Em Porto Alegre, jovens relatam casos de assédio protagonizados por taxistas

De cantadas e agressões a estupros, os episódios de abusos em táxis contra mulheres sozinhas à noite ou de madrugada são recorrentes na capital gaúcha 

por Débora Fogliatto, no Sul 21

Na madrugada da última quarta-feira (3), Elisa* voltava de uma festa quando viveu momentos de pânico inesperados. Ela pegou um táxi na rua General Lima e Silva para ir até sua casa, na rua André da Rocha, mas o taxista não ficou feliz em ser acordado para realizar uma corrida tão curta. O caso dela, que acabou com o motorista perseguindo-a dentro de seu prédio, não é isolado. São diversos os relatos de mulheres e meninas que se sentiram assediadas ou violentadas em um espaço que pensaram ser seguro.

Muitas jovens optam pelo táxi como meio de transporte justamente por acreditarem ser mais seguro que pegar um ônibus ou caminhar até seu destino. Elisa, pensando justamente em sua segurança, optou pelo serviço, mesmo sabendo que a corrida seria curta. “Quando eu falei que era na André da Rocha, ele começou a debochar, a dizer que teve que acordar pra essa corrida ridícula, disse que eu tinha medo de andar duas quadras”, relatou ela, que respondeu dizendo: “não tem lei determinando o quanto é permitido andar de táxi”.

Ao chegar em frente ao seu prédio, ela constatou que o taxímetro estava desligado e tentou pagar R$ 7 – valor que julgou ser a média da corrida – mas só tinha uma nota de R$ 20. “Eu disse que ia pagar, fui pegar o dinheiro na bolsa e ele arrancou comigo dentro e a porta encostada. Comecei a gritar com ele e falei para ele parar, deixar eu descer, que eu ia chamar a polícia. Ele disse que ia me levar de volta pro ponto pra eu pegar outro táxi”, narrou. Neste momento, o taxista aparentemente mudou de ideia e a levou de volta para frente de seu prédio, onde argumentou que não daria troco para os R$ 20.

Elisa decidiu deixar a nota com o homem e sair do táxi, para entrar em seu prédio, mas o taxista foi atrás dela e começou a chutar o portão de entrada. Ela conseguiu entrar em seu apartamento, mesmo com medo de que ele tivesse conseguido segui-la. Depois, a jovem constatou que o portão do prédio tinha realmente sido arrombado, o que aumentam as suspeitas de que o homem tentou segui-la para dentro do edifício.

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A jovem fez um boletim de ocorrência, que foi possível graças aos outros taxistas do ponto, que colaboraram fornecendo os dados do agressor. No dia seguinte, ela registrou o ocorrido à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que em 30 dias irá dar um parecer sobre o caso, podendo culminar com a cassação da licença do motorista. “Graças a Deus eu estou inteira, mas se ele tivesse me achado dentro do prédio, ele ia me dar um pau”, diz a jovem, que não quer mais pegar táxis desde o ocorrido e teme que o homem a procure, por saber onde ela mora.

Outros casos

Por mais absurda que possa parecer, a história de Elisa não é única. Os casos variam em época – alguns são de anos atrás, embora muitas denúncias tenham começado a emergir agora – mas têm semelhanças. Em sua maioria, são mulheres jovens sozinhas em táxis à noite ou de madrugada. Um homem foi preso suspeito de estuprar uma adolescente na saída de uma festa em dezembro do ano passado. A menina pegou o táxi na Cidade Baixa e foi levada até a vila Bom Jesus, onde foi estuprada antes de ser levada em casa. O suspeito já tinha antecedentes por furto e atentado ao pudor.

Para a estudante de Psicologia Natalia Haydee, a volta de uma festa para casa, que duraria cerca de 20 minutos, tornou-se desagradável devido ao assédio do taxista. “Ele parecia estar drogado e, durante o trajeto, ficou me assediando com perguntas do tipo: ‘e o namorado, gata? Está voltando sozinha de uma festa?’, ‘uma gata dessas sozinha’, e eu fiquei com muito medo”, conta, dizendo que seu maior temor era que o homem a estuprasse.

Ela disse ter ficado “sem reação” e ter respondido apenas que o namorado a esperava em casa. “É sempre um medo pegar táxi em Porto Alegre sozinha de madrugada, nunca se sabe o que pode rolar”, lamentou. A jornalista Laís Albuquerque contou um caso semelhante, embora o dela tenha ocorrido durante seu horário de trabalho. “Eu trabalhava em uma assessoria de comunicação e usava bastante táxi. Há um ano e meio, um taxista começou a conversar comigo e eu acabei falando que costumo ir a raves. E ele perguntou se eu já tinha transado sob o uso de ‘bala’ (ecstasy)”, relatou, dizendo que a partir daí começaram outras perguntas desconfortáveis.

Para identificar os criminosos, o ideal é anotar o prefixo do táxi | Foto: Cristine Rochol / PMPA
Para identificar os criminosos, o ideal é anotar o prefixo do táxi | Foto: Cristine Rochol / PMPA

Em seguida, o taxista apontou um local que disse ser sua casa, contando para a jovem que morava ali. Ela não respondeu ao comentário e a corrida seguiu, levando-a a seu destino. Laís pondera que, apesar de incômodo, o assédio não era recorrente em sua rotina. “Eu tive azar só com esse, os outros eram bem tranquilos, e eu pegava muito táxi, porque fazia entregas”, afirma.

Outra jovem conta que, há três anos, esqueceu seu celular no táxi e, após o motorista entregar o aparelho, ela percebeu que haviam sido salvas fotos de um pênis no telefone. A partir daí, o taxista começou a mandar mensagens a assediando e xingando quando ela não respondia.  Após alguns dias com o celular desligado e sem responder, o assédio parou.

