É singular essa República

Edson Lopes Cardoso

– Fonte: Írohín Jornal Online

Na última sexta-feira (29.05.2009), a coluna “Panorama Político “, do jornal “O Globo”, comentou brevemente uma “curiosidade” da pesquisa sobre reforma política realizada por Diap/Inesc.

“Dos 150 parlamentares ouvidos, 16,7 defendem uma cota para representantes dos povos indígenas; 12% apóiam políticas afirmativas para garantir mais negros no Congresso” (p. 2).

Na noite da quinta-feira anterior, em intervalo do “Jornal Nacional”, da Rede Globo de Televisão, foi ao ar mais um programa do Partido dos Trabalhadores. Eram claros todos os personagens que tinham expressão partidária, institucional ou sindical. Eram escuros os representantes do povo agradecido e o apresentador do programa.

No “governo de todos”, a parte que representa o todo é clara. Os escuros, emocionados e dramáticos, agradecem as benfeitorias. O programa do partido mais “popular e democrático” tem a força da evidência que nenhuma manipulação verbal pode ocultar. Os negros não são visíveis nas propagandas partidárias, nem o são também no Congresso Nacional.

“Triste é não ser branco”, anotou em seu diário Lima Barreto, em 24 de janeiro de 1908, após ser barrado em uma visita a navios americanos ancorados no porto do Rio de Janeiro (Diário Íntimo. São Paulo: Brasiliense, 1956, p.130). Os políticos negros do PT devem ter anotado algo semelhante em seus diários, após a exibição do programa de TV.

Relacionado por Ilmar Franco de ” O Globo” entre as “curiosidades da pesquisa”, o tema transcende em muito essa avaliação frívola. Em 10 de janeiro de 1905, Lima Barreto (nascido a 13 de maio de 1881) anotava em seu diário, sobre o engavetamento da nomeação de um professor negro para o Colégio Militar:

“É singular que, fazendo eles a República, ela não a fosse de tal forma liberal, que pudesse dar um lugar de professor a um negro. É singular essa República” (Diário, p. 82).

O programa do PT e a pesquisa Diap/Inesc demonstram como igualdade e liberdade são ainda abstrações na política brasileira. Se o TSE incluísse o dado cor/raça nos formulários dos candidatos poderíamos dimensionar mais amplamente a participação política de negros e índios, inclusive avaliando o fosso que separa candidatos de eleitos.

É singular essa República que continua, mais de um século depois dos registros de Lima Barreto, excluindo negros e índios. É singular também o jornalismo que se recusa a explorar as possibilidades que uma pesquisa pode oferecer de aumentar nosso conhecimento da realidade social e política do país.

Matéria original: É singular essa República

+ sobre o tema

Quilombolas pedem orçamento e celeridade em regularização de terras

O lançamento do Plano de Ação da Agenda Nacional...

É a segurança, estúpido!

Os altos índices de criminalidade constituem o principal problema...

Presidente da COP30 lamenta exclusão de quilombolas de carta da conferência

O embaixador André Corrêa do Lago lamentou nesta segunda-feira (31)...

Prefeitura do Rio revoga resolução que reconhecia práticas de matriz africana no SUS; ‘retrocesso’, dizem entidades

O prefeito Eduardo Paes (PSD) revogou, na última terça-feira (25), uma...

para lembrar

Deputado Stepan Nercessian pedirá investigação contra si próprio

O deputado federal e ator confirmou ter recebido R$...

Aécio Neves desmente saída do PSDB

Ex-governador nega intenção de deixar a legenda. Informação foi...

Elogio à liberdade de expressão

O politicamente correto é uma ameaça à liberdade de...

Após tempestade matar 15 nos EUA, Obama decreta emergência em NY

Passagem de Sandy deixou cidade de Nova York alagada...

Decisão de julgar golpistas é histórica

Num país que leva impunidade como selo, anistia como marca, jeitinho no DNA, não é trivial que uma Turma de cinco ministros do Supremo...

A ADPF das Favelas combate o crime

O STF retomou o julgamento da ADPF das Favelas, em que se discute a constitucionalidade da política de segurança pública do RJ. Desde 2019, a...

STF torna Bolsonaro réu por tentativa de golpe e abre caminho para julgar ex-presidente até o fim do ano

A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (26), por unanimidade, receber a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) e tornar réus o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)...
-+=