Eleições 2010: Entrevista JOÃO JORGE

“Não tem como ter esse apoio (a Bassuma) , porque isso seria contra os interesses do partido”

Por Rafael Albuquerque

Bahia Notícias: Fazendo um balanço do Carnaval, qual a sua visão dos blocos afro em geral e do Olodum, que tem mais divulgação e é conhecido internacionalmente?


João Jorge:
Os blocos afro vivem um momento de transição entre o sucesso inicial, a novidade dos anos 70, e a necessidade de se profissionalizar, ter outro tipo de apelo para a própria população afro mestiça. No campo da cultura afrobrasileira, posso dizer que o destaque hoje é do Gandhy, Olodum, Ilê e um pouco o Cortejo Afro. Só que as dificuldades dos blocos afro estão ligadas à estrutura da sociedade, de como ela se organiza desde 1549. Não é um aspecto que só interessa aos blocos afro, mas é uma fotografia da desigualdade que a Bahia vive e que solidamente consegue pensar isso como se fosse uma coisa normal, banalizada. Um exemplo disso é que nos últimos 12 anos, em todo o período perto do carnaval se falava na dificuldade de os blocos afro obterem patrocínio. Diziam que era porque a população negra não estava consumindo, mas nos últimos cinco anos, o consumo na Bahia e em Salvador está sendo liderado pelas classes C, D e E, compostas pelo público do bloco-afro. Agora, os blocos afro precisam se reinventar, que é o que o Olodum está fazendo nesse momento. Nós estamos com muita prudência para manter a cultura, a tradição, a filosofia, mas fazendo as mudanças necessárias.

BN: Mesmo o Olodum sendo uma marca conhecida internacionalmente, ainda há tanta dificuldade com relação a patrocínios?

JJ: Não, porque além do carnaval, temos um trabalho social durante o ano. Então, nossos parceiros que são a Petrobras, o Bradesco e a Embasa participam generosamente com o Olodum no carnaval e, na maioria das vezes, nas atividades do ano inteiro. Só que o Olodum é o bloco afro de maior despesa do carnaval, pois é o único que tem uma banda internacional que se apresentou em 35 países do mundo. Temos maior despesa com segurança, com tecnologia etc.

BN: Os blocos afro pagam todas as taxas exigidas para que uma agremiação desfile no Carnaval de Salvador?

JJ: Pagam todas as taxas. Por ironia, mesmo com os setores que apoiam, há taxas caras. No caso da prefeitura, há um fato inusitado. Alguns blocos afro recebem o apoio da Petrobras, e a prefeitura diz que abre mão do recurso e passa para a empresa. Só que o município tributa isso duas vezes, da Petrobras e dos blocos afro que estão recebendo o incentivo. Nós não repassamos esses custos para o nosso associado, pois isso é subsidiado pelos patrocinadores.

BN: E como você avalia o apoio da Prefeitura e do Governo para os blocos afro?

JJ: A prefeitura na gestão de João Henrique tem sido uma lástima para os blocos afro e afoxés, porque havia uma política pública no governo de Antônio Imbassahy que era destinação de recursos para o Fórum de Entidades Negras, blocos afoxés e afro, e a prefeitura de João Henrique conseguiu acabar com isso. O governo Wagner empreendeu o caminho do “Ouro Negro”, que é bom para os blocos pequenos e médios, mas que pune os blocos grandes, pois cortou recursos. O problema é que os apoios saem perto do carnaval, quando todos os custos estão estourados. O carnaval deveria ser pensado com relação a patrocínios a partir de agosto. Os incentivos e programas precisam de reavaliação, pois este é o mesmo Estado que paga valores altos para o Festival de Verão, para a Stok Car, para campeonato de surf na praia, mas que aos blocos afro paga um valor ínfimo. O que eu penso, é que os blocos afro não podem continuar pedindo dinheiro à prefeitura e ao governo. É preciso gerar mais receita.

 

BN: Qual a importância dos blocos afro para a Bahia?

JJ: O mundo dos blocos afro me parece fundamental para a Bahia. Para Salvador, os blocos afro, afoxés, de percussão têm um impacto grande e precisaria que as autoridades olhassem com outro viés.

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BN: Falando de política, qual a principal motivação para o lançamento de sua candidatura ao Senado?

