Quanto tempo dura a indignação pelo assassinato de um desconhecido? – Por: Leonardo Sakamoto

Um conhecido de infância, lá do Campo Limpo, me mandou uma mensagem perguntando, de forma irônica, quanto tempo ia durar a indignação pelo rapaz assassinado “por acidente” pela polícia militar na periferia de São Paulo. Ele tem uma tese: a indignação dura o tempo em que o caso for útil para a comprovação de um argumento defendido por grupos de intelectuais, movimentos e organizações sociais.

Quando uma morte não cabe na defesa das bandeiras desses grupos ou quando esses grupos, por serem pequenos e periféricos, não conseguem pautá-la na mídia ou em redes sociais, a história desaparece com a vítima. Há histórias que colam e outras que não.

Ou seja, histórias revoltantes como a de Amarildo, que teria sido torturado e morto pelas mãos da polícia carioca, não caem no esquecimento porque servem como bandeira. Bandeira contra a violência policial, a repressão violenta de manifestações, a desmilitarização da polícia militar e uma série de outras causas justas.

Creio que meu supracitado colega não estava questionando a sinceridade com a qual muitas pessoas se dedicam a essas causas e os efeitos positivos para a sociedade de seu árduo trabalho. Mas, como ele ressaltou, é triste ficar dependendo desse tipo de notoriedade para garantir que haja uma chance da Justiça ser feita. “Porque, na maioria das vezes, a gente volta para a casa a pé, enquanto vocês dão tchauzinho da janela do avião.”

Neste ano, ocorreram mortes, torturas, espancamentos de sem-terra, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, no campo, isso sem contar limpeza social de pessoas em situação de rua e da matança de jovens pobres e negros da periferia das cidades.

E você não ficou sabendo da maioria deles.

A mídia tradicional ou mesmo a alternativa não trouxeram todos os casos. E as redes sociais não repercutiram a maioria deles.

Claro que as observações do meu colega transbordam de cinismo. Mas não tenho como deixar de resgatar que, logo no início de seu livro “O jornalismo e o assassino”, Janet Malcolm sintetiza:

“Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente em ser tema de um escrito não ficcional aprende — quando o artigo ou livro aparece — a sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público a saber’; os menos talentosos falam sobre a Arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida.”

As palavras são úteis não apenas para o jornalista, mas também para o ativista, o intelectual, o político, para todos nós. Todos nós que nos preocupamos com algo apenas quando nos atinge.

Se o problema é do filho ou filha do outro, do desconhecido distante, então que se dane. A verdade é que defendemos liberdades coletivas quando estas nos dizem respeito individualmente. Será que vamos, um dia, conseguir defender o outro simplesmente porque ele é (ou deveria ser) semelhante a mim em direito e dignidade? Será que veremos o outro como um igual?

Poderia ser diferente? Na sociedade em que vivemos, talvez não, uma vez que todos temos nossas preocupações e demandas que limitam a preocupação com a dignidade do semelhante desconhecido.

Tenho certeza de que não só a história do rapaz será esquecida como tantas outras que permanecem vivas apenas pelas pessoas que os amaram. Punir os responsáveis e garantir mudanças pontuais e estruturais para que o caso não volte a se repetir seria o único epitáfio que se espera.

Isso não acontecerá de cima para baixo. Mas quando a parte de baixo colocar a parte de cima, que ganha com sua desgraça, seja ela quem for, abaixo.

Torço, cada vez mais, para que esse dia chegue logo, destronando nosso lugar de fala.

Fonte: Blog do Sakamoto

+ sobre o tema

Quando raposas tomam conta do galinheiro, por Maurício Pestana

por Maurício Pestana  A expressão acima, dito popular...

Dilma anuncia que conferência Rio+20 será adiada para 20 de junho

Evento sobre meio ambiente seria realizado no Rio de...

O melhor de todos, Michael Jordan, entra para o Hall da Fama

Fonte: Estado de São Paulo - Michael Jordan, considerado por...

para lembrar

Precariedade institucional e historicidade do racismo – Por Túlio Muni

Toda a movimentação popular em reação à boataria...

Lula sanciona reajuste de 7,7% para aposentados, diz Mantega

Por: Nathalia Passarinho   Para compensar, equipe econômica fará...

Michelle Obama: “Os homens de minha vida não falam assim sobre as mulheres”

Há emoção nos comícios de Michelle Obama a favor...

Fim da saída temporária apenas favorece facções

Relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o Senado Federal aprovou projeto de lei que põe fim à saída temporária de presos em datas comemorativas. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA),...

Morre o político Luiz Alberto, sem ver o PT priorizar o combate ao racismo

Morreu na manhã desta quarta (13) o ex-deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), 70. Ele teve um infarto. Passou mal na madrugada e chegou a ser...

Equidade só na rampa

Quando o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, perguntou "quem indica o procurador-geral da República? (...) O povo, através do seu...
-+=