Educação em direitos humanos ainda é desafio no País

 

 

Apesar de alguns avanços conquistados pela sociedade brasileira, como a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) ainda é desconhecido pela população e ficou restrito aos grupos que atuam na área. Essa é a opinião da doutoranda em Direitos Humanos e procuradora do Município de Belo Horizonte, Delze dos Santos Laureano, que participou, nesta sexta-feira (11/12/09), do Debate Público Educação em Direitos Humanos realizado no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Os trabalhos foram coordenados pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, deputado Durval Ângelo (PT), que também é o autor do requerimento para a realização do debate.

 

Elaborado em 2003, o PNEDH aprofunda questões do Programa Nacional de Direitos Humanos e incorpora aspectos dos principais documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Sua estrutura atual trata dos princípios, objetivos, diretrizes e linhas de ação, em cinco grandes áreas de atuação: educação básica; educação superior; educação não formal; educação dos programas dos sistemas de justiça e de segurança pública; e educação e mídia. As ações referem-se às três esferas de Governo e aos diferentes Poderes, bem como às entidades de defesa dos direitos humanos.

 

Delze Laureano disse que o plano explicita que a educação em direitos humanos deve ser compreendida como um processo voltado para a promoção da paz, da justiça social e da democracia. Para ela, entretanto, apesar de elaborado em 2003, o plano é conhecido apenas por uma minoria. “Infelizmente no Brasil os Direitos Humanos são vistos como caridade, como um favor, e não como um direito de cada um”, afirmou.

 

Ela também falou sobre a educação nas escolas. Segundo a procuradora, as escolas hoje são repressoras e de nada adianta falar para os alunos sobre direitos humanos se eles são violentados quotidianamente. “Na verdade o que realmente educa o cidadão nos direitos humanos é quando ele é forçado a lutar pelos seus direitos”, destacou. Para ela, é preciso pensar sobre o que vem impedindo uma verdadeira educação em Direitos Humanos nas escolas. “Apenas fazer cartilhas e solicitar a colaboração da mídia não é suficiente para fazer a sociedade avançar”, considerou.

 

MST –

 

Outra crítica feita foi em relação ao papel desempenhado pela mídia. Delze Laureano citou como exemplo o discurso da mídia em relação às ações do Movimento dos Sem-Terra (MST). “A mídia criminaliza as ações do MST. É preciso que a sociedade compreenda que, ao contrário do divulgado, o MST não invade, mas ocupa terras que não desempenham a função social estabelecida pela Constituição”, afirmou. Para Delze Laureano, o próprio governo nega as premissas do plano ao destinar poucos recursos para a reforma agrária.

 

Especialista defende mudança na mentalidade

 

O promotor de Justiça, Rodrigo Figueira de Oliveira, destacou a necessidade de uma mudança de mentalidade. “É triste constatar que as violações dos Direitos Humanos são comumente aceitas na sociedade”, afirmou. Segundo ele, os exemplos são muitos e podem ser constatados como em brincadeiras que acontecem nos colégios entre os alunos, nos locais de trabalho. “A piada e a ironia muitas vezes tem o recheio do preconceito”, considerou.

 

Nesse sentido, o deputado Durval Ângelo (PT) falou sobre uma pesquisa realizada em 2002 e divulgada pelo jornal O Tempo. Foram entrevistados 1.704 universitários e, por exemplo, 40% dos estudantes concordaram com a prática da tortura em determinados casos e 44,5% concordavam totalmente ou parcialmente com o fechamento do Congresso Nacional. Para Durval Ângelo, esses números mostram um desconhecimento e preconceito em relação aos Direitos Humanos. “Essa pesquisa mostra claramente a necessidade fundamental de trabalharmos a questão da educação em Direitos Humanos na sociedade brasileira”, considerou.

 

Para Rodrigo Oliveira, colocar em prática a educação em direitos humanos pode trazer resultados positivos para o Poder Judiciário brasileiro. Segundo ele, muitos dos problemas que chegam hoje à Justiça, em especial relacionados a conflitos sociais, poderiam ser evitados se a mentalidade das pessoas fosse modificada. “É muito mais importante mudar as mentes do que as leis”, afirmou.

 

Escolas –

 

O secretário municipal de Educação e Cultura de Contagem, Lindomar Diamantino, defendeu as escolas como o espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação em Direitos Humanos. “A educação tem um papel importante na transformação das pessoas”, afirmou. Entretanto, disse ser importante que o Poder Público desenvolva políticas intersetorias voltadas para os Direitos Humanos.