JJ: A principal motivação é a herança de um sonho baiano de 1798, que é o sonho da Revolta dos Alfaiates, dos Búzios, que era de liberdade. Na época isso não se realizou, e cabe aos baianos e baianas realizar esse sonho. É um compromisso que todos os baianos têm que ter, e fazer com que a Bahia, além da terra da felicidade, seja também da igualdade. Eu sou da comunidade negra, dos direitos humanos, trabalho desde os 15 anos, tenho 54 anos, andei pelo mundo defendendo a Bahia, criei uma marca dos baianos, e espero que a Bahia generosamente me ajude a ser senador para que eu possa a ajudar a Bahia a se desenvolver. É uma equação muito simples: a Bahia só será democrática quando puder ter homens, mulheres, negros e índios no poder. Enquanto não houver isso, estaremos à parte do resto do mundo. Na Bahia, temos tido no governo sempre o mesmo tipo de gente: o homem branco, de origem europeia, de família rica que cresceu no aparelho do Estado, enquanto que da população que é maioria na Bahia, não há representantes. Também tenho motivos de ordem cultural e educacional para lançar minha candidatura. Se nós pegarmos Mandela, Marina Silva, Lula e Obama, a origem dessas pessoas é parecida com a minha. Sou mestiço, filho de negro com branco, sou advogado, mestre em direito público, fiz a minha vida dirigindo um táxi, trabalhei 11 anos no pólo petroquímico, sou resultado da cultura baiana para conquistar o mundo, e ao mesmo tempo estou esperando que a Bahia escolha novas ideias.

BN: Mas você nunca foi candidato a nenhum cargo eletivo.

JJ: Sou o único que nunca exerceu cargo eletivo e nunca foi candidato. Fui diretor da fundação Gregório de Mattos no governo de Mário Kertész, fui do grupo de trabalho interministerial do governo de Fernando Henrique, tenho sido conselheiro de várias organizações, tenho título de cidadão americano da cidade de Atlanta. Tenho formação, conhecimento e amor pela Bahia que vai fazer com que deixe de ser o sexto para ser o terceiro estado do Brasil através do desenvolvimento. Se tivesse tudo bem na Bahia, eu continuaria fazendo minhas ações com o Olodum, com a vida acadêmica, com o grupo de pesquisa que tenho em Brasília de direitos humanos e ações afirmativas, mas a situação exige intervenção humana muito maior do que ser eleitor. E minha candidatura em 2010 representa uma pergunta: é possível que a população pobre, os afrobrasileiros só possam eleger ou possam também ser eleitos? A representação política da Bahia precisa de quadros novos, que apresente a Bahia para o mundo.

BN: Podemos afirmar que o mote de sua campanha e de seu mandato, caso seja eleito, passa pela questão da igualdade étnica?

JJ: Para pela igualdade geral, ampla e irrestrita. Como sou de um segmento amplo, todas as políticas que eu vou propor serão focadas na Bahia como um todo. Posso dizer que o benefício será para toda a comunidade baiana. Então, essa não é uma candidatura negra, da comunidade negra, é uma candidatura dos baianos e das baianas. A Bahia como ideia abstrata é bem bacana, mas ela só se realiza quando os baianos e baianas tiverem mais condições de vida, de participar da vida pública democraticamente. A Bahia tem tudo para ser o terceiro estado do Brasil, mas não pode ser enquanto houver essa pobreza endêmica. Isso não é do governo atual nem do passado, vem desde as capitanias hereditárias. Queria lembrar também que uma das minhas principais lutas será pela educação, segurança e infraestrutura e desenvolvimento do estado.

BN: Mas você aposta tudo nessa eleição?

JJ: As pessoas precisam participar do projeto político para a Bahia. É o momento de que, caso eu venha ser eleito, e estou colocando uma energia muito boa nisso, tenhamos no pequeno PV uma boa votação para Senado. O objetivo é beneficiar o partido e criar uma bancada de deputados com o PV podendo interferir nas políticas do Estado da Bahia. Quero destacar também que toda essa ação tem apoio de um grande baiano que é o ministro da cultura Juca Ferreira, que também é um homem de vivência internacional e que pensa a Bahia a longo prazo.

 

BN: Como você percebe dentro do PV a divisão de ideais que tem separado os integrantes entre Wagner e Bassuma? Você considera como um racha?

JJ: Isso é importante e comum em todos os partidos do Brasil. Eu considero como visões diferentes que precisam ser harmonizadas em uma direção. O partido não tinha candidatura majoritária, houve discussão em cinco lugares da Bahia, e terminou por optar por uma candidatura própria. Essa opção significaria que depois teríamos que listar quais seriam os candidatos e os projetos. Mas isso foi antecipado e saíram o candidato ao governo, Bassuma, e ao Senado, Edson Duarte, e consequentemente outras pessoas também se lançaram. Havia uma necessidade nacional da nossa candidata Marina Silva de ter palanques nos estados, mas depende das necessidades regionais. Temos as possibilidades para o Senado, além de mim, a Beth Wagner e o Edson Duarte; para governador tem o Ruy de Ilhéus e Bassuma. Neste momento, há fortes indicativos de grande rejeição ao nome de Bassuma, pois ele pontuou 1% na pesquisa.

