O artigo abaixo é de Leonardo Oliveira, publicitário e mestre em Ciência da Comunicação. Ele atua há 15 anos no mercado publicitário e desde 2012 em campanhas políticas digitais no Brasil e no exterior.
do DCM
Um dos axiomas da teoria da comunicação de massas é que, paradoxalmente ao que acreditam as pessoas que se consideram esclarecidas, é mais fácil manipular aquele que se informa constantemente através da grande mídia (canais de TV, rádio, jornais e revistas) do que os que não consomem nenhum tipo de produto midiático.
Os primeiros são alienados, os últimos, ignorantes. Há um grande desconhecimento do real significado destas palavras.
A construção do discurso monotemático; a simplificação das matizes culturais e políticas; a demonização do adversário e a desqualificação dos interlocutores; quando marteladas através de décadas, deixam como sequela gerações inteiras de alienados sociais, incapazes de argumentar com os que pensam de modo diferente.
São os que preferem o ódio. São os que execram, banem e mortificam seus antagonistas.
Quando confrontados com argumentos mostrando que os mesmos pecados que a mídia os fez abominar também são cometidos pelos que são seus escolhidos, desconversam. Não há provas. Onde saiu? Quem noticiou? Quem provou?
Se não está na mídia, não existe.
Vários pesquisadores da Ciência da Comunicação, Psicologia, Sociologia e Propaganda constataram esse mesmo fenômeno: Jacques Ellul, Edward Bernays, Noam Chomsky, Serge Tchakhotine, Jay Blumler, Dennis Kavanagh, Joanne Miller, Jon Krosnic, Shanto Iyengar, Donald Kinder…
Autores de épocas e países diferentes (e vivendo em regimes políticos e econômicos diferentes) todos conduziram estudos que a seu modo atestam os efeitos corrosivos da aplicação das técnicas de Media Priming e Media Framing nas sociedades democráticas, através dos séculos XX e XXI (para os que se interessam, posso indicar uma boa dezena de obras indispensáveis).
Ellul, em especial, chega ao ponto de exemplificar que é mais fácil manipular as decisões políticas de um intelectual do que um camponês ou operário. Não à toa, os grandes veículos de comunicação estão sempre usando a imagem e a palavra de intelectuais e especialistas nos mais diversos assuntos, para atestar e dar legitimidade ao conteúdo que lhes interessa propagar.
E são as classes médias urbanas (devido ao caráter autômato que lhe foi impingido desde a consolidação das burguesias européias na reconfiguração de classes e responsabilidades sociais no século XVII) as maiores vítimas destes esforços de alienação e manipulação coletiva.
Notem que falo de um fenômeno que se iniciou quando não existiam Marx, comunismo, socialismo, Fidel, URSS ou qualquer outro demônio.
Existia o mercantilismo ocidental, estrutura de formação do capitalismo moderno.
Estes mesmos estudos concluíram que (o que não deixa de ser irônico) em todo mundo são as camadas mais pobres e ignorantes da população, e alijadas dos centros sociais de produção do consenso midiático, que acabam sendo as menos influenciadas ou manipuladas.
Para populações inteiras que habitam o que os autores chamam de “mundo real”, o que importa ao julgar um acontecimento, uma pessoa, um programa social ou um governo é o impacto real que o mesmo teve sobre suas vidas. Na carne, no ato diário de persistir junto aos seus.
Um consultor político da campanha de Bill Clinton em 1992 (meio sem querer, uma vez que seu objetivo era convencer o eleitorado do oposto), sintetizou de outro modo:
– É a economia, estúpido!
Sim, é fato que em toda América Latina, durante séculos os mais pobres e ignorantes foram manipulados também. Pela força bruta, pela truculência agrária, pela intimidação física e pelo desconhecimento de alternativas ao estado de privação em que viveram desde os primeiros dias da colônia.
Na Europa a opressão ocorreu primeiro pelo poder da dobradinha clero/nobreza; depois pelos grandes industriais, donos os meios de produção, que submeteram massas ignorantes à jornadas de trabalho de 18 horas, em condições abjetas, em troca de um salário que não era suficiente sequer para a alimentação própria. O que dizer de sua família.
Foi nesse cenário de abismos sociais onde 1% da população definia o que os 9% logo abaixo deveriam pensar e os 90% restantes deveriam produzir calados é que nasceram os primeiros movimentos de contestação da ordem social, reivindicando o direito à participação política dos excluídos.
Como não eram parte da classe média urbana domesticada, não surtia efeito sobre essa massa o que vendiam os meios de comunicação. E pior, se esse camponês/operário conseguisse se organizar com outros iguais em grupos, passariam do isolamento para a ação de fato, constituindo braços de representação político-partidário.
Essa é a base da formação do todos os movimentos populares no mundo ocidental e que nas últimas 15 décadas vem lutando por uma maior fatia de representação política, seja na Europa, na América do Sul, Central, ou mesmo na Africa.
De alguns anos pra cá, esses movimentos deixaram a marginalidade à qual foram empurrados pelas potências desenvolvidas (através do patrocínio e implantação de ditaduras militares e planos econômicos irresponsáveis e desastrosos nos países econômica e culturalmente subordinados) e passaram a atuar como protagonistas do cenários político global, com amplo destaque para o Brasil e os governos eleitos democraticamente a partir de 2002.
Tudo isso para mostrar que existe uma história por trás de todos os partidos populares, que remonta à república romana, na luta pela igualdade de direitos e representação política das classes subjugadas.
Tudo isso pra explicar que o seu ódio aos partidos de esquerda, mais notadamente ao PT por ser ele o partido governante, na verdade não diz respeito ao que é o PT ou o que ele representa.
Seu ódio não diz respeito aos “escândalos de corrupção nunca antes vistos nesse país”. Diz respeito a um plano de recuperação do poder por parte da elite nacional (ou multinacional, uma vez que hoje em dia todos os grandes veículos de comunicação atuam num mercado global de construção do consenso), que sempre varreu para baixo do tapete as mazelas, os escândalos e a putrefação de seus pares, políticos e industriais.
Seu ódio diz respeito à desinformação e à manipulação a que é submetido desde que nasceu. A um trabalho sistemático de alienação sociopolitica que está em curso há décadas e que nos últimos 12 anos foi confrontado, pela primeira vez.
É perfeito? Claro que não. Mas qual governo, partido, ideologia ou ser humano é?
Existe muita literatura, muito material acadêmico, muitas pesquisas e até alguns excelentes romances que exploram o assunto.
E bom, agora que você leu um pouco do que seus jornais e revistas nunca lhe dirão, continuar a alimentar um ódio irracional sobre pessoas, partidos políticos ou times de futebol, só porque você foi ensinado a abominar qualquer modo de pensamento contraditório, é de sua inteira responsabilidade.