Dilma, Marina e Serra não têm nada de esquerda, diz Plínio
Leia a entrevista:
Terra – O que motivou o senhor a ingressar na carreira política?
Plínio de Arruda Sampaio – Sou de uma família de gente política. A vida inteira se discutiu sobre isso na minha casa. As primeiras prosas de política que eu ouvi foram no colo do meu pai. Meu avô foi deputado, então, sempre fui criado com essa preocupação. Depois, fui militante da Juventude Universitária Católica e o nosso envolvimento social era enorme. E preocupação social é política.
Terra – O senhor foi exilado durante a ditadura militar e a pré-candidata petista, Dilma Rousseff, também foi vítima do regime e o combateu de outra forma, com a luta armada. O que o senhor acha desta forma de resistência e o que acha das críticas feitas à ex-ministra por conta disso?
Plínio de Arruda Sampaio – Tenho o maior respeito pela coragem desses moços e pela dedicação deles. Na época foi uma grande dúvida para a minha consciência. Eu estava exilado com a minha esposa e meus cinco filhos. Eu me perguntava se eu deveria estar aqui ou lá. Mas minha avaliação política é de que foi um erro. Tanto é que depois fizeram uma autocrítica e voltaram à vida institucional, porque daquela forma não tinha a menor condição política de vencermos a ditadura.
Terra – O que o senhor acha da Lei da Anistia?
Plínio de Arruda Sampaio – A lei é política, diz respeito aos delitos políticos. A tortura não é um delito político, mas um crime comum. Cruel. Portanto, não pode ser abrangido pelo conceito de anistia.
Terra – O senhor é a favor da legalização ou descriminalização das drogas?
Plínio de Arruda Sampaio – Estamos estudando isso no meu partido porque eu não tenho uma opinião formada. Chamei vários especialistas em psicologia e medicina, por exemplo. Estou esperando esse grupo me dar uma ideia para eu tomar uma posição clara. Reconheço que se usa o pretexto da droga para criminalizar a população jovem pobre. Se houver uma maneira de evitar que a legalidade da droga seja um fator que ajude a expansão da criminalidade, evidentemente serei favorável.
Terra – Dilma e Serra se manifestaram sobre a questão do aborto porque a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) disse que apoiaria o candidato favorável à vida. O senhor é favorável à legalização do aborto?
Plínio de Arruda Sampaio – Serra fugiu da questão e passou o problema adiante. Dilma voltou para trás. Marina diz que é uma questão que é, mas não é, se fosse, seria ótimo, mas como ela não é, é ótimo também. Eu discordo da opinião da CNBB, que é uma opinião muito rígida, muito fechada. E eu sou cristão, católico apostólico romano e me confesso frequentemente. Exatamente por eu ser católico que sou contra. Do ponto de vista da administração pública, sou favorável.
Não posso, numa sociedade pluralista impor uma convicção religiosa minha a ninguém. Essa é uma questão social. Milhares de moças perdem a vida ou se machucam por causa da ilegalidade. A minha proposta é legalizar o aborto. Não é a descriminalização, é mais, é a legalização com procedimentos que assegurem que aquela moça, diante deste dilema, não tenha decisões forçadas, nem para um lado, nem para o outro. Ninguém defende mais o filho do que a mãe.
Terra – O senhor acredita que pode vencer ou é, desde já, uma candidatura de propaganda política do partido?
Plínio de Arruda Sampaio – Antes de mais nada, é uma candidatura para dizer o que nem Marina, nem Dilma, nem Serra estão dizendo sobre o aborto, sobre a reforma agrária, sobre todas as questões do País. Porque ninguém diz nada. Quando você diz, tem gente contrária e a favor. Por exemplo, o que eu disse agora sobre o aborto. Eu devo ter perdido milhões de votos dos fundamentalistas que não aceitam o aborto de jeito nenhum. Eu falo, paciência. A candidatura é para dizer que a política tem que ser o jogo da verdade. Não pode continuar a ser o jogo da mistificação. Esse é o intuito real da candidatura.
Eu quero vencer? Claro. Tenho condições? Não sei. Aparentemente não, porque tenho pouquíssimos recursos, não sou uma pessoa que esteja na mídia todos os dias, ao contrário. Minha candidatura é para afirmar uma alternativa totalmente diferente para o País, para mostrar a impossibilidade de resolver os problemas do Brasil dentro do capitalismo e para apontar a um socialismo democrático.
Terra – O que faria um eleitor votar no senhor e não em Marina Silva, tendo em vista que ambos se colocam como uma alternativa à polarização PT-PSDB?
