Vou contar um segredo para você. Mas ao contrário de todos que já lhe falei, esse eu quero que você espalhe por aí. Conte para sua mãe, seu pai, seus irmãos e irmãs. Conte também para seu vizinho, sua vizinha e para quem mais você encontrar pelas ruas.
Enviado por Nicolau Neto via Guest Post para o Portal Geledés
Eu sempre gostei de ir à escola. Gostava de acordar cedinho, tomar banho, escovar os dentes, colocar a roupa da farda com aquele símbolo da escola no peito e o nome atrás, merendar e sair para ver meus amigos de sala e aqueles que não eram da mesma turma, meus professores e os demais funcionários da escola.
Como era bom. Mas, sempre senti que faltava algo. Não sabia dizer bem o que, mas faltava. Falta, porque era uma espécie de vazio que sentia todos os dias ao chegar em casa e ligava o rádio e a tv – pois nesse tempo eu nem tinha acesso à internet. Muitas informações e eu ficava a ver navios. Não sabia o que se passava. Não sabia me posicionar diante de tantos fatos. Sequer me questionava se aquilo que ouvia no rádio e assistia na tv era de fato verdade.
Às vezes. Às vezes não, quase sempre desligava os aparelhos porque não sabia os significados de muitas palavras e o impacto que elas geravam em nossas vidas. Quando retornava para escola no dia seguinte era como se vivesse outra realidade totalmente distante da que vivia em casa, na rua….. Percebia dois mundos tão diferentes. O professor e a professora falavam da importância de saber regras de três, raiz quadrada. Diziam o quanto era necessário saber distinguir as palavras. Se é adjetivo ou substantivo, etc. Eles/as nos faziam decorar os fatos da revolução francesa, da colonização portuguesa no Brasil, os fatos religiosos de Grécia e Roma.
No entanto, quando eu chegava em casa me via sozinho mais uma vez e sem saber conectar o que vi na escola com a realidade nua e crua. E para piorar eu nem sabia a história da minha cidade, do meu bairro. Ainda assim, continuava a estudar e decorar algumas lições para ter boas notas. E tirava, mas instantes depois das avaliações não sabia mais. Decorava, memorizava a matéria toda, mas não entendia. Eu me sentia uma ameba. E eles e elas me faziam sentir tal qual.
Mesmo assim, eu sabia que o estudo era algo bom. Meus pais repetiam isso todos os dias. Ia muitas vezes à escola por insistência deles. Hoje sei que de fato, a escola é a porta de entrada para uma vida melhor. Hoje eu tenho parcialmente algumas respostas para aquele vazio que sentia quando retornava da sala de aula para casa. Muitas delas estavam no método de ensino. Os tempos mudaram. As escolas mudaram. Os professores mudaram, mas algo permaneceu. O sistema educacional e o método de ensino permanecem fiéis ao tempo.
Não se ensina de fato para a cidadania. Não há preocupação com a politização dos estudantes, ou seja, a escola não está preocupada em ver os alunos questionando e participando da vida política da sua cidade. Não quer nem saber de discutir as causas e consequências de seguir sem questionar determinada religião. Aliás, religião e política são os assuntos tabus. Ninguém quer ou ousa discutir essas temáticas com os alunos. Eu pouco ou nada sabia das minhas origens em sala, porque, de certo modo, conteúdos referentes à África só aparecia no período colonial brasileiro e os negros e negras sendo vistos como escravos. Eu não tinha uma história contada pelos negros e pelas negras.
Hoje eu sei explicar o que antes só imaginava. Temos uma educação que vale mais os números, do que os alunos propriamente ditos. Temos uma educação que ainda é racista, machista e homofóbica. Temos uma educação onde os avanços são muito menos sentidos do que as permanências. Por fim, quero dizer que hoje eu sei e desejo uma escola onde o que se aprenda na sala possa de fato ser aplicado em casa, na rua… Onde o que se passa lá fora possa ser trabalhado a exaustão na escola, para que meus filhos não possam se sentir estrangeiros na sua própria terra. Desejo ainda uma escola que eduque para as relações étnico-raciais e pontue o ano inteiro a história e cultura africana e afro-brasileira.
Por fim ainda, desejo uma escola que tenha pluralidade de ideias e onde se incite os alunos e alunas a partir do debate com textos diferentes, permitindo que eles/as formem opinião se tornando cidadãos críticos e atuantes do meio que o cerca e não o que ora se quer para a educação – uma “escola sem partido”. Quero, outrossim, uma escola de muitos partidos.
Ah e antes que eu esqueça. Desejo uma escola onde os professores, professoras e demais companheiros/as de jornada que se preocupam com essa educação desejada, sejam maioria.
Nicolau Neto é professor, membro do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec), servidor público no município de Altaneira, diretor de programação da Rádio Comunitária Altaneira FM e administrador/editor do Blog Negro Nicolau.