 

Segundo o secretário, atualmente 46% dos estudantes em Contagem são das classes D e E, o que mostra a necessidade de desenvolvimento de políticas de amparo e de inclusão social, que ultrapassam os muros das escolas. “No papel de gestores públicos, nós temos uma imensa responsabilidade de colocar a educação em Direitos Humanos na agenda do dia”, afirmou.

 

Já a representante da Secretaria de Recursos Humanos da Prefeitura de Belo Horizonte, Ednéia Corrêa Trindade, afirmou que a prefeitura vem buscando reestruturar a secretaria com o objetivo de preparar o servidor público para atender a população seguindo os princípios dos Direitos Humanos. Segundo ela, está sendo preparado um código de ética para orientar o servidor nesse sentido. “Queremos que cada um seja atendido como ser humano, propiciando uma igualdade no tratamento de cada cidadão”, disse. Ednéia Trindade destacou que o plano não deve estar restrito às escolas, devendo a educação em Direitos Humanos estar em todos os setores da sociedade.

 

Preparar o jovem para a democracia é um dos desafios

 

Um dos maiores desafios na implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos é, segundo a professora Egídia Maria de Almeida Aiexe, educar para a democracia. Egídia, que é mestre em Direito Constitucional pela UFMG e uma das coordenadoras do Fórum Mineiro de Direitos Humanos, explicou que, apesar do regime democrático, muitas práticas de violência provenientes de períodos autoritários continuam vivas no comportamento social, com reflexo direto nas escolas.

 

A desigualdade econômica, o machismo, a homofobia e o elitismo são algumas delas, afirmou. “Quanto tempo ainda levará para que a Lei Maria da Penha (que pune autores de violência contra a mulher) e o Estatuto da Criança e do Adolescente provoquem a mudança desse comportamento?”, questionou a professora.

 

Ela criticou a mídia por incentivar o preconceito, citando como exemplo uma reportagem do jornal “Estado de Minas” de 2007, afirmando que mendigos estavam “invadindo” a Savassi, como se aquele espaço fosse restrito a pessoas de poder aquisitivo. “As pessoas têm o direito de ir e vir, mas não têm o direito de parar, porque basta se sentar em um banco de praça que chega logo um guarda mandando-as circular”” ironizou.

 

Consciência –

 

Outro desafio levantado por Egídia é a capacitação dos professores para lidar com situações de violência nas escolas. Segundo ela, os educadores precisam ter consciência do seu papel na formação de jovens para a democracia. Para tentar ajudar nessa tarefa, o Fórum Mineiro de Direitos Humanos criou, no último dia 9/12, um comitê estadual de Educação em Direitos Humanos. Mesmo que tenha sido formado informalmente, o comitê propõe um novo olhar sobre a educação, destacou a professora.

 

Contudo, esse grupo precisará atuar de forma efetiva para obter os resultados desejados, ressaltou a superintendente de Integração de Políticas de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Márcia Martini. Para isso, ela sugeriu que fosse seguido um plano de ação com dez itens, que inclui a elaboração da minuta do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos, a divulgação, a capacitação de gestores, a avaliação e o acompanhamento da implementação do plano. Nos contatos que teve com gestores em outros Estados, ela relatou que percebeu uma certa falta de rumo em relação a essa tarefa.

 

Debates –

 

Alguns questionamentos foram feitos aos expositores, durante a fase de debates, entre eles, sobre os direitos dos professores, se há previsão de educação específica para indígenas e descendentes de quilombolas. Delze Laureano enfatizou a necessidade de se divulgar o PNEDH entre os movimentos sociais e desconstruir o preconceito contra os Direitos Humanos. Durval Ângelo disse que a educação para indígenas já tem algumas iniciativas, no projeto entre Estado e UFMG.

 

A professora Egídia Aiexe também destacou como grande desafio envolver os profissionais da educação na discussão do plano. E informou sobre o site que estará no ar, na próxima semana, com todas as informações do comitê de elaboração do Plano de Educação em Direitos Humanos: (www.ufmg.br/edhmg.). Para melhor construção do plano, ela sugeriu a criação de um programa denominado Observatórios de Direitos Humanos nas Escolas, que seria composto por equipes multidisciplinares para acompanhar as relações que se dão naquele espaço.

 

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