Outra menina diz que chamou um táxi pelo aplicativo Easy Taxi, esperando que fosse mais seguro, para se dirigir a um jogo do Internacional, no estádio Beira-Rio. Ela percebeu que o taxista estava agindo de forma “estranha”, fazendo perguntas e contando sobre sua vida, mas inicialmente fazia um caminho conhecido por ela. No entanto, logo perguntou se a jovem gostaria de “ver a vista do morro Santa Tereza”, o que ela negou, dizendo estar atrasada.

Apesar da negativa dela, o motorista disse “a vista é linda, te apresento” e a levou até lá. “Mesmo eu tendo dito que não, ele insistiu e acrescentou que não me cobraria a mais pelo trajeto desviado. Depois de alguns minutos vi que a gente estava perto das emissoras (de TV) que ficam naquela região, nisso ele disse ‘fecha os olhos pra quando a gente chegar lá, tu ter uma surpresa’”, relatou a jovem, que preferiu não se identificar. Ao chegar no local, o homem ainda insistiu para que ela tirasse fotos, mas ela reiterou que precisava ir e, enfim, foi levada até perto do estádio.

Machismo da sociedade

Em um caso divulgado pela página Manifesto Poa, uma jovem que não quis se identificar conta que, em março, pegou um táxi após uma festa, em que o motorista começou a contar piadas tirando sarro dela por estar bêbada. “Ao se aproximar do meu endereço ele não reduziu, disse para eu ficar quieta que a gente ia dar uma volta”, relata. Ela então começou a gritar e tentar abrir a porta, até que conseguiu e pulou do carro em movimento.

“Fui atacada por ser mulher”, reflete uma das vítimas | Foto: Amy/ Flickr
“Fui atacada por ser mulher”, reflete uma das vítimas | Foto: Amy/ Flickr

A vítima conta que ficou muito machucada e foi para o hospital, ainda tentando entender o que havia acontecido. “Homens assim existem em toda parte, fui atacada por ser mulher, pois se fosse um cara na mesma situação não passaria o menor perigo (…). Passei por isto pelo mesmo motivo que leva milhares de mulheres a serem agredidas e violentadas diariamente: o machismo, a misoginia, o patriarcado”, reflete.

Laís também acredita que os casos não se restrinjam a taxistas, e sejam potencializado pelo machista. “Se eu fosse um homem, o taxista nunca teria falado nem se comportado daquele jeito. Não acredito que isso seja exclusivo dos taxistas porque, infelizmente, esse tipo de assédio acontece de diversas formas e em diversos lugares”, lamenta, A diferença, completa, é que os taxistas transportam pessoas e, por isso, têm a possibilidade de levar para onde quiserem os que estão em seu carro. Na tentativa de evitar correr riscos, ela procura chamar taxistas mulheres, embora estejam em menor número na profissão.

“Denúncia é fundamental”, diz diretor da EPTC

O diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, afirma que desde a prisão do suspeito de estupro, o órgão busca realizar um convênio com a Polícia Civil para que os antecedentes criminais sejam disponibilizados antes de se contratar alguém como permissionário ou motorista de táxi. “A gente já troca uma série de informações com a polícia, inclusive a identificação daquele criminoso foi possível graças ao trabalho conjunto que foi feito”, relata.

Cappellari reitera que denúncia pode ser feita de forma anônima | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cappellari reitera que denúncia pode ser feita de forma anônima | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Cappellari conta que o homem estava dirigindo um veículo que não estava autorizado o que dificultou sua identificação. Para denunciar casos de assédio e violência, pode-se ir pessoalmente à sede da EPTC ou ligar para o número 118, onde o relato pode ser feito de forma anônima. “A denúncia para nós é fundamental, se houve um crime ou uma ameaça ou qualquer questão constrangedora ou de mau atendimento é fundamental que a gente tenha essa informação para tomar medidas de correção”, afirma

Em casos graves, o taxista pode ser descadastrado e a investigação encaminhada para a polícia ou para o Ministério Público, visto que a EPTC apenas toma medidas de gestão.  Cappellari destaca que saber o número do prefixo do táxi facilita na hora de encontrar pessoas que tenham cometido delitos. O caso de Elisa está sob avaliação da EPTC, que ainda não irá se manifestar a respeito.

Sintáxi: “marginais disfarçados de taxistas”

Para a direção do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi), pessoas que cometem crimes contra os passageiros são “marginais disfarçados de taxistas, que estão manchando a imagem de uma categoria respeitada”. A entidade reitera que não tem o poder de alterar as leis, mas defende que a EPTC tenha acesso aos antecedentes criminais antes de liberar a licença para os taxistas.

“Claro que o sindicato não quer esse tipo de gente, isso estraga a imagem da categoria. Tem muitos taxistas honestos e corretos que se orgulham de suas atividades, mas aí fica sempre aquele eterno folclore de que taxista não presta, isso é ruim para a categoria”, lamentou o sindicato através de sua assessoria de imprensa.

Para a entidade, a proposta de realizar um convênio com a Polícia Civil é boa, e já foi feita pela direção em 2004. O Sintaxi acredita ser importante que a EPTC tenha acesso aos antecedentes criminais antes de liberar as licenças. “A revolta e a indignação é uma só entre passageiros e motoristas, parece que estamos todos nós de mãos amarradas”, reitera o sindicato. Caso seja possível identificar o criminoso, o Sintáxi se coloca à disposição para colaborar em sua punição.

*O nome foi alterado a pedido da vítima.

 

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