Encruzilhadas por todo percurso: individualidade e coletividade no movimento negro de base acadêmica

Tudo panos, úmido murcho, como corda antes da música. udo uma roupa vasta que a mão separando ajunta. fios de uns e outros misturados, cada um com seus nomes. De rito e de longe, de muito e nenhum recurso. Tudo um risco para quem torce as costas no tanque. Como as letras na impressora antes dos livros. Tudo roupas para um corpo que se expande todo braços, segurando as peças. A quem atenta são páginas de leituras 
Edimilson de Almeida Pereira – Nos Varais

A encruzilhada, linha de força, entre individualidade e coletividade, é aqui analisada na constituição do movimento negro contemporâneo, especialmente nos circuitos acadêmicos. Esse aparente antagonismo entre o indivíduo e o coletivo no campo político reside no fato de que o ativismo em movimentos sociais colocou (e talvez ainda coloque) barreiras para a expressão da individualidade se apresenta com agudez posto que elementos da individualidade como o pertencimento racial e/ou de gênero são vistos como obstáculos para a construção da objetividade no pensamento científico.

por Alex Ratts enviado para o Portal Geledés

Foram determinados indivíduos, com suas personalidades, que assumiram certos campos de atuação e temas de estudo. O envolvimento com o movimento negro foi bastante amplo para alguns/umas acadêmicos/as. Questionaram a sociedade, a esquerda, os movimentos sociais de classe e de gênero e o próprio movimento negro. Deram novos sentidos ao fazer político social, racial e/ou de gênero. Sabendo do custo de ser negro no Brasil, tornaram-se negros/as ativistas intelectuais. Romperam com o lugar social subalterno, enfrentaram o racismo e/ou o sexismo.

No entanto, algumas pessoas de referência neste campo tiveram suas trajetórias interrompidas com a morte em plena maturidade.

Escrevo com base em pesquisa individual e em leituras de outros/as pesquisadores/as que tratam de trajetórias de ativistas negros/as, agregando-as para problematizar a relação entre individualidade e coletividade, o que envolve a abordagem de um projeto tanto pessoal quanto político. Centrar-me-ei em alguns indivíduos que emergiram no cenário nacional nos anos 1970 e marcaram indelevelmente o movimento negro contemporâneo e o campo de estudo das relações raciais e/ou de gênero na escolha e no tratamento dos temas do racismo (em correlação com outros sistemas de opressão) e da cultura negra.

Em síntese, trabalho em duas direções: 1. A idéia de um movimento negro de base acadêmica com um projeto político; 2. Os dilemas entre individualidade e coletividade, recolocados em outras aparentes contradições, para intelectuais ativistas negros/as. Olhando para as décadas de 1970 a 1980, destacam-se as figuras exemplares de Eduardo Oliveira e Oliveira, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e Hamilton Cardoso. Eventualmente menciono outros/as que alcançaram visibilidade pública no mesmo período ou em décadas anteriores, e que também compuseram esse cenário.

Seus percursos indicam a existência de dilemas entre: militância e academia; política e cultura; racismo, sexismo e classismo; movimentos negros e movimentos de base classista ou de gênero; e, de certa maneira, entre vida e morte conquanto se confrontaram com sistemas de interrupção da existência humana que vão desde a desumanização até a eliminação sumária (de indivíduos e coletividades inteiras). Alguns/umas vieram a morrer antes dos 60 anos de idade, por motivo de doença grave, assassinato ou suicídio.

A trajetória de intelectuais críticos de seu tempo e de seus contextos de vida indica questões específicas que podem ser compreendidas igualmente em sentidos coletivos.

No caso da formação de “intelectuais negros/as insurgentes” (hooks & WEST, 1991), especialmente aqueles/as vinculados/as ao movimento negro, há questões ligadas à construção de sua individualidade, à opção pela militância, à sua ligação com as comunidades e culturas negras, e, à continuidade de suas trajetórias enquanto acadêmicos/as e intelectuais. Coloca-se a questão da formulação e veiculação de um discurso, enquanto “vontade de verdade” (FOUCAULT, 1999), sendo o/a intelectual aquele “que procura, incansavelmente, a verdade, mas não apenas para festejar intimamente, dizê-la, escrevê-la e sustentá-la publicamente” (SANTOS, 2001). Com um “intelecto inquiridor e profundamente confrontador” (SAID, 2003: p. 29) e portadores de “saberes sujeitados” (FOULCAULT, 2005: p. 11) esses/as intelectuais se confrontaram com encruzilhadas e superaram muitas delas “ em movimento”, mas nem sempre em consonância com o movimento negro.

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