BN: Então, politicamente e estrategicamente seria melhor para o PV apoiar a reeleição do governador Jaques Wagner?

JJ: Seria melhor apoiar a reeleição de Wagner e lançar candidatos próprios ao Senado, e trabalhar intensamente para a bancada de deputados federais e estaduais. A minha candidatura está sendo colocada pelo interesse do PV.

BN: Independentemente de o PV lançar ou não candidato próprio ao governo, como você avalia a gestão de Jaques Wagner?

JJ: É a primeira etapa da redemocratização da Bahia. É um governo que vem após a era em que um grupo dominava a Bahia. O modelo de gestão do Estado, do ponto de vista democrático avançou, e os benefícios como programas de água e luz para todos e casas populares não são fatores anti-Bahia. Isso estimula o desenvolvimento.

BN: E como será a governabilidade caso o candidato do PV seja eleito?

JJ: O PV, independentemente do resultado das eleições, deverá dialogar com as forças políticas da Bahia. Esse é o papel do partido político. Não pode dizer que vai isolar o PV, muito pelo contrário. No Rio de Janeiro, Gabeira disse que não sairia candidato sozinho porque não teria tempo para dialogar. Tem que se levar em conta as diferenças regionais.

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BN: Mas o PV vai mesmo lançar candidato próprio?

JJ: O PV tem candidatura para governador e para senadores, e isso será discutido na convenção de junho. O partido poderá fazer uma política de alianças, mas também poderá sair sozinho se achar que nossa força política seja suficiente para as conquistas. Nem o PT, nem o PMDB e nem o PSDB têm isso aqui na Bahia, tanto que estão atrás de Cesar Borges e ACM Neto.

BN: Diante da divisão estabelecida no PV, como será o apoio do seu grupo a Bassuma caso ele seja realmente o candidato ao governo?

JJ: Caso essa hipótese venha a acontecer, o partido vai conviver com um dilema que muitos partidos viveram na Bahia. Não sei se você se lembra do episódio em que o PSDB apoiou Lula e não apoiou FHC. Às vezes há candidatos que criam tal afastamento do partido e dos interesses da população, que acontece isso. No caso da Bahia, não houve convenção para escolher o candidato Bassuma. Mas tem que se discutir e se colocar o candidato que menos resistência traga ao partido, pois isso é péssimo a qualquer partido político.

 

BN: Então o apoio a Bassuma seria complicado para a legenda?

JJ: Não tem como ter esse apoio, porque isso seria contra os interesses do partido. O interessante é que no programa do PV esse ano, Marina em nenhum momento disse que não fez parte do projeto de Lula. Ela não está no PV para atacar o partido que estava antes. Esse parece ser o componente básico de Bassuma. Ele é candidato a governador, a mulher dele é candidata a deputada e tem o mesmo nome. Essa é uma prática antiga que existe por aí.

BN: Você acha que o PV apresenta força para lançar duas candidaturas ao Senado com possibilidades reais de vitória?

JJ: O PV apresenta fôlego para duas candidaturas e para vitória de uma. São nove candidatos a senador até agora, e no momento que a Bahia está, um dos senadores será do PV e eu espero que seja a nossa candidatura. Evidentemente que cabem dois senadores disputando pelo PV, assim como nos outros partidos. São dois candidatos que contribuem para a votação do partido e para o apoio a Marina.

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BN: Qual mensagem você deixa aos leitores do Bahia Notícias e aos eleitores baianos?

JJ: O que eu quero é que todas as vezes que tenha demanda da população, que o senador esteja presente. O senador tem um papel humano muito importante. Essa é a hora de fazer a diferença e estabelecer novos parâmetros para a política baiana. É só imaginar o Olodum que em 1983 tinha só sete instrumentos, não tinha quase nada, e hoje é uma marca dos baianos. Na política, quero fazer algo parecido. Trabalhar intensamente para que a Bahia deixe de ser o sexto e passe a ser o terceiro estado da nação, através de um novo modelo de desenvolvimento e permitindo que as novas vozes se expressem. Eu quero ser senador dos baianos. Considero também importante que não podemos estimular a dicotomia entre a capital e o interior. Temos que pensar em política em que interior e capital harmonizem seu desenvolvimento.

Fonte: Bahia Notícias

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