Em pleno século XXI, “história” insiste em apagar a produção das mulheres negras

JÁ NÃO ME LEMBRO como cheguei à tese “Os Segredos de Virgínia: Estudo de Atitudes Raciais em São Paulo (1945-1955)”, de Janaína Damaceno Gomes. Janaína é professora da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, doutora em Antropologia Social pela USP e Mestre em Educação e Bacharel em Filosofia pela Unicamp. Virgínia foi normalista, educadora sanitária, visitadora psiquiátrica, psicologista, socióloga e psicanalista, desafiando não apenas o lugar que se propunha ou se esperava para uma mulher – principalmente uma mulher negra – na primeira metade do século passado, mas também o pensamento dominante em relação a temas como educação e relações raciais.

Por Ana Maria Gonçalves, do  intercept

O trabalho de Virgínia quase foi mantido em segredo, como nos conta Janaína, “pelo roubo de arquivos, pelo mofar literal da tese da autora, por entrevistas não publicadas, por citações não feitas, por textos extirpados de compêndios, pela eleição de uma bibliografia canônica que se perpetua e muito pouco é revisada…”. Qualquer semelhança com algumas situações atuais não é mera coincidência.

Virgínia Leone Bicudo nasceu em São Paulo, em 1910, filha de Giovanna Leone, imigrante italiana, e de Theofilo Júlio Bicudo. Giovanna trabalhava como criada na casa do Coronel Bento Bicudo, em Campinas, onde conheceu o jovem Theofilo, nascido do ventre livre da escrava Virgínia Júlio. Apadrinhado pelo coronel, Theofilo foi bastante ambicioso para um jovem negro, e seu sonho era cursar a Faculdade de Medicina de São Paulo, onde foi barrado por um professor que acreditava que aquele não era lugar para negros. O casal teve seis filhos e resolveu investir na educação deles.

Virgínia gostava de estudar e seguia a recomendação dos pais de ser bastante aplicada, “para evitar ser prejudicada e dominada pela expectativa de rejeição… por causa da cor da pele”. “Olha, a ideia de meu pai era que as pessoas valem pelo estudo, pelo preparo que têm, estudando, isso era meu pai. Então, meu pai pôs todos na escola”, disse, em entrevista a Marcos Maio, em 1995. Mas logo veria que isto não era verdade, pois era seguida pelos colegas aos gritos de “negrinha, negrinha, negrinha”.

 

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