Entrevista: Claudia Lage, autora da novela Lado a Lado

Texto de Srta. Bia.

A novela ‘Lado a Lado’ da Rede Globo estreou em setembro de 2012 e acabou em 8 de março de 2013. Desde as primeiras notícias, sabíamos que a história ia tratar da emancipação feminina e do racismo no início do século XX. A empolgação foi grande e melhor ainda ver que grande parte das minhas expectativas foi cumprida, fazendo da novela um marco, tanto na representação das mulheres, como na discussão da cultura negra.

Fui uma telespectadora assídua desde os primeiros capítulos e já escrevi um texto para esse blog sobre a trama: Emancipação feminina na novela Lado a Lado. Muitas pessoas que conheço também gostavam da novela, por isso abri um grupo de discussão no facebook. Perto do fim, discutíamos como dizer aos autores o quanto gostamos do enredo e dos personagens, o quanto tivemos ótimas discussões proporcionadas pelas tramas. A novela foi escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage, com outros colaboradores e a supervisão de Gilberto Braga. Alguém descobriu o twitter de Claudia Lage, ela disse que lia as Blogueiras Feministas e entramos em contato pedindo essa entrevista.

 

Claudia Lage é carioca, formada em Literatura e dedicou muito tempo ao teatro, como autora e atriz. Em 1996, ganhou o concurso Stanislaw Ponte Preta de contos, da Rio Arte, com o conto ‘A Hora do Galo’, que deu origem ao livro: ‘A pequena morte e outras naturezas’. Participou de coletâneas de contos e, em 2009, lançou ‘Mundos de Eufrásia’, biografia ficcional de Eufrásia Teixeira Leite, investidora financeira e filantropa brasileira no início do século XX. Uma mulher à frente de seu tempo, rompendo com o machismo.

‘Lado a Lado’ foi uma novela que teve uma audiência baixa, comparada a suas antecessoras, porém, teve um público fiel. Recentemente, no evento de comemoração dos dez anos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o ator Lázaro Ramos agradeceu ao público que, por meio das redes sociais, fez a com que a novela ‘Lado a Lado’ se tornasse ainda mais conhecida e respeitada pelo pioneirismo em abordar a história dos negros no Brasil.

lado a lado

Buscamos nessa entrevista  saber mais sobre como a proposta da novela se formou, como Claudia Lage vê a produção das telenovelas atualmente e se o ibope realmente faz diferença.

1. Quando você e o João Ximenes começaram a rascunhar a novela já sabiam que o foco seria a emancipação feminista, que seria uma novela feminista? Ou isso foi se desenhando ao longo do caminho?

Desde o início pensamos em falar sobre a questão racial e a emancipação feminina. O início do século XX é uma época perfeita para isso, já que é o início, a semente ainda, da modernidade mas ainda traz a mentalidade conservadora do século XIX. O embate entre essas duas mentalidades, na novela, se deu muito pelos conflitos entre a Laura e a sua mãe, a Constância. Laura tinha a consciência de que a mulher tinha o direito de se emancipar, Constância insistia em manter os valores patriarcais, onde o destino feminino se limitava à vida doméstica e familiar. A novela é feminista porque além de falar da emancipação feminina traz personagens femininos com uma postura ativa, consciente de seus direitos, agentes do próprio destino, diferente das mocinhas convencionais do folhetim.

2. Você sente que os temas das novelas estão mudando e que isso permitiu que Lado a Lado, que fala sobre temas como emancipação feminina e racismo de forma tão clara, fosse feita?

Não sei se estão mudando, varia muito de autor pra autor, mais do que de um movimento geral em relação a isso. Eu e o João escolhemos esses temas porque sempre foram importantes pra gente, sempre estiveram em nossa cabeceira.

3. Você sente que a novela inovou ao mostrar negras e negros altivos, sendo protagonistas das próprias trajetórias, valorizando sua cultura? Como você vê a representação do negro nas telenovelas?

Sem dúvida há uma mudança de postura nos personagens negros na nossa novela, eles têm a consciência de seus direitos, de que merecem respeito e um espaço ativo na sociedade. Não abaixam a cabeça e não levam desaforo pra casa. Essa foi uma proposta bem pensada, não ter nenhum personagem negro sem essa consciência, com postura passiva e ou conformista em relação à condição de seu povo.

4. A emancipação feminina é um tema novo ou recorrente no seu trabalho como autora e colaboradora de novelas? Há outras personagens independentes que você ajudou a criar ou que foram inspiração?

Na dramaturgia é a primeira vez que desenvolvo esse tema, mas é um tema recorrente no meu trabalho de escritora. Passei seis anos pesquisando e escrevendo um romance histórico, ‘Mundos de Eufrásia’, uma obra de ficção a partir da vida da Eufrásia Teixeira Leite, que foi uma mulher muito à frente de seu tempo. Ela se tornou a primeira financista e investidora, jogava sempre na bolsa de valores na França e foi uma das únicas a sobreviver ao crash da bolsa em 1929. Fora isso, foi emancipada também na vida pessoal, onde manteve um relacionamento amoroso com Joaquim Nabuco por 15 anos, sem se casar com ele. Ela, como financista, necessitava do dinheiro para ter sua carreira, e propôs se casar com separação de bens, para preservar os seus bens, mas Nabuco não aceitou, era um ultraje para a mentalidade da época, e estamos falando de meados do século XIX.

5. Laura e Isabel sempre tiveram autoestima e mesmo amando seus companheiros se separaram várias vezes deles por iniciativa própria. As mocinhas das telenovelas estão acompanhando as mudanças sociais femininas? Ou a eterna romântica que espera o príncipe vir resgatá-la é um arquétipo muito forte na telenovela brasileira?

Laura e Isabel viveram conflitos bem contemporâneos, apesar da novela se passar em 1910. A premissa da autoestima de Laura e Isabel é conciliar amor com trabalho, amor com independência, sem abrir mão das conquistas pessoais. É isso que sempre esteve em primeiro plano na novela, e não ser resgatada pelo príncipe encantado ou amarrar seu homem a qualquer preço. Gosto de pensar sim que as mocinhas estão mudando, mas vejo a representação feminina ainda muito presa nas idéias românticas, no sentido conservador, que não correspondem muito às mulheres de hoje. O conflito entre amor e trabalho na vida contemporânea é um tema, surpreendentemente ao meu ver, pouco explorado. Há tanto para se debater sobre o assunto, porque os papéis sociais que eram muito fortes na época da novela, hoje sofreram um deslocamento enorme, mas ainda não estão totalmente resolvidos nem redefinidos. E parece evidente que precisa de uma redefinição, mas há uma resistência enorme na sociedade como um todo em assumir plenamente as mudanças feitas e em lidar com as suas consequências.

6. As notícias sobre a baixa audiência da novela foram uma constante na imprensa, isso afetou diretamente o trabalho de vocês ou mantiveram desde o início a linha traçada para a novela?

Claro que preferíamos que o ibope em São Paulo fosse no mínimo 25 pontos, mas não afetou o nosso trabalho porque sabíamos que nos outros estados o ibope estava muito bom. Foi só em São Paulo o problema, mas é uma pena que a referência oficial seja justamente lá.

7. O impacto de uma novela nas redes sociais é considerado atualmente na avaliação final de uma novela?

Sabe que não sei, se não é, deveria ser. Eu li e recebi bastante retorno da novela pelas redes sociais.

 

 

Fonte: Blogueiras Feministas 

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