Elogios que nunca quis

Linda! Maravilhosa! Bebê! Gata! Boneca! Avião! Gostosa! Delicia! Potranca! Friboi! Psiu…

Enviado por Nayara da Silva Araújo via Guest Post para o Portal Geledés

Esses são alguns dos muitos, dos vários, das centenas de milhares de “elogios” que nós mulheres escutamos ao simples ato de andar na rua e pelo simples fato de sermos mulheres. Isso me violenta! Isso me oprime! Isso me indigna! E ao me indignar sou questionada, Ah não sabe receber um elogio! Estava vestida com que roupa?! Não se rebaixa “não da os cabimentos”.

Só em uma sociedade patriarcal e machista que o direito de insultar, ofender uma mulher pode ser considerado elogio, ao ponto de fazer desses sujeitos alvos fáceis de piadinhas, de julgamentos conservadores, de violações. Só em uma sociedade baseada na desigualdade entre os sexos/gêneros/raça/religião que se torna justificável alguma forma de violência motivada pelas roupas, pela orientação sexual, pela cor e pela prática religiosa. Só em uma sociedade onde homens têm privilégios que mulheres tornam-se responsáveis pela violência que sofrem.

A legitimidade dada a essas condutas humilhantes e violentas por parte da sociedade é absurda. O machismo disfarçado de boa intenção pratica cotidiana na vida de nós mulheres; o cavalheirismo como meio de reprodução da submissão feminina, a lógica que inferioriza mulheres a seres fracos e ingênuos, que por possuir uma vagina, necessita de um homem forte e corajoso, este que por sinal se sente mais macho ao “ajudar” mulheres que nem se quer pediram a sua ajuda!

Afirmar que não bate em mulher por que é um homem de verdade é tão machista como dizer que mulher só deve ser tratada com amor e carinho. As duas afirmações são fundamentadas na superioridade do homem e como consequência na inferioridade da mulher, reforçando praticas violentas. O primeiro discurso não nega que mulheres devam apanhar e nem que homens não possam agredi-las, simplesmente reproduz a elevação do ser homem, já o segundo, associa atitudes que deveriam ser tomadas para com todas as pessoas independentes de sexo, como exclusivas da mulher. De forma alguma está se baseando no reconhecimento da mulher como pilar sustentador da sociedade e sim de um ser fraco, sentimental.

É como diz Regina Navarro, Algo que parece tão inocente pode ser profundamente prejudicial por reforçar inconscientemente ideias que já deveriam ter sido reformuladas. (…) Que tipo de homem deseja proteger uma mulher? Certamente não seria um que a vê como uma igual, que a encara como um par. Mas aquele que se sente superior a ela.

Não sei se seria correto considerar cavalheirismo uma forma mais sutil de oprimir-nos, de modo que ao reforçar logicas machistas e patriarcais, estas que levam a assassinatos, espancamentos, estupros e diversas outras formas de violência, a percepção dessa conduta como gentileza estará legitimando a continuidade e efetividade dessas praticas.

Sair na rua com a certeza de que vai ouvir e ver obscenidades é algo desencorajador. Presenciar companheiras ao andarem de mãos dadas, uma simples manifestação de afeto, sendo alvo de piadas na rua, de cochichos e olhares tortos é perder a fé na humanidade, é odiar existir numa sociedade onde os amores não são respeitados. Sentimos e sofremos o mesmo tipo de violência, pois somos todas mulheres, mas só elas sentem na pele o que é ser julgada por sua sexualidade e só eu sei o que é ser descriminada pela minha cor.

Existir para uma mulher é uma luta diária consigo mesma, ser considerada inferior, objeto, carne, bicho, nada, cotidianamente, é um peso grande demais para se carregar, esse fardo é pesado e machuca, deixa marcas profundas e que dificilmente serão cicatrizadas.

Ao olhar para minhas semelhantes, compartilhamos experiências de sentimentos comuns, sentimento de medo, de dor, de culpa, de tristeza, de revolta. Saber que enquanto mulher estamos expostas a sofrer qualquer tipo de opressão é assustador, vemos umas nas outras futuras ou atuais vítimas e isso é preocupante.

Conseguir forças e coragem de erguer a cabeça e a bandeira feminista é uma tarefa difícil e em alguns dias insuportável, direcionar toda a dor, o medo, a raiva, a angustia, em uma forma de luta pela liberdade e igualdade é um exercício árduo e contínuo que por vezes será solapado pelo cansaço e o desânimo. Mas são também essas mesmas sensações que impulsionam a luta, e que a fazem necessária.

A forma como a sociedade encontra-se estruturada, em um sistema capitalista-patriarcal-racista, nos distanciam com seus estereótipos de beleza, de feminilidade, que nos moldam a seu interesse e utilidade. Não possuímos e nem somos educadas para ter uma consciência coletiva, por mais que vivenciemos as mesmas experiências.

Precisamos nos fazer ouvir e ver, mas para isso precisamos enxerga na outra nos mesmas, nos representarmos, nos protegermos, tendo umas as outras como companheiras de vida. Exigir que nosso espaço seja respeitado e não cerceado, principalmente na política. E saber que por mais sutil que pareça ser nenhuma forma de opressão e violência deve ser suportada em silêncio. Nas veias de cada uma de nós, não corre sangue e sim história, e só nos podemos mudá-la e nos fazer livres.

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