Pela primeira vez na história, o concurso Miss Brasil elegeu uma mulher indígena para ocupar o posto mais alto da disputa de beleza. A vencedora da edição de 2021 foi a estudante alagoana de psicologia Elâine Souza, 21 anos, que é da etnia Katokinn. Em entrevista a Universa, ela falou sobre a vitória e os desafios neste percurso: “Senti na pele os preconceitos”.
Os retornos negativos e alguns episódios de racismo começaram depois que a jovem ganhou o concurso em Alagoas, em outubro deste ano. Ela chegou a ouvir comentários de que “não era indígena de verdade”, por ter um padrão de beleza não comum, por também conviver na área urbana da cidade, além de ter uma rotina na faculdade. “Tive que ouvir piadinhas como: ‘índio tem que ficar em oca’, ‘não sabia que índio tinha celular e internet'”, conta.
Além disso, o aumento dos compromissos e ações também transformou a rotina da jovem que, até então, tinha uma vida bem tranquila na comunidade indígena Katokinn, que tem pouco mais de mil pessoas aldeadas no pequeno município de Pariconha, no sertão de Alagoas. A pequena comunidade foi reconhecida pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em 2003 e é onde a estudante mora com os pais e a irmã de 10 anos.
Apesar de ficar abalada e, às vezes, triste com os comentários, a nova Miss Brasil é categórica: “Nada disso afetará o que realmente sou e a minha identidade indígena, da qual tenho muito orgulho”.
Representar a beleza indígena em nível nacional é muito mais que uma responsabilidade, é uma questão de legado, evidenciando não só a nossa beleza, mas principalmente as nossas causas e lutas contra o genocídio e todos as perseguições que sempre passamos em funções do agronegócio, garimpos ilegais, demarcações e todos os tipos de tentativas de explorações de nossos territórios.
Elâine Souza, 21 anos, Miss Brasil 2021
O contato de Elâine com o mundo da moda e beleza vem desde pequena, quando ela adorava desenhar roupas e assistir desenhos da Barbie. De pele clara, cabelos crespos e olhos claros, houve sempre a tentativa de romper diversos estereótipos e padrões de beleza para se encaixar.
“Sempre fui muito tímida e olhada de lado devido ao cabelo crespo e aos olhos claros. Enfrento diversos preconceitos por fugir dos padrões estereotipados pela visão colonialista das pessoas em achar que só na região Amazônica têm indígenas e que todos devem seguir o mesmo padrão de beleza”, diz.
O concurso
O Miss e Mister Brasil foram criados pelo Sindicato Nacional Pró-Beleza em 1932. Ele é o único oficial do país e reconhecido pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos no âmbito do programa Salve uma Mulher. Para participar do concurso há diversas regras e requisitos como limitações de idade, mas ele também é considerado um dos mais flexíveis por permitir candidatas e candidatos com filhos e/ou casados.
Thiago Michalasi, presidente do concurso, acredita que a vitória de Elâine é sinônimo de orgulho e quebra de paradigmas e estereótipos de beleza. Para ele, existe um antes e depois da premiação com a vitória da alagoana. “É a oportunidade das novas reflexões sobre os padrões de beleza que já têm mudado até na própria publicidade, fashions week e mostras internacionais”, afirma.
Elâine conta que nunca imaginou ocupar um lugar de tamanha representatividade estadual e nacional no campo da beleza. Para ela, mesmo com toda mudança na rotina após o concurso, o importante é seguir a vida simples e tranquila, além de ser a mesma pessoa que “ama andar descalça na comunidade”. “O sucesso ou a fama não altera a minha essência de ser”, reforça a Miss Brasil 2021.