Presidenta da Frente Parlamentar pela Reforma Política, deputada critica trabalho do grupo técnico que trata do tema, cobra compromisso do presidente da Câmara e pede participação popular
por Hylda Cavalcanti
Brasília – Desde 2002, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) preside a Frente Parlamentar pela Reforma Política, que tem a intenção de reunir propostas sobre o tema e trabalhar pela tramitação de mudanças na legislação político-partidária no país. Parlamentar respeitada pelos pares e com largo currículo na prestação de serviços à população, Erundina protagonizou na semana passada um desabafo em plena reunião do grupo técnico que aborda a reforma na Câmara, durante a discussão do financiamento de campanhas.
Em suas queixas, diante de colegas que alternaram ora satisfação, ora irritação com as suas palavras, ela questionou a produtividade e o efeito prático dos trabalhos que estavam sendo realizados, cobrou maior comprometimento por parte do presidente da Casa, Henrique Alves (PMDB-RN) com a matéria e deixou claro que o Congresso precisa, de agora em diante, apoiar o que querem as entidades da sociedade civil.
Nesta entrevista à RBA a deputada expõe os motivos que a levaram a fazer a crítica contundente e seu desestímulo e descrença em relação à real preocupação que a maioria dos parlamentares têm com a reforma política. O que, destaca, considera ser resultado de um déficit de democracia existente no Brasil.
“Estes anos todos, iludi a mim mesma e iludi a sociedade buscando sugestões e pedindo a participação de todos na discussão de propostas que tramitaram na Casa. Como nada aconteceu, só nos resta aderir ao movimento popular, partir em busca das assinaturas e trabalhar, aqui dentro, para que a mobilização por eleições limpas seja acolhida”, destacou
Leia a entrevista a seguir:
O movimento pelas eleições limpas destaca que a sociedade precisa se organizar pelas assinaturas populares para a proposta de reforma política porque as iniciativas que estão sendo observadas neste sentido, no Congresso Nacional, não funcionam. A senhora, esta semana, agiu como uma espécie de porta-voz do movimento. Como deputada e alguém inserida em todos os grupos que tratam da discussão, na Câmara, avalia a situação?
Da mesma forma que eles. Acho que esse sentimento reflete a desconsideração que o Congresso, principalmente esta Casa – a Câmara dos Deputados – demonstra com a sociedade civil, com os cidadãos brasileiros.
São 91 entidades defendendo um projeto pela reforma política, não é pouca coisa. Mas infelizmente os parlamentares não valorizam a democracia direta, a democracia participativa. Temos um dispositivo constitucional que até hoje não foi regulamentado completamente, o artigo 14, que prevê os mecanismos de democracia direta. Só que esses mecanismos não são elencados de maneira prática, recorrente, como acontece em outros países.
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Por que a senhora acredita que isso aconteça, já que não se trata de um problema de hoje e sim de décadas?
No fundo é um poder autoritário, centralizador e que não corresponde à nossa posição e ao que diz a Constituição em seu parágrafo 1º, que coloca que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido indiretamente.
Existe um déficit de democracia no país e a forma como o Congresso se coloca diretamente diante de uma demanda real e concreta de toda a sociedade é prova disso. Tanto é verdade que, quando a sociedade consegue superar os obstáculos e se organizar chegando já a 300 mil assinaturas para formalizar uma proposta eles não querem essa proposta e não dão a mínima.
Por que? Para a maioria dos parlamentares não interessa a (Lei da) Ficha Limpa, não interessa a eleição limpa, não interessa o financiamento público controlado, transparente e com teto. Isso é uma declaração muito evidente do distanciamento que existe entre a instituição Congresso Nacional e, neste momento, a Câmara dos Deputados em relação à sociedade.
Isso atenta contra a democracia, porque uma democracia equilibrada, harmoniosa, embora com disputas, tem um mínimo de coincidência e sintonia com a sociedade civil. Caso contrário, o Parlamento vai representar a quem?
Faltam poucos dias para o grupo técnico de trabalho sobre a reforma política entregar a conclusão dos trabalhos, mas a senhora disse que se sente desestimulada. Esse desestímulo atinge diretamente o grupo ?
Não somente este grupo, mas também a desconsideração geral que existe no Congresso para com o tema. Inclusive pelo fato do presidente da Casa (deputado Henrique Eduardo Alves) que recebeu os movimentos sociais dessa coalizão para conversar sobre a questão, ter se comprometido a encaminhar a proposta, ter dito que ele pessoalmente iria para uma audiência pública dentro do grupo, que a proposta de iniciativa popular de coalizão pelas eleições limpas seria recepcionada e nada disso aconteceu.
Sabemos também que existem outros “n” projetos na Casa tratando da reforma política e sequer isso teve um tratamento destacado frente a um compromisso público que o presidente da Câmara assumiu, numa audiência pública, com cobertura da imprensa e tudo. É muito descaso.
