PROPOSTA PEDAGÓGICA
A afirmação da identidade nas comunidades negras rurais passa pelo valor da terra e pela especificidade de suas expressões culturais. Gloria Moura
1. Conceituação e justificativa
Conhecer a história das comunidades remanescentes de quilombos existentes em todos os estados da Federação é importante para todos os brasileiros.
Quando se fala em quilombos, o brasileiro se reporta ao conceito emitido pelo Conselho Ultramarino em 1740 “(…) toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.
Atualmente, podemos conceituar Quilombos Contemporâneos como comunidades negras rurais habitadas por descendentes de africanos escravizados, que mantêm laços de parentesco e vivem, em sua maioria, de culturas de subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada secularmente pelo grupo. Os habitantes dessas comunidades valorizam as tradições culturais dos antepassados, religiosas ou não, recriando-as no presente. Possuem uma história comum e têm normas de pertencimento explícitas, com consciência de sua identidade. São também chamadas de comunidades remanescentes de quilombos, terras de preto, terras de santo ou santíssimo.
A visibilidade das comunidades negras rurais começou a ganhar expressão a partir da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo Art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias garantiu a propriedade dos moradores nas áreas supracitadas. Baseados na Lei, os quilombolas lutam pela emissão dos títulos definitivos de suas terras.
Hoje, os quilombolas buscam superar a prática da cultura de subsistência e acreditam na possibilidade de sobreviver respeitando os costumes do passado e os valores ancestrais, procurando estratégias de desenvolvimento sustentável, na perspectiva de garantia de vida digna.
Há avanços nas políticas públicas para as áreas de comunidades remanescentes de quilombos, como, por exemplo, o Decreto n. 4.887/2003 que “Regulamenta o procedimento para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Este Decreto apresenta um novo caráter fundiário, dando ênfase à cultura, à memória, à história e à territorialidade, uma inovação no Brasil, que é o reconhecimento do Direito Étnico. O estudo da história dos quilombos contemporâneos é de suma importância na afirmação da identidade do povo brasileiro e a sua inclusão no currículo da Educação Básica é fundamental para a formação da nacionalidade.
Na área educacional, há alguns marcos como a publicação, pela Secretaria de Educação Fundamental do MEC, do livro Uma história do povo Kalunga, em 2002, sobre a saga da comunidade do norte de Goiás. A metodologia utilizada na pesquisa para o livro baseou-se num trabalho de campo de corte etnográfico, que consistiu numa ação pedagógica nas escolas da referida comunidade, num trabalho conjunto entre a equipe do projeto, os alunos e a comunidade.
A proposta da Educação Quilombola, no programa Salto para o Futuro, é a de possibilitar que professores repensem, à luz da experiência dos quilombos contemporâneos, o papel da escola como fonte de afirmação da identidade nacional. É um desafio desenvolver, na escola, novos espaços pedagógicos que propiciem a valorização das identidades brasileiras, via um currículo que leve o aluno a conhecer suas origens.
Há uma demanda antiga dos movimentos negros, de professores e de setores da sociedade brasileira, no sentido de que a escola formal desvele esse conhecimento. Com a alteração da Lei n. 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pela Lei n. 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, torna-se oportuno e agora obrigatório o estudo dessa parte da História do Brasil. As “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Historia” instituem normas para a implantação da referida Lei.
É obrigação da escola a transmissão da história dos quilombos contemporâneos e de sua situação atual. Difundir os saberes dessas populações entre todas as crianças brasileiras é pertinente, como um meio de compreensão e de afirmação de nossa identidade multiétnica e pluricultural, em que se deve basear a defesa consciente dos valores da cidadania. De uma forma mais abrangente, para a sociedade brasileira como um todo também é importante esse conhecimento.
2. Objetivos
Objetivo geral: Oferecer, a professores, multiplicadores e a futuros profissionais da educação, conhecimentos sobre as Comunidades Remanescentes de Quilombos na atualidade e sobre a Educação nessas áreas.
Objetivo específico: Discutir, em 5 programas, os seguintes conteúdos: conceito de quilombo contemporâneo; saberes tradicionais; a organização social das comunidades quilombolas; as festas como veículo de educação não-formal; as experiências inovadoras em educação em quilombos; a Educação Quilombola e a Lei n. 10.639/2003.
3. Fundamentação teórica
A série Educação Quilombola pretende oferecer aos professores conhecimentos para uma atuação efetiva em sala de aula na formação da cidadania, com respeito pelas diversas matrizes culturais, a partir das quais se constrói a identidade brasileira. Pretende, ainda, valorizar as nossas origens e a nossa história, como condição de afirmação da nossa dignidade enquanto pessoas e de nossa herança cultural, como parte da infinita diversidade que constitui a riqueza do ser humano. Tais valores se revelam essenciais numa sociedade marcada, simultaneamente, por uma formação pluriétnica e pelo peso da herança escravocrata.
A escola tem um papel fundamental para os moradores dos quilombos contemporâneos, mas eles desejam uma escola sua, da comunidade, onde suas diferenças sejam respeitadas.
A grande diferença que se deve destacar entre a transmissão do saber nas comunidades negras rurais e nas escolas é que, no primeiro caso, o processo, fruto da socialização, desenvolve-se de forma natural e não formal e, no segundo, o saber nem sempre está referenciado na experiência do aluno.
A educação é um instrumento privilegiado para formar cidadãos capazes de conhecer e compreender, para saber discernir e, se necessário, mudar a sociedade em que vivem. Atentar para a composição multicultural do povo brasileiro é condição essencial quando se tem por objetivo formar alunos e professores para o exercício da cidadania.