Plínio de Arruda Sampaio – Marina polariza e não polariza. Se polarizasse, não polarizaria. Se polarizando, não vai polarizar. Assim, ela não se traduz nunca. Ela é a mesma coisa que os outros dois. Ela não se propõe a ser socialista. É assim: ou você é capitalista e do campo da ordem, ou você é anti-capitalista e do campo da ruptura democrática, revolucionária.
Terra – Em algumas pesquisas de intenção de voto, o nome do senhor sequer apareceu no questionário. Como lida com isso?
Plínio de Arruda Sampaio – Mal, muito mal. Fico irritadíssimo e absolutamente indignado. Eu sou um homem público há 60 anos, não sou um arrivista que veio brincar de ser candidato. Já fui candidato a governador do estado de São Paulo por duas vezes, fui deputado federal três vezes, fui um homem cassado pelo regime militar. É um desrespeito com a minha pessoa e, sobretudo, um desrespeito ao meu eleitor. Porque eu tenho eleitores. Posso não ter para ganhar, mas tenho e eles têm o direito de saber.
Terra – O que o senhor acha do projeto ficha limpa? Ter a ficha limpa não deveria ser um pressuposto do homem público?
Plínio de Arruda Sampaio – Acho que não deveria ser necessário. A Constituição diz que é preciso ter uma reputação ilibada. Mas eu acho que é uma prevenção razoável. Não creio que seja um instrumento final para evitar o sem vergonha malando na política. Isto só virá com a consciência política. Mas já ajuda.
Terra – O que o senhor acha do financiamento público de campanha? O partido do senhor é socialista, contudo nas eleições de 2008 aceitou financiamento privado de uma grande empresa no Rio Grande do Sul…
Plínio de Arruda Sampaio – Não entra um tostão de empresa na minha campanha. Vetadíssimo! Aceitaremos contribuições particulares, pessoas que doem R$10, R$15, ou R$20… In-di-vi-du-al-men-te. Eventualmente se um empresário, enquanto pessoa, quiser me dar uma colaboração módica, pode dar. Tudo público. Durante a Constituinte, eu fiz um projeto de financiamento de campanha.
Terra – Como o senhor avalia as coligações que estão sendo feitas pelo Psol? Os partidos de maneira geral tem se aliado com diversas siglas que em outra ocasião eram completamente distantes.
Plínio de Arruda Sampaio – Porque não são partidos, mas condomínios de caciques políticos. Os partidos da ordem não são partidos, mas condomínios que abrigam lideranças pessoais. Cada cacique tem o seu partido e eles fazem as mais variadas alianças. Pode se fazer alianças amplas. O Stálin (URSS) se aliou a Churchill (Inglaterra). Nem um achou que o outro virou comunista, nem o contrário. Quando se tem um objetivo comum, pode aliar com outros partidos. No caso dessas eleições, não temos objetivo em comum com nenhum partido que não seja de esquerda. Então, só nos aliamos com PCB e PSTU. E isso vai valer para todos os Estados. (Caso a eleição vá para o segundo turno, o Psol defenderá o voto nulo).
Terra – Se as chances do senhor aumentarem, o senhor pensa em fazer uma Carta aos Brasileiros, como fez Lula em 2002?
Plínio de Arruda Sampaio – Farei, mas de teor completamente diferente. Seria a carta que ele deveria ter feito, porque se comprometeu, e não fez.
Terra – O senhor guarda algum tipo de mágoa em relação ao PT?
Plínio de Arruda Sampaio – Não. Guardo uma grande tristeza. A tristeza de uma tragédia. O PT é o primeiro partido que o povo resolveu construir. O PT polarizou a luta entre as duas classes básicas pela primeira vez na história do Brasil. E a maioria dos petistas é gente ótima. Gente de uma enorme responsabilidade social. O que houve foi um desvio de cúpula. A cúpula do PT se perverteu.
Terra – Foi isso que motivou a saída do senhor?
Plínio de Arruda Sampaio – Foi… Eu lutei lá. Eu percebi a mudança do PT. Em 1994, um pouco. Em 1998, claramente. Tive uma longa conversa com Lula em que eu expliquei isso e mostrei a ele a necessidade de ser candidato com o programa do partido, mesmo que ele não se elegesse. Mas o PT preferiu o outro caminho, o do poder. Com isso fui ficando numa posição de escanteio, mas permaneci no partido e decidi disputar a presidência da legenda. Naquela campanha eu percebi que era impossível combater o grupo que estava no poder porque eles montaram uma máquina eleitoral imbatível.
