Escolas de São Paulo carecem de política pública para acolher crianças imigrantes

“Muitos dos projetos que dão certo são autônomos de cada escola. Não tem a presença efetiva do poder público”, diz Bruna Peneluppi, educadora do projeto Tendas de Cidadania

por Luciano Velleda, da RBA 

 

O idioma é um dos principais problemas para a integração das crianças estrangeiras nas escolas (DIVULGAÇÃO/CDHIC)

São Paulo – A denúncia de que estudantes bolivianos estariam sofrendo ameaças caso não pagassem o lanche de alunos brasileiros foi noticiada na imprensa em 2010. O caso aconteceu na Escola Estadual Padre Anchieta, localizada no bairro paulistano do Brás. Fundado um ano antes, o fato inspirou o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (Cdhic) a desenvolver o projeto “Tendas de Cidadania para Crianças e Adolescentes Imigrantes”.

O objetivo era desconstruir a xenofobia presente na sala de aula, por meio de atividades pedagógicas e lúdicas que valorizassem a cultura e combatessem o preconceito e a discriminação contra crianças e adolescentes imigrantes e refugiados nas escolas municipais e estaduais de São Paulo.

Depois de pouco mais de um ano de atuação, encerrado no último mês de maio, o projeto Tendas de Cidadania diagnosticou a ausência de uma política pública voltada para crianças e adolescentes estrangeiras, que reconheça suas especificidades e as acolha no ambiente escolar.

“Muitos dos projetos que dão certo são autônomos de cada escola. Não tem a presença efetiva do poder público, não é uma política pública. Identificamos que é muito importante a troca de experiência entre as escolas. É gritante a diferença de como as escolas lidam com o tema”, explica a educadora social Bruna Peneluppi Mello.

Com uma tenda na Praça Kantuta, no bairro do Pari, e outra na Escola Estadual Domingos Faustino Sarmiento, no Brás, ambas regiões com grande presença de imigrantes bolivianos, o projeto trabalhou conceitos como direitos, território, nação e pertencimento por meio de atividades lúdicas que permitiam as crianças se expressarem com desenhos e trabalhos manuais.

Ao todo foram 22 Tendas de Cidadania – 11 atividades nos dois territórios por mês – entre dezembro de 2016 e junho de 2018. O projeto atendeu 348 crianças e adolescentes, sendo 67 crianças com idade entre 0 e 5 anos, 233 crianças entre 6 e 12 anos, e 48 crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos.

“As atividades eram todas norteadas para a valorização cultural, o combate à xenofobia”, destaca a educadora social. Segundo Bruna Peneluppi, a questão do idioma é uma das principais dificuldades das escolas diagnosticadas ao longo do projeto. Quando a criança imigrante é pequena ainda é mais fácil, pois há maior facilidade de aprender o idioma. O problema acontece mesmo com crianças maiores e adolescentes.

“A língua é uma das coisas que mais pesam dentro da sala de aula, assim como a equivalência curricular”, afirma Peneluppi. No caso do currículo, ocorre de adolescentes serem colocados em turmas com crianças bem menores. A justificativa costuma ser a dificuldade com o português e não com o conteúdo em si. Como consequência, esse adolescente acaba tendo problemas de relacionamento com os colegas, em função da diferença de idade. “Isso influencia no relacionamento dele com os grupos dentro da escola, influencia na autoestima”, explica a educadora social.

Por meio de atividades lúdicas, projeto buscou desconstruir a xenofobia presente nas salas de aula (DIVULGAÇÃO/CDHIC)

Autismo

Além de trabalhar com as crianças, um dos eixos do projeto foi a articulação com os professores das escolas, ocasião em que eles podiam falar sobre a realidade do tema da xenofobia dentro das salas de aula. O contato revelou a disparidade entre as escolas no preparo para lidar com o tema.

“A gente tanto percebia que há escolas bem avançadas, como a EMEF Carolina de Jesus (antiga Infante Dom Henrique), com projetos de valorização do espaço e apropriação cultural de cada um, com envolvimento das famílias, assim como em outras escolas víamos que os professores não sabem lidar com uma ou duas línguas a mais dentro da sala de aula. Vimos que existe uma diferença muito grande de uma escola pra outra”, explica Bruna Peneluppi.

Um dos problemas percebidos foi a alta incidência de crianças imigrantes sendo diagnosticas como autistas. Para a educadora social, pode estar havendo um sério erro de avaliação. Segundo Bruna, a criança pode, na verdade, ter baixa autoestima por não conseguir se expressar, por estar num ambiente diferente, por não se sentir integrada, assim como também pode ser simplesmente uma questão cultural, ou seja, uma criança de origem andina ser mais contida, não tanto expansiva como uma criança brasileira.

Além da questão do idioma e da equivalência curricular, as conversas com os professores também revelaram outras questões que impedem o pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes migrantes, como a indisciplina causada por mecanismos de defesa, assim como professores que não se sentem respaldados com estrutura suficiente para a inclusão desses alunos.

Ao final do projeto, as experiências vividas no Tendas de Cidadania para Crianças e Adolescentes Imigrantes foram registradas no Livro das Tendas. A intenção é que a publicação sirva como “ferramenta de sensibilização e de inspiração para futuras ações de combate à xenofobia e respeito à diversidade realizadas para educadores e outras organizações sociais”.

“O projeto propiciou, além do diálogo com as crianças, famílias e escolas, também uma aceitação pelos professores. O desafio que temos pela frente é fazer dialogar experiências de boas práticas e inclusão que já existem, e assim construir juntos uma política pública para as crianças e adolescentes imigrantes e refugiadas na cidade de São Paulo”, sintetiza Paulo Illes, coordenador executivo do Cdhic.

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