Ela milita pelo reconhecimento intelectual de mulheres negras no Brasil

A carioca Giovana Xavier, ou @pretadotora, como se autodenomina no Instagram, diz que sempre teve a sua volta mulheres negras de muita potência. Sua avó nasceu pouco depois da abolição da escravatura no Brasil e aprendeu desde cedo e sozinha a ler, escrever e trabalhar para sobreviver. Já sua mãe atuou por quase 30 anos como professora de educação básica da rede pública e tinha como alunos principalmente crianças da favela.

Por Marcelo Testoni, do Universa

Giovana Xavier (Foto: @simonplestenjak/Reprodução/Facebook)

“As duas foram as minhas grandes referências. Se minha avó me incentivava a escrever, com minha mãe pude tomar gosto pela leitura e pelo estudo”, diz Giovana, que de garota do subúrbio, munida apenas de exemplos e incentivos, tornou-se historiadora e professora doutora da faculdade de educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde hoje, aos 40, também coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras.

Criado por Giovana em 2014, a princípio como um encontro informal entre amigas educadoras interessadas em discutir a produção intelectual de brasileiras negras, o grupo em pouco tempo aumentou de tamanho e, em 2017, foi incorporado pela UFRJ com o objetivo de formar nessa temática alunas de graduação e mestrado. A ideia? Que a nova geração acadêmica se empenhe em manter conquistas raciais e feministas e promova ações focadas em comunidades negras.

Entre as intelectuais negras estudadas por ela e pelo grupo estão nomes como Conceição Evaristo, Bell Hooks e Azoilda Loretto da Trindade, ativista da luta contra o racismo e mentora de Giovana.

Ela cita ainda Carolina Maria de Jesus, como exemplo de uma mulher negra que ainda não foi devidamente valorizada: “É apresentada sempre como uma ex-favelada que escreveu um livro, e não como uma intelectual que interpreta o Brasil do ponto de vista de mulher negra”.

Neste ano, foi a vez de Giovana apresentar seus pontos de vista ao lançar seu primeiro livro, com o provocativo título de “Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história”.

Escravidão e feminismo

Vinda de uma família pobre, ela enxergava a universidade como um meio de obter um diploma para conseguir um emprego de professora da rede pública e seguir os passos da mãe. Depois de ter interrompido a primeira graduação para trabalhar, prestou vestibular novamente e passou em história pela UFRJ.

Na universidade, fez contato com grandes especialistas em ditadura militar e escravidão e, depois de engatar um mestrado, foi trabalhar na Universidade Federal Fluminense com pioneiras de estudos feministas no Brasil e assim se descobriu nesses temas.

O passo seguinte foi fazer doutorado nos Estados Unidos. “Eu, que jamais havia sonhado em sair do país, fui para Nova York pesquisar o maior arquivo de cultura negra das Américas”, conta. De volta ao Brasil, virou professora na UFRJ e criou a disciplina Intelectuais Negras: Saberes Transgressores, Escritas de Si e Práticas Educativas de Mulheres Negras.

Os erros da escola

Pesquisar e difundir a história das populações negras a partir do seu protagonismo também foi a maneira que Giovana encontrou para reparar as desigualdades que vivenciou na educação básica.

Ela afirma que na escola aprendeu que os negros haviam sido escravizados e que ela descendia desse grupo e nada mais. Então, ter acesso a documentos do passado sobre pessoas negras foi fundamental para ampliar sua percepção de si mesma. “Trabalhei com arquivos de navios negreiros, registros de matrículas de pessoas escravizadas, processos criminais. Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento de novas histórias, que nada têm a ver com subalternidade, como aprendi inicialmente.”

A história do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras tem a ver com esse projeto de mudança e com um momento de transformação social, acredita ela.

“Se vivi dificuldades por ser uma menina negra, num sentido de desigualdade e negação da minha existência, dentro da universidade eu chego ao mesmo tempo que as classes trabalhadoras, com maioria significativa de estudantes negros, devido a políticas de ações afirmativas. E isso tem revolucionado o fazer científico”, diz Giovana, que se define como uma professora militante.

Com seu trabalho, que chama de uma ciência ativista, a professora pretende inspirar uma nova geração de mulheres negras para que continuem estudando e sigam trajetórias tanto na universidade como em espaços profissionais que não foram pensados para elas.

“É aceitar que quem foi historicamente silenciado e consagrado como objeto pode falar por si só, na primeira pessoa. Ver as pessoas negras e sua produção intelectual como protagonistas é fundamental para compreender o desenvolvimento e a história do país.”

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