A democracia é a promessa da rotatividade no poder. Se sou minoria, continuo porque sei que dá pra convencer as pessoas do outro lado e na próxima tentar ser eleito. Quando isso se torna impossível, eu estou lá só legitimando o processo. Assim, resolvi sair. Mas com tristeza. Eu não sai do PT, o PT é que saiu de mim. Eu comecei socialista, o PT também. Eu continuei socialista e o PT deixou de ser socialista.
Terra – O ex-governador de São Paulo tem dito que defende uma “reforma agrária pra valer”. O senhor defende uma reforma agrária em quais moldes?
Plínio de Arruda Sampaio – Primeiro, que ex-governador é esse?
Terra – Serra.
Plínio de Arruda Sampaio – Mas o Serra lá entende de reforma agrária? O Serra não sabe nem onde é a frente de uma vaca. O Serra não tem noção disso. E a posição dele é reacionária. Ele está eleitoralmente querendo capturar os votos de Kátia Abreu (senadora do DEM-TO e líder da bancada ruralista). É triste.
Terra – Reclama-se sempre das altas taxas tributárias. Em época de eleição sempre prometem uma reforma tributária e ela não vem. O senhor acha ser preciso uma reforma tributária?
Plínio de Arruda Sampaio – Acho que é indispensável, mas contra os que estão querendo uma reforma. Porque querem a reforma para não pagar imposto. Precisa ter uma reforma para fazer esse povo pagar. Quem não precisa pagar é o povo pobre, que paga idêntico ao rico. Quando o Antônio Ermírio de Morais e a Dona Maria, lá na Vila Prudente, compram uma caixa de fósforos, pagam o mesmo imposto. Isto é um absurdo.
Terra – Como o senhor avalia os oito anos de governo FHC?
Plínio de Arruda Sampaio – Uh! Foi um desastre! Quem quebrou a Era Vargas foi Fernando Collor, que era um irresponsável e quebrou irresponsavelmente. Agora, quem consolidou a ruptura e realmente destruiu o Estado Vargas foi Fernando Henrique. A Era Vargas foi a primeira afirmação nacional forte nesse País. Depois, nós regredimos. Esse foi o grande mal.
Terra – E como avalia os oito anos de governo Lula?
Plínio de Arruda Sampaio – Os oito anos de governo Lula têm um outro aspecto absolutamente negativo. Ele dissolveu a organização popular. Ele não perseguiu, mas cooptou, o que é mais grave, porque ele mexeu no moral dessas entidades.
Terra – Como a história vai olhar para esses oito anos. O que mudou na política brasileira e que vai deixar marcas históricas?
Plínio de Arruda Sampaio – Uma época de sonambulismo. O Brasil ficou enfeitiçado. Por um lado as coisas melhoraram objetivamente, não foi nem aparentemente, melhoraram mesmo. Mais pessoas receberam o Bolsa-Família, salários melhores e preços mais favoráveis para comprar eletrodomésticos e automóveis. Agora, essa mesma pessoa que acha que mudou de classe social porque comprou uma geladeira não está percebendo que o filho dela não está sendo alfabetizado, ou que ela vai levar seis meses para conseguir uma consulta se não tiver um seguro médico, ou que o pai dela não tem aposentadoria suficiente para manter uma casa e vai morar na casa dela.
Quer dizer, essa pessoa também não está percebendo a violência que está se formando nesse País, o fato de existirem bairros comandados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), onde o Estado não entra. Este é o drama, um sonambulismo. O historiador dirá que a população, imantada pela demagogia do Lula, não percebeu a realidade dura que estava atrás.
Terra – Serra tem dito que é um candidato de esquerda.
Plínio de Arruda Sampaio – Quem? Ele? Foi.
Terra – Se pensarmos nessa divisão entre direita e esquerda, o senhor é de esquerda. Acredita nessa classificação? Como o senhor se classificaria?
Plínio de Arruda Sampaio – Quem não acredita nessa classificação é porque é de direita. Ou você está do lado do povo, ou do lado da ordem. O Serra foi radical, radicalíssimo. Foi radical o danado, viu? Convivemos muito no exílio, não tenho nada contra o Serra pessoalmente, mas politicamente. Ele optou pelo outro lado. Como se diz por aí, ele criou juízo. Eu não criei, com a graça de Deus. Serra não tem nada de esquerda. Nem Dilma. Nem Marina.
Terra – Quais são as suas plataformas de governo?
Plínio de Arruda Sampaio – O partido dirá o meu programa, mas, como membro, darei o meu pitaco. O Brasil tem dois grandes problemas: a segregação social e a dependência econômica e política do exterior. Para mim, o fundamental para atacar a segregação é a reforma agrária. Um tópico só: toda propriedade com mais de 500 hectares, seja ela produtiva ou não, ficará suscetível à desapropriação.
