslizes” de Lugo (clique aqui para ver as declarações). Afinal padres, cardeais, bispos, o papa, todos merecem perdão, pois são “apenas” seres humanos falíveis.

Tal atitude, compassiva e indulgente, raramente se aplica a mulheres que abortam (mesmo as vítimas de estupro ou que correm risco de morte), a homossexuais que querem o reconhecimento de suas relações amorosas pela Igreja, a cientistas que pesquisam células-tronco embrionárias, pesquisas que podem salvar ou trazer dignidade para milhares de pessoas que sofrem com deficiências diversas. Para estas/es, a perseguição continua, renitente e implacável, com condenações públicas que se configuram como violência simbólica.

Como católicas e feministas, queremos não apenas apontar esse enorme descompasso entre o que se prega no púlpito e o que se faz na vida cotidiana, mas exigir que tal comportamento seja ,bispos,padresefetiva e definitivamente banido da instituição. Chega de dupla moral. Chega de machismo e hipocrisia. Chega dessa violência simbólica que submete e mata. Ou a hierarquia católica elimina a regra do celibato obrigatório, imposição que para nós é anacrônica e indefensável, ou deve punir exemplarmente cada membro desviante do clero, para que não haja mais dois pesos e duas medidas.

Como católicas e feministas, exigimos que casos de violência sexual cometida por padres e outros membros da hierarquia católica sejam punidos de forma transparente pela lei, sem mais transferências escusas de paróquia, sem pressão sobre as vítimas que denunciam, sem o acobertamento que expõe outras comunidades ao mesmo abusador.

Como católicas e feministas, exigimos coerência. E compromisso com a vida de mulheres e crianças que são emaranhadas em casos escabrosos e ficam sem amparo legal ou social. Exigimos uma igreja que se importe de fato com suas e seus fiéis, não apenas com belos discursos e duras pregações, mas de fato, no cotidiano, com a certeza de que a impunidade deixará de reinar entre os poderosos homens da hierarquia.

Católicas pelo Direito de Decidir
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