Especialistas analisam a reação polêmica nas redes sociais à capa com imagem de jovem amarrado a poste

“Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra”. A imagem do jovem negro amarrado a um poste mostra que, 127 anos depois da abolição da escravatura, a sociedade brasileira ainda reproduz as cenas que o abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910) lutava para extirpar do país.

no Extra

A conclusão é do historiador Luiz Antonio Simas, que cita a obra do historiador e diplomata abolicionista para analisar as reações inflamadas à capa do EXTRA de ontem. A relação entre a execução sumária e a escravidão suscitou amplo debate nas redes sociais.

 — A chave para entender essa questão é a frase do Joaquim Nabuco. O mais complicado é acabar com a obra da escravidão. São quatro séculos de uma cultura escravocrata, onde a violência está presente, naturalizada. É claro que é preciso denunciar a tortura no período da ditadura militar, mas é preciso lembrar que a tortura é uma prática sistemática e cotidiana no Brasil em 500 anos. Essa naturalização da violência é obra da escravidão. E é terrível — explica o professor.

O historiador Nireu Cavalcanti ressalta que as reações favoráveis à execução sumária são um reflexo da descrença da população brasileira no Estado.

— A população se sente abandonada. Não adianta discutir se está certo ou errado, mas ver as causas da doença, que é a falta de credibilidade do estado, no qual a alta cúpula dos governos é condenada por corrupção. O governo brasileiro é uma fábrica de bandidos. Essa é a origem da doença, um estado corrupto em todas as suas esferas — declara o historiador, que também ressalta o massacre dos indígenas e as cenas da escravidão, ainda vivos na sociedade:

— A abolição foi ontem. O brasileiro tem resquícios dentro dele, de que é superior por questões de cor e agora também ao nordestino, aos índios. A população indígena no Brasil foi trucidada.

Para a antropóloga Alba Zaluar, o criminoso é desumanizado no Brasil.

— Houve escravidão em muitos países e não é isso que justifica a violência. A questão é mais complexa. Temos a visão horrorosa do que os soldados americanos fizeram com prisioneiros e eles não eram escravos. Acontece nos combates radicais em que o inimigo é desumanizado. O criminoso é visto assim no Brasil. Ele é desumanizado e sofre horrores na prisão. Aqui, se o traficante morre em confronto não tem problema. Como não? O problema é transformar o outro em inimigo e desumanizá-lo — afirma Alba.

O deputado federal Chico Alencar também comentou o caso.

— O EXTRA retoma uma tradição jornalística fundamental para o abolicionismo, que culminou com o fim da escravidão na segunda metade do século 19. O papel da imprensa é informar e formar em torno de valores, com o combate ao preconceito e ao racismo. É muito educativo mostrar as semelhanças entre a opressão da escravidão sobre o povo negro do Brasil, com argola, ferro e chibata, e a raiva materializada em maus-tratos do passado, e o instinto de vingança sumária. O justiçamento representa a descrença em qualquer solução civilizada. A população carcerária do Brasil aumentou 574% nos últimos 25 anos. E o registro de atos violentos cresceu 114% nesta última década. Toda violência no Brasil, fora os casos isolados de psicopatia, é fruto de nossa estrutura social. Não significa dizer que todo miserável é violento, mas uma análise da população carcerária, do acesso à escola mostra uma evidente correlação entre a violência e a estrutura social. Países mais desiguais são mais violentos.

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