Um segundo ponto é a educação pública, gratuita e de qualidade. Outro: medicina, só pública. Não admito que alguém lucre com o câncer, por exemplo, e que uma pessoa torça para ter mais cancerosos para ter mais lucro. Isso é uma excrescência. A Saúde tem que ser estatal.
Terra – Como o governo deve se portar em relação ao Banco Central? O BC deve ter total autonomia?
Plínio de Arruda Sampaio – Não deve. É entregar a horta para a cabra. O Banco Central é do governo. Quem controla a moeda é o governo porque ele é que pensa no bem estar coletivo e conjunto. É claro que o banqueiro vai pensar só nele.
Terra – O senhor comentou as facilidades em se comprar eletrodomésticos. O que o senhor achou das medidas adotadas pelo governo para minimizar os efeitos da crise?
Plínio de Arruda Sampaio – O Brasil conseguiu enganar a crise. Essa medida não foi provocada por Lula, mas pela própria crise. A crise tornou impossível a aplicação no país desenvolvido, porque estava parado. Aquele capital que não pode ser investido no seu País, vai procurar bons lugares. O Brasil, com um juros altíssimo – o maior do mundo – atraiu o capital e deu uma folga fiscal para o governo que, ao invés de pegar essa folga e reestruturar a nossa economia, jogou tudo demagogicamente para conseguir que uma parte da população ficasse ultrasatisfeita.
O efeito de demonstração dessa parte da população gera esperança naqueles que ainda não têm. Então, todo mundo acha que está bom porque tem esperança de melhorar.
Terra – O que o senhor acha do Bolsa-Família?
Plínio de Arruda Sampaio – O sujeito só não está sentindo a dor da fome, mas não está se alimentando bem. Não está comendo proteína, só farinha.
Terra – O senhor é contra o programa?
Plínio de Arruda Sampaio – Não. Inclusive fui do grupo do Bolsa-Família, mas me demiti quando o programa perdeu o seu sentido. Deixou de ser uma atenção imediata, com a garantia de uma terra depois, um emprego, um lar. Não tem reforma agrária, nem política de emprego, virou assistencialismo puro e simples e mais, estão corrompendo os beneficiados.
Terra – O que o senhor acha da política exterior brasileira?
Plínio de Arruda Sampaio – É o único aspecto em que não é um desastre. Tem um pouco de fogos de artifício. Porque, na verdade, um País que não tem forças armadas para sustentar sua diplomacia tem uma ação diplomática relativamente pequena. Agora, dizer que o Brasil está intermediando a relação com o Irã é mania de grandeza.
Terra – Como o senhor avalia a relação brasileira com o Irã?
Plínio de Arruda Sampaio – Corretíssima. O Irã não pode ter armas nucleares, mas quando ele olha para o lado, vê Israel que tem. Sou contra ter armas nucleares, mas, ou todo mundo tem, ou ninguém tem. Acho uma hipocrisia essa condenação. Acho que o Brasil faz muito bem em ir ao Irã e eu iria também.
Terra – O que o senhor acha da gestão do presidente venezuelano Hugo Chávez?
Plínio de Arruda Sampaio – Excelente. Está fazendo um ótimo trabalho. É um homem devotado ao seu país. Conheço bem a Venezuela, pois realizei muitos trabalhos lá. Chávez está sendo atacado porque está realizando verdadeiras reformas estruturais no País.
Terra – E sobre a gestão do americano Barack Obama?
Plínio de Arruda Sampaio – Tenho simpatia por ele. O importante mesmo é o fato de que ele chegou lá.
Terra – Como Lula?
Plínio de Arruda Sampaio – Mais ou menos. A importância é o povo perceber que um deles chegou lá. É isso que me deixa triste com Lula, ele está jogando isso fora. Obama está procurando dentro das dificuldades que tem – os EUA são reacionários -, dentro dessa camisa de força, conseguir vitórias como a da Saúde.
Terra – Quais são os teóricos que fazem a sua cabeça?
Plínio de Arruda Sampaio – Minha referência básica de direcionamento político é o pensador alemão Karl Marx. Mas tenho um tripé no plano sociológico nacional: Florestan Fernandes, Caio Prado e Celso Furtado
Terra – Torce para que time?
Plínio de Arruda Sampaio – Sou leal ao São Paulo Futebol Clube, minha esposa é corintiana e meus filhos são santistas.
Terra – O que achou da convocação de Dunga? Os meninos santistas deveriam ter sido chamados?
Plínio de Arruda Sampaio – Eu queria o Ganso. Neymar poderia esperar mais, mas eu queria que o Ganso tivesse sido convocado.
Fonte: Psol