Em 2022, apoiem escritores negros… mas apoiem de verdade!

FONTEPor Jaqueline Fraga, enviado para o Portal Geledés
Jaqueline Fraga (Foto: Artigo Pessoal)

Antes mesmo de me lançar oficialmente como escritora, eu já consumia e divulgava o trabalho de autoras e autores negros. Hoje em dia, com frequência, e sempre que sou convidada para algum evento, costumo trazer para o debate a necessidade de valorizarmos a escrita e a literatura produzida por pessoas negras. Especialmente por mulheres negras, especialmente por autores independentes ou publicados por pequenas editoras, especialmente por pessoas fora do eixo regional dominante. 

Talvez por me enquadrar em cada uma dessas características, eu reconheça, por experiência e causa própria, o quão difícil é para nós, mulher negra, do Nordeste do Brasil, autopublicada, ganhar espaço e visibilidade no cenário nacional. E olhe que o meu primeiro livro, “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, modéstia à parte, já alcançou conquistas e reconhecimentos extremamente importantes. 

A obra foi finalista do Prêmio Jabuti, o principal prêmio literário do Brasil, na categoria “Biografia, documentário e reportagem”. Inclusive, fui a única mulher e a única autora independente entre os finalistas da categoria. O livro também conquistou a menção honrosa do Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo e do Prêmio Literário Maria Firmina dos Reis. Além disso, a série de reportagens que originou a obra conquistou, ainda, o Prêmio Antonieta de Barros Jovens Comunicadores Negros e Negras. 

Soma-se a isso o reconhecimento internacional. Diferentes instituições estrangeiras adquiriram exemplares da obra para integrarem os seus respectivos acervos. Entre elas, as universidades da Califórnia e de Notre Dame, ambas nos Estados Unidos, bem como a Biblioteca do Congresso Americano. A Audible Studios, braço de audiobooks da Amazon, também produziu a versão narrada do livro Negra Sou.

Enfim, são importantes conquistas, das quais tenho imenso orgulho. Mas, ainda assim, é como se eu estivesse sempre aquém das possibilidades reais. Recentemente, a escritora e poeta Mel Duarte, em entrevista ao videocast NeggataPod, apresentado pela cientista social e criadora de conteúdo, Neggata, afirmou: “Valorizem os escritores negros enquanto estão vivos”. Essa frase, aliás, é a manchete da matéria que fala sobre o programa no site Notícia Preta.

É uma frase, um conceito, que costumo repetir reiteradamente também. Precisamos honrar nossos ancestrais e, ao mesmo tempo, valorizar quem está aqui hoje, presente, no corre de cada dia. Afinal, somos os futuros ancestrais daqueles que virão. E que baita responsabilidade saber disso e ter essa noção.

Há um ano, ao ser entrevistada por uma então repórter do Notícia Preta, ela me perguntou: “Como é a divulgação e venda do livro? Você tem algum apoio e caso não tenha acha que essa ausência é justamente o processo de invisibilidade causada por uma estrutura racista?”

Recuperei a resposta para compartilhar aqui com vocês: 

Apoio, hoje, no quesito vendas, eu não possuo. É tudo feito por mim e percebi também a força das redes sociais nesta divulgação. Mas durante o processo de produção do livro, eu consegui parcerias que me apoiaram bastante, inclusive financeiramente, o que me ajudou a diluir os custos. Hoje as pessoas podem adquirir o livro por meio dos meus perfis no Instagram, o @livronegrasou ou o @jaquefraga_, em ambos há o link para a compra do exemplar. Há ainda a página no Facebook (Negra Sou) e o e-mail (livronegrasou@gmail.com). A obra também costuma ser compartilhada por leitoras e leitores e como tenho recebido convites para lives e entrevistas, isso também ajuda na divulgação. Sobre a invisibilidade, o que eu enxergo é que ainda é difícil ingressar no mercado tradicional, sabe? Alcançar uma massa de pessoas. Todas as que têm acesso à obra me dão feedbacks extremamente significativos, contam que a leitura é prazerosa, que precisamos de obras que evidenciem o sucesso de mulheres negras, que o livro entrou para a lista dos seus preferidos, entre outros comentários. E eu fico imensamente feliz com cada retorno desse, de verdade. Ganho o dia sempre que os recebo (rsrs). E também têm as premiações que a série de reportagens conquistou. Mas, de fato, falando pelo agora, não há tanto apoio externo e é provável que o racismo tenha seu peso nisso também. É mais difícil, enquanto mulher negra que atua de forma independente, furar essas barreiras. Temos livros com pautas raciais entre os mais vendidos do país, o que eu acho maravilhoso e desejo que se multiplique, mas não é fácil chegar lá, entre os famosos best-sellers, sem tanta visibilidade e apoio.  

Passados esses 12 meses, eu vejo que muita coisa permanece. Dei novos passos, lancei a segunda edição do Negra Sou e o meu segundo livro, Big Gatilho, ambos pelo Selo Mirada. Mas, também, a vida de escritora segue com seus desafios. E eu sigo os enfrentando. Como citei na apresentação do Negra Sou, publicá-lo foi a realização de um sonho. E fazê-lo chegar cada vez a mais pessoas é a continuação desse desejo. Ninguém disse que seria fácil e de fato não é. 

Por isso, o meu pedido para 2022 é que vocês apoiem escritores negros. Mas apoiem de verdade! E isso inclui consumir e adquirir as obras – se você tem condições de comprar, lógico. A gente, enquanto autor, enquanto profissional da cultura, muitas vezes invisibilizado, inclusive, produz por amor, por vivência, por acreditar naquilo que estamos criando. Valorizarem a escrita e a literatura produzida por pessoas negras, permitindo, aliás, um retorno financeiro (porque sim, isso é importante também).    

A gente vê muitas pessoas elogiando, mas que só “gastam”, ou investem, em autores padrão, ou que conseguiram furar a bolha, ou que têm dezenas ou centenas de milhares de seguidores. Agora, apoiar a autora local, da sua cidade, ou fora do eixo Rio-São Paulo, ou que, apesar de reconhecimentos importantes, ainda não “estourou” no cenário nacional ou nas redes sociais, é mais difícil, né?! 

Comprem livros de autoras negras independentes, de autoras publicadas por pequenas editoras. Deem seus livros de presente.

Enfim, esse artigo é também um desabafo de um dia qualquer.

Feliz Ano Novo.


Minibio

Jaqueline Fraga é escritora, jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco e administradora pela Universidade de Pernambuco. Apaixonada pela escrita e pelo poder de transformação que o jornalismo carrega consigo, é autora do livro-reportagem “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, finalista do Prêmio Jabuti, e do “Big Gatilho: um livro de poemas inspirado no BBB 21”. Pode ser encontrada nas redes sociais nos perfis @jaquefraga_ e @livronegrasou no Instagram. 

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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