Estudante de colégio particular da Zona Sul é vítima de racismo em mensagens postadas por colegas em rede social

Enviado por / FontePor David Barbosa, O Globo

“Dou dois índios por um africano”, “quanto mais preto, mais preju”, “fede a chorume”. Essas foram algumas das mensagens racistas que alunos do Colégio Franco-Brasileiro, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, escreveram em um grupo de WhatsApp para se referir a uma colega negra que também estuda na instituição, como revelou o jornalista Ancelmo Gois. O episódio criminoso repercutiu nas redes sociais e artistas como Taís Araújo e Iza manifestaram solidariedade a Ndeye Fatou Ndiaye, de 15 anos.

A jovem, que também mora em Laranjeiras e estuda no colégio desde que tinha cinco anos de idade, conta que descobriu as mensagens através de um amigo que participava do grupo onde elas foram enviadas. Após sair da conversa, o rapaz tirou fotos e encaminhou para a menina. Fatou relata que o racismo é frequente no seu dia-a-dia, mas que é a segunda vez que enfrenta um episódio grave envolvendo colegas de classe.

— Qualquer pessoa negra num ambiente cheio de brancos enfrenta o racismo diariamente. Na época do surto do ebola, um aluno gritou para mim no meio da sala de aula: “volta para a África com a sua doença”. Nada aconteceu com ele. A gente olha as mensagens enviadas e pensa que é algo que se dizia 300, 400 anos atrás. Não devíamos estar vendo isso em 2020 — protesta.

Na mesma escola, além de Fatou, também estuda sua irmã, de 8 anos. O pai das meninas, Mamour Sop Ndiaye, de 45 anos, esteve em reunião com o colégio nesta quarta-feira, onde foi informado que um ofício foi encaminhado para o Conselho Tutelar e que, por ora, a instituição não tomará outras providências.

“Enquanto o colégio não apresentar resultados que me garantam a segurança das minhas filhas e de todas as mulheres negras que frequentam aquele ambiente, elas não voltam às aulas”
MAMOUR SOP NDIAYE
Pai de Fatou

— Enquanto o colégio não apresentar resultados que me garantam a segurança das minhas filhas e de todas as mulheres negras que frequentam aquele ambiente, elas não voltam às aulas. Desde que minha filha estava na quarta série, já fui chamado muitas vezes à escola e nunca é um problema de desempenho, mas sempre questões raciais. Se você está num local onde as pessoas não podem aceitar a diversidade, é um perigo, a meu modo de ver — afirma o professor universitário, que veio do Senegal para o Brasil há 22 anos.

O Colégio Franco-Brasileiro confirmou que o diálogo, divulgado na internet por um ex-membro do grupo de Whatsapp, foi travado entre alunos da 1ª série do Ensino Médio. Nas mensagens, um dos estudantes questiona se os colegas teriam relações sexuais com a atriz Bruna Marquezine em troca de um abraço de Fatou. Um deles responde: “tem que ficar de molho depois, né” (sic).

Os autores das mensagens fazem, ainda, uma série de declarações racistas comparando negros a objetos comercializáveis. Um deles chega a dizer que “venderia” a colega em um site de negócios quando ela completasse 18 anos, “que aí vale mais”. Um dos adolescentes também sugere pintar duas outras colegas de marrom e comprá-las, ao que outro responde: “quando a gente usar demais, a gente vende na OLX”.

Mamour ressalta que o episódio com a filha não pode ser tratado como um caso isolado. Para ele, o racismo só pode ser resolvido a partir da mobilização dos negros e da educação.

— No Brasil, basta ser preto para começar a ter problema. A primeira maneira para acabarmos com o racismo é rever essa falta de conhecimento dos brasileiros com a sua origem. As escolas brasileiras estão despreparadas para discutir a questão da África. Para mim, o que o país vive é um apartheid, um crime contra a humanidade. O que aconteceu com o João Pedro(jovem de 14 anos que foi morto dentro de casa em uma operação policial nesta terça-feira) é como se fosse com um filho meu. Cada coisa que chega você sente mais a dor de ser negro no Brasil. E todos os governos que chegam não fazem nada para mudar isso.

Artistas em solidariedade

Numa rede social, a cantora Iza deixou uma mensagem para Fatou, pondo-se à disposição para ajudar a estudante. “Como você é maravilhosa! Linda demais! Agora você tem uma aliada. Estou te seguindo e estou aqui para o que precisar”, escreveu. Quem também manifestou solidariedade à jovem foi Taís Araújo. “Não precisa agradecer, é um dever enquanto mulher negra, mãe de uma menina negra e cidadã que trabalha para que o mundo seja bom para todos”, escreveu a atriz.

Fatou, que se divide entre querer ser médica ou engenheira de petróleo quando se formar, diz que está mais triste pela reação que seus professores tiveram com o que aconteceu:

— Tenho professores excelentes que sempre me deram voz e prezaram por uma boa educação em sala de aula. Ficaram arrasados. Eu não fiquei triste porque tenho ciência de quem eu sou, que sou uma boa aluna. Na hora, não acreditei, mas decidi enfrentar a situação da forma mais inteligente possível, para que outras pessoas como eu não passem por coisas parecidas.

Colégio diz que repudia racismo

O colégio divulgou uma nota de repúdio ao crime e informou que está “analisando todos os fatos para que sejam tomadas as devidas providências.” A instituição também disse que os membros da equipe pedagógica estão “profundamente indignados com o ocorrido”, e afirmou que “o Colégio Franco-Brasileiro repudia, de forma veemente, toda forma de racismo.”

Leia a nota abaixo, na íntegra:

“Prezada Comunidade Escolar,

Tomamos ciência hoje de um fato ocorrido envolvendo alunos da 1ª série do Ensino Médio do Colégio Franco-Brasileiro, em conversas de um grupo de WhatsApp formado pelos próprios alunos. Nessas conversas, foram constatadas atitudes extremamente racistas.

Estamos profundamente indignados com o ocorrido e reiteramos que o Colégio Franco-Brasileiro repudia, de forma veemente, toda forma de racismo.

O ato de discriminar agride os Direitos Humanos e o princípio da dignidade da pessoa humana. É nossa responsabilidade enfrentar o racismo nos diferentes espaços que ocupamos, incluindo os ambientes virtuais.

Em nossa proposta pedagógica, destacamos que: “educamos para a democracia e não para o autoritarismo, para a igualdade de gênero e não para o sexismo, para o pluralismo econômico e não para o dogmatismo, para a diversidade cultural e não para o etnocentrismo, para a igualdade racial e não para o racismo, para a liberdade religiosa e não para o fanatismo. Estamos analisando todos os fatos para que as devidas providências sejam tomadas.

O colégio ressalta ainda que os alunos não estão participando das atividades pedagógicas e que as próximas ações relacionadas ao ocorrido só serão tomadas após a apuração dos fatos pelas autoridades.”

Já empresa OLX, que foi mencionada pelos jovens, afirmou, em nota, que repudia qualquer forma de discriminação. Confira a íntegra abaixo.

“A OLX repudia qualquer tipo de discriminação e se solidariza com a estudante, reforçando que faz parte do DNA da empresa apoiar e incluir a diversidade.”

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