A estilista que olhou para suas origens e se encontrou na costura e na alfaiataria

Shirley Sampaio abriu seu ateliê e, atualmente, vive do que mais gosta: fazer moda. “Era muito natural e eu demorei para ter esse ‘start’ de trabalhar com isso”, conta ao HuffPost Brasil.

Do HuffPost Brasil.

(Foto: CAROLINE LIMA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)Shirley Sampaio é a 69ª entrevistada do projeto “Todo Dia Delas”, que celebra 365 Mulheres no HuffPost Brasil.

Ficava tudo em uma caixa de sapato de papelão. Fileiras de vestidos e roupas de boneca feitas com retalhos que a mãe dava após costurar peças em casa. Aos 8 anos aprendeu a tirar medidas, fazer pequenos moldes e já criava sua própria coleção de roupas de Barbie. Levava para a escola. Era um sucesso, todas as meninas queriam saber onde ela tinha comprado. E a resposta era outra: era dela, ela mesma tinha feito e na hora do recreio começou a vender as peças exclusivas. “Causava alvoroço, era uma muvuca. Eu era rica, vendia muito vestido [risos]. Minha mãe foi chamada na escola e falaram que eu estava causando confusão e que não podia fazer isso lá.”

Na época de escola, Shirley Sampaio, 36 anos, nem tinha se dado conta do que isso significava. Talvez já fosse o embrião de seu ateliê. Mas esse projeto ia nascer de fato mais de 25 anos depois. “Sempre foi muito orgânico para mim, então nunca vi como uma coisa realmente profissional. Eu cresci com minha mãe costurando, meu avô era alfaiate, era sempre assim… queria tal vestido para ir numa festa e minha mãe fazia. A gente passava na rua, eu via as vitrines, gostava de uma roupa e ela fazia. Era muito natural e eu demorei para ter esse start de trabalhar com isso.”

Eu cresci com minha mãe costurando, meu avô era alfaiate, era sempre assim.

Shirley decidiu investir na habilidade que sempre esteve com ela e, então, abriu o Atelier Shy Sampaio. (CAROLINE LIMA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)

Nascida em Santos, Shirley trabalhou muitos anos com comunicação – foi repórter e apresentadora de programa de TV em uma emissora local do Guarujá. Nessa época, ela mesma era responsável pelo seu figurino para entrar no ar. Conta que sempre estava com uma roupa diferente. Tudo feito em casa, com ajuda da mãe. Nos eventos sociais que frequentava também chamava atenção pela roupa e respondia sempre a mesma coisa quando perguntavam de onde era o vestido que ela usava: “é meu. Fui eu que fiz.” Mas achava normal. Natural para ela.

Foi só em 2014 que olhou para isso de outra forma. Antes disso, foram 12 anos de luta em São Paulo e diversas tentativas profissionais. “Vim para buscar oportunidade, ficava uma semana, voltava, ficava na casa do amigo, aquela coisa bem de caiçara quando começa a vir para São Paulo. E comecei a descobrir a cidade e trabalhei em muitas coisas.” Atuou em comunicação, assessoria de imprensa, se envolveu com produção de moda, mas nada disso deu o strat que ela precisava. De repente, mudou de área e foi vender carros em grandes concessionárias. “Uma amiga me chamou para vender carro, falou que estava ganhando muito dinheiro e fui. E foi a coisa mais estressante e maluca que já fiz na vida.”

Foram três anos de muito trabalho e uma coisa muito difícil. Shirley trabalhava de uniforme. Aquele hábito de escolher o que ia usar, de fazer as peças que vestia e falar, com orgulho “fui eu que fiz” deixaram de fazer parte de sua vida. “Ganhava super bem mesmo, mas eu não tinha qualidade para gastar o dinheiro que eu ganhava. Só usava uniforme. Imagina pra mim? Cheguei a ficar 45 dias sem folga e eu não tinha roupa suja. Só tinha pijama e uniforme para lavar.”Alguma coisa não estava certa ali. Sofreu um acidente doméstico e se afastou do trabalho. Quando retornou foi demitida por baixa produtividade e aí a coisa mudou.

