‘E a Casa Preta se ergue’

Redefinição das relações raciais via educação, arte e combate ao racismo na Maré

A Casa Preta da Maré surgiu em 2019 como um lugar para se discutir o racismo, trabalhando de forma ampla, nas 16 favelas que compõem a Maré, estratégias para enfrentá-lo. Este ano, o espaço ganhou pela primeira vez recursos financeiros e, também, uma sede, na Rua Sargento Silva Nunes, próximo à sede Nova Holanda da Redes da Maré, à Biblioteca Lima Barreto e à redação do Maré de Notícias (o prédio já foi sede da Associação de Moradores de Nova Holanda, num período de fortalecimento da luta de direitos para a população do território). 

Ainda em 2021, o projeto de formação teórica, metodológica e política para trabalhar as questões étnico-raciais na Maré se consolidou, através de uma programação de cursos livres. Além disso, foi criada a Escola de Letramento Racial da Maré, um curso de formação continuada com 30 jovens do território que recebem uma bolsa de estudos mensal.

 O programa concentra alguns dos paradigmas da Casa: promover a redefinição das relações raciais , combater o racismo na Maré e buscar estratégias para facilitar o acesso de pessoas negras a políticas públicas, principalmente em educação. O objetivo final é que os jovens atendidos sejam multiplicadores das metodologias da Casa Preta, atuando no combate à desigualdade racial em seus territórios.

A aula inaugural da Escola propôs um percurso pela Maré a partir das narrativas e dos espaços de trabalho de três importantes agentes culturais negros do território: Carlos Marra, DJ Renan Valle e Mestre Manoel — este último, em depoimento, afirmou que “a verdadeira história do povo negro foi apagada, substituída por um processo de alienação. O negro brasileiro muitas vezes não reconhece o racismo nas anedotas, nas piadas, nas brincadeiras e expressões populares. É importante que a juventude se engaje e perceba as sutilezas do racismo no Brasil.”

Aula inaugural da Escola de Letramento Racial com Mestre Manoel ocorreu, ainda presencialmente, no Morro do Timbau – Foto: Douglas Lopes

O surgimento da Casa Preta

Em 29 de julho de 2019, o grupo de tecedores da Redes da Maré se reuniu no Museu de Arte do Rio para uma formação imersiva. O objetivo era analisar os dados do Censo Maré e, a partir dele, pensar e propor ações de impacto no Conjunto de Favelas da Maré. 

Analisando o perfil étnico-racial apresentado pela pesquisa, um dado chamou atenção: 62,1% dos moradores  da Maré se autodeclararam pretos ou pardos (os dois formam o grupo racial “negro”). É importante ressaltar que esse número pode ser maior, levando em consideração os efeitos do racismo, que fazem com que muitas pessoas negras não se reconheçam como tal.

A partir dessa análise, foi possível entender a Maré como um território negro, tanto pelo perfil racial de sua população quanto pelas práticas sociais, culturais e históricas. Dona Orosina Vieira, considerada por muitos historiadores como a primeira moradora da Maré, era uma mulher negra. Práticas de cuidado coletivo facilmente vistas na Maré se assemelham às aldeias, irmandades e comunidades africanas e afro-brasileiras. 

Imersos nesta reflexão e movidos por movimentos históricos realizados na Redes da Maré (como o Núcleo de Memórias e Identidades da Maré/ NUMIM, os chás com as Griôs, o Seminário Tereza de Benguela e a Casa das Mulheres da Maré, um espaço de referência no território), surge uma proposta: por que não termos uma “Casa Preta” da Maré? 

Em julho de 2019, um grupo se reuniu para movimentar as ações da Casa Preta e manter a chama acesa. Joelma Sousa, Carlos André Nascimento, Tereza Onã, Thais Jesus, Karla Rodrigues, Angélica Ferrarez e eu seguimos na criação e no desenvolvimento de uma programação de atividades, mesmo sem recursos para tal. Foi criado então o Café Preto, rodas de conversa itinerantes sobre temas caros à população negra da Maré. Em 2020, por conta da pandemia de covid-19, foi impossível manter as atividades presenciais, mas o combate ao racismo continuou: a equipe criou um programa online chamado Café Preto em Casa. 

Terreno fértil

Em 2017, o MC paulistano Rincon Sapiência compôs Galanga Livre (música integrante do disco homônimo), que narra a história fictícia do escravizado Galanga: 

Nossa coragem levantar/

Pro nosso medo encolher/

Fui convidado pro jantar/

Migalhas não vou recolher/

Vida me chama pra cantar/

Sem fuga, livre pra correr/

Um bom terreno pra plantar/

E a casa preta se ergue!

É com a perspectiva de liberdade, entendendo que a Maré é terreno fértil para o plantio de práticas antirracistas, que a Casa Preta da Maré se ergue, saudando as griôs da Maré e lutando por políticas públicas para que jovens negros acessem as estruturas de poder de nossa sociedade. A Casa Preta é o reconhecimento de um passado de lutas pelos direitos das populações negras e a projeção de um futuro.

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