O Projeto de Lei n. 193/2016, apelidado programa “Escola Sem Partido”, em tramitação no Congresso Nacional, pretende subordinar conteúdos e atividades escolares às crenças de pais ou responsáveis pelos educandos, bem como monitorar a doutrinação ou cooptação política e ideológica em sala de aula.
Por Hédio Silva Jr., do UOL
A crença ou a moralidade dos pais –e não do educando, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente– passaria a ser adotada como critério para o controle familiar da educação escolar, podendo inclusive resultar em punição para os desobedientes.
Consta do referido PL que uma denúncia anônima será suficiente para o acionamento do Ministério Público, de modo que a conduta de professores, gestores e funcionários passará a ser a ser diuturnamente patrulhada por todo e qualquer indivíduo.
A indistinção entre valores familiares e as leis que regem a educação escolar representa uma afronta direta à democracia e a diversos princípios constitucionais. Com efeito, a Constituição Federal distingue educação familiar da educação escolar, do ensino, atribuindo a este último o papel principal de preparar o educando para o exercício da cidadania.
Isso significa, por exemplo, que se a família decide educar a criança para torná-la fiel a uma determinada crença, o mesmo não pode ser exigido da educação pública, laica, cujo escopo jurídico-político não se subordina a valores mas sim a normas jurídicas republicanas, democráticas.
De outro lado, prescreve a Constituição Federal que é livre o exercício da atividade intelectual e científica, assegurando ainda ao professor a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
A autonomia didática do professor, a autonomia pedagógica da escola e a autonomia universitária traduzem outro importante princípio constitucional, segundo o qual a educação deve orientar-se pelo pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Pluralismo de ideias implica que a educação pública deve transmitir livremente a ciência e a arte, preparando o educando para desenvolver pensamento crítico, mas também para respeitar a diversidade, a alteridade e a divergência de opiniões que caracterizam as sociedades democráticas.
Assim sendo, pais e responsáveis que preferem que seus filhos frequentem escolas orientadas por valores idênticos aos de suas famílias têm a opção de matriculá-los em escolas confessionais, privadas, instituídas pela Constituição Federal exatamente para atender ao tipo de demanda prevista no PL n. 193/2016.
Nas escolas públicas, mantidas com impostos pagos por todos os brasileiros, a prioridade deve ser a formação do cidadão –não do fiel– e nela devem prevalecer a tolerância e a cultura de respeito recíproco e de convivência harmoniosa entre todas as opiniões, ideologias, crenças e religiões.