Mas a senhora acha que poderá ser tirado algo como resultado deste grupo técnico, por menor que seja?
Nem sei dizer. É um faz-de-conta muito grande manter um grupo de trabalho que sequer corresponde à representação proporcional das bancadas. Trata-se de um grupo de trabalho, não uma comissão especial, dentro das normas regimentais que devem ser seguidas quando se quer produzir alguma proposta que tenha a representatividade dos órgãos políticos da Casa.
Portanto, isso nos leva a não acreditar no resultado desse esforço. A discussão, a meu ver, é insuficiente e leva a crer que corresponde a mais uma tentativa frustrada de se protelar um debate que é tão importante para a vida do país e leva a maior desprestígio e descrédito na representatividade política brasileira.
As pesquisas estão aí e a cada vez que são realizadas comprovam o desejo popular por uma reforma política. Não podemos ficar parados, assistindo e achando que está tudo bem. Sem a reforma política não sanaremos algumas questões fundamentais e estruturais para o Brasil.
Muita gente declarou, nesta última semana, que não acredita mais numa mudança nas leis político-partidárias que não sejam por meio da pressão popular. A senhora acha isso ou ainda há uma chance de contar com os parlamentares favoráveis à ideia?
Tenho a mesma posição dos que declararam isso. Daqui da Câmara a reforma política não vai sair nunca. Já participei de três comissões especiais formais, regimentais, instaladas para tratar do assunto que trabalharam anos, redigiram propostas que até foram aprovadas (com exceção da última), mas não se chegou a um resultado final.
Fizemos viagens para discutir o tema no país inteiro em audiências com a sociedade, geramos a expectativa perante a população e até nos iludimos, também. Considero que eu mesma me iludi e iludi a sociedade, porque muitos compareceram às reuniões, contribuíram com ideias e participaram dos debates de forma entusiasmada e simplesmente não se dá satisfação, não se aprova nada da comissão especial e nada segue para plenário.
É lamentável! Agora tudo indica que acontecerá da mesma forma. É mais uma quebra de confiança entre o poder que representa a sociedade e a própria sociedade. Por isso existe esse fosso enorme, esse abismo enorme. Isso não é coisa simples quando se trata de um regime democrático, de um estado democrático de direito.
Que caminhos a senhora sugere para a solução do problema?
O do fortalecimento dessa mobilização popular. Desde que estou na Câmara, em 2002, presido a Frente Parlamentar pela Reforma Política. São várias entidades reunidas, já foi redigida a proposta e há até um Projeto de Lei elaborado por eles. Temos agora que marcar, ao lado desse movimento, presença nesta Casa para dizer de forma firme que queremos que as coisas aconteçam e aconteçam da melhor forma.
No grupo técnico da reforma política que está encerrando os trabalhos não se falou até agora em organização partidária, nem na lei que trata da criação dos partidos políticos que são outros dois pontos importantes para a reforma. O financiamento de campanha foi tocado de forma muito genérica.
Fiquei aqui, participando dos trabalhos, como representante da bancada feminina, mas nem mesmo a questão de gênero chegou a ser discutida e considerada. Também não se discutiu a questão da votação em lista, nada disso.
Sobre a votação em lista e o financiamento público, qual sua posição em relação a estes dois itens?
Acho que o financiamento público exclusivo de campanhas, embora fundamental, só será eficiente se for aprovada também a votação em lista. Mas a questão não é a dificuldade para votar o financiamento público exclusivo em si e sim de como é o sistema de votações.
Até hoje, quando se trata de reforma política, os parlamentares só cuidam de colocar tecidos novos como se fossem remendos, em cima de uma velha lei e mais nada. Esses tecidos, em vez de melhorar, desagregam mais ainda o tecido velho sem resolver o problema.
Há uma preocupação constante com o poder do empresariado e a influência da iniciativa privada sobre o mandato dos parlamentares, daí a dificuldade para acabar ou inibir o financiamento privado de campanhas. O que a senhora avalia sobre isso?
Não tenho a menor dúvida de que o empresariado está com os olhos abertos, tanto na Câmara como no Senado. Se você verificar as comissões permanentes fica fácil perceber. É muito claro, basta entrar, por exemplo, numa das reuniões da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara para ver como os deputados se comportam. São só deputados que representam interesses da comunicação e da mídia na questão das concessões para rádio e TV.
Isso se reproduz da mesma forma nas outras comissões. No processo de indicação das mesas das comissões, por exemplo, normalmente os deputados que querem e trabalham para ser integrantes de cada uma delas, são os que estão atrelados a algum interesse das empresas que os bancaram, por causa do financiamento privado que receberam para suas campanhas.
Fonte: Rede Brasil Atual