Acho que é o momento de quem faz um trabalho pequeno, de quem produz com a própria mão aparecer.

Shirley trabalhou muitos anos com comunicação – foi repórter e apresentadora de programa de TV em emissora local. (CAROLINE LIMA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)

 

Sem saber bem o que fazer e precisando de emprego, pediu ajuda a um amigo, queria possíveis indicações. E foi ele quem apenas lembrou Shirley do mais importante. A resposta que ela buscava já estava ali. “Esse amigo falou pra eu focar na costura, amadurecer isso.” Decidiu investir nessa habilidade que sempre esteve com ela. Abriu o Atelier Shy Sampaio. Foi – e ainda é – uma luta. Amadureceu a ideia e montou seu espaço no seu apartamento mesmo. E é ela que faz tudo. Molde, modelagem, montagem das peças. Faz os ajustes no próprio corpo e depois se arruma e posa para foto com a roupa para fazer a divulgação. Está feliz com o rumo que tem dado ao trabalho e com a visão sobre a moda que as pessoas têm hoje. “Meu foco é uma alfaiataria leve, descontraída. Faço todos os processos. Sou bem feliz e acho que a moda está passando por uma revolução muito bacana, acho que é o momento de quem faz um trabalho pequeno, de quem produz com a própria mão aparecer. As pessoas querem saber de onde vêm, saber quem está por trás.”

E parece que foi essa também a busca de Shirley. Saber de onde vem. Com o próprio negócio, muita coisa mudou na vida dela. Sua sala virou espaço de costura e logo ela percebeu que precisava de um lugar mais adequado para trabalhar. E teve que fazer um novo movimento para o passado e se mudou para o Guarujá. “Me achei. A maior prova disso foi ter dado esse passo de voltar para o Guarujá para ter um espaço para o ateliê. Pensei que é um passo para trás para dar dez para frente. Eu precisava fazer algo acontecer, a grana que eu investia no aluguel eu poderia investir no ateliê. Hoje invisto minha vida no ateliê e encontrei um monte de resposta, propósito.”

Apaixonada por São Paulo, deixar essa cidade que há mais de dez anos a acolhia não foi fácil. Mas voltar às origens e a morar com os pais foi, na verdade, um ato de coragem. “É difícil, mas é pela minha causa. Empreender é super difícil e voltar para o Guarujá ajudou muito, dei um respiro absurdo, o ateliê é super legal, tenho uma espaço bacana para trabalhar e produzir. Ficou mais profissional. Mas meu objetivo ainda é montar meu espaço em Pinheiros e eu vou conseguir, eu tenho certeza.”

Hoje invisto minha vida no ateliê e encontrei um monte de resposta, propósito.

“Acho que é o momento de quem faz um trabalho pequeno, de quem produz com a própria mão aparecer.” (CAROLINE LIMA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL)

Agora é mais fácil ter certeza. Talvez por saber exatamente de onde veio, sua causa e propósito ficaram bem claras. “Sempre fui ligada em moda. Eu não conheci meu avô, mas ele é muito presente na minha vida. Eles são do interior do sul da Bahia e [quando vou lá] todo mundo pergunta se eu sou neta do mestre Israel. Ele andava de terno de linho azul bebê naquela época. Um negão de 1,80 m, você imagina? No sertão, com terno azul bebê… ele se destacava e acho que trago esse DNA.”

Com certeza. Já estava ali, dentro daquela caixa de papelão em roupas de 20 cm – e com a resposta pronta para a pergunta sobre quem costurou aquilo tudo: “é meu, fui que eu fiz.”

Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Ana Ignacio

Imagem: Caroline Lima

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC

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