Estudo: Brasil vive maior retrocesso em liberdade de expressão do mundo

Enviado por / FontePor Jamil Chade, da UOL

O Brasil sofre a maior queda no mundo na avaliação da liberdade de expressão e passa a ser qualificado dentro do grupo de países onde existe “restrição” para esse direito.

A constatação é da entidade internacional Artigo 19 que, nesta segunda-feira, apresenta seu informe global sobre as ameaças à liberdade de expressão.

O levantamento revela que, hoje, 3,9 bilhões de pessoas no mundo vivem sob crise de liberdade de expressão. Na prática, mais da metade da população mundial vive em um país com o indicador de liberdade de expressão em um estado de crise. Trata-se do pior resultado em 20 anos.

A queda foi puxada por restrições crescentes em países com grandes populações, como a China, Índia, Turquia, Rússia, Bangladesh e Irã, e por retrocessos e quedas alarmantes em países como o Brasil, Estados Unidos, Hungria e Tanzânia.

Se no ranking de 2009 o Brasil somava 89 pontos em uma escala de zero a 100 no que se refere aos critérios de liberdade de expressão, em 2020 o país obteve apenas 46 pontos e despencou no ranking. Hoje, ocupa apenas a modesta 94a posição, entre 161 países avaliados.

Com isso, o Brasil deixa de fazer parte da lista de países classificados como “abertos” em termos de liberdade de expressão.

O ranking é dividido em cinco categorias para pedir a garantia da liberdade de expressão em cinco categorias. Países que pontuam entre 0 e 19 são classificados como “em crise”. Aqueles com uma taxa entre 20 e 39 pontos são definidos como países com “Com Alta Restrição”. O segmento seguinte é onde o Brasil se encontra: países com restrição nas garantias desse direito, com uma pontuação de 40 a 59.

O ranking ainda prevê uma categoria de países “Em Restrição Parcial (entre 60 e 79 pontos)”. Já no grupo de elite estão países como Dinamarca, Suíça, Noruega e Canadá, considerados como “abertos”. Nesse grupo ainda estão países sul-americanos como o Uruguai, Chile e Argentina, além dos EUA.

A queda de 43 pontos do Brasil foi a mais significativa do mundo, seguido pela Índia, Nicaragua e Ucrânia. De acordo com o informe, a deterioração já começou a ocorreu ao longo da década. Mas foi “acelerada com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder no início de 2019”. De acordo com o levantamento, o país perdeu 18 pontos em apenas um ano e hoje está praticamente empatado com as Filipinas, abaixo da Hungria ou Haiti.

Na América do Sul, só Venezuela está em situação pior

De acordo com o estudo, o Brasil está atrás de todos os países da América do Sul, com exceção apenas da Venezuela.

O relatório indica que o declínio acelerou com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República no início de 2019, com uma queda de 28% em apenas um ano. “A pandemia de 2020 fez do Brasil um exemplo extremo de como líderes autoritários e restrições à liberdade de expressão, combinados com desinformação, representam um alto risco para a saúde pública”, destaca a análise.

Na avaliação da entidade, países com grandes populações e outros com grande influência – China, Índia, Rússia, Turquia, Irã e Bangladesh – estão vivendo em uma “crise de expressão”. O Brasil ainda não entrou na categoria de crise, mas tem visto um declínio acentuado e acelerado, enquanto países como os EUA estão vacilando e criando ambientes cada vez mais hostis para comunicadores e ativistas.

Além do indicador e do alerta, a publicação traz recomendações para reverter essa tendência. “No Brasil e no mundo, é preciso garantir um ambiente de trabalho seguro para jornalistas, livre de ataques a organizações da sociedade civil e em que a população não encontre barreiras de acesso à informação pública e a uma internet livre de violações de direitos humanos”, afirma Denise Dourado Dora, diretora executiva da ARTIGO 19.

Democracia em apuros

Os ataques contra a liberdade de expressão no Brasil acontecem dentro de um contexto maior e que tem atingindo outros países pelo mundo. Segundo a entidade, o abuso de poder excessivo e o deslize em direção à autocracia começam ganhando o controle sobre a sociedade civil e a mídia.

Esses governos, num primeiro momento amordaçam as entidades de control, se desfazem em instituições democráticas e, por fim, destroem a independência das eleições. “Os dados em países como Hungria, Turquia, Polônia, Sérvia, Brasil e Índia nos mostram este padrão de forma consistente”, alerta.

Segundo e entidade, desde 2010, 43 jornalistas foram mortos no Brasil. “Estes ataques se intensificaram após a campanha presidencial de 2018, vencida pelo atual presidente Bolsonaro”, indica a organização, que alerta para o impacto da situação no Brasil no restante do continente.

A Artigo 19 lembra como, já em janeiro de 2019, Bolsonaro apresentou projetos com o potencial significativa de minar garantias de direitos.

O primeiro deles permitiu-lhes controlar espaços cívicos e reduzir a liberdade de expressão, enquanto segunda medida aumentou o número de funcionários públicos autorizados a classificar documentos por até 50 anos.

“Após uma intensa mobilização da sociedade civil contra ambas, incluindo processos perante o Supremo Tribunal Federal e o apoio de vários membros do Parlamento, o governo revogou os dois conjuntos de emendas”, destacou o informe. “Esta tentativa foi, no entanto, representativa de um conjunto preocupante de estratégias oficiais para suprimir as liberdades”, indicou.

Desinformação e violência como estratégia

De acordo com o levantamento, o governo Bolsonaro passou a adotar duas estratégias. Uma delas é a desinformação, suprimindo dados precisos e reduzindo o acesso a fontes de informações oficiais.

A segunda é a violência contra vozes independentes, desde jornalistas e blogueiros até ativistas de direitos humanos e ongs.

“O uso de desinformação e críticas aos meios de comunicação tem causado uma nova onda de campanhas de difamação contra a mídia, muitas vezes promovidas por ou mesmo realizadas com o apoio das autoridades públicas”, aponta.

As mulheres jornalistas foram os principais alvos desses ataques, com sérios ataques a Patricia Campos Mello e vários outros profissionais da mídia. Os ataques foram além. “Os direitos das mulheres de falar e saber foram severamente afetados pelas políticas de Bolsonaro, com informações sobre direitos reprodutivos e sexuais, assim como informações sobre direitos trabalhistas, suprimidos”, indicou.

A entidade ainda destaca como, em 2019, o orçamento federal para implementação das políticas públicas de direitos da mulher foi drasticamente reduzido. Em setembro de 2019, o governo pressionou os promotores a investigar um veículo de notícias sobre uma reportagem que simplesmente detalhava as recomendações da Organização Mundial da Saúde para o aborto seguro.

A entidade Artigo 19 ainda coloca o Brasil num grupo de países latino-americanos composto por Venezuela, Cuba e México onde a estigmatização contínua de jornalistas tem levado à violência.

“As declarações estigmatizantes têm efeitos concretos no terreno para jornalistas, particularmente mulheres jornalistas, pois os insultos e as campanhas de difamação têm um elemento de gênero regularmente. Jair Bolsonaro trouxe consigo uma enorme escalada nos ataques verbais a jornalistas: ele pessoalmente fez 10 ataques a jornalistas por mês em 2019”, destacaram.

Criminalização da sociedade civil

A mesma estratégia contém objetivos claros de criminalizar movimentos sociais. “Em 2016, foi aprovada uma lei anti-terrorismo, consistentemente aplicada para criminalizar os movimentos sociais e os protestos. Em 2019, 21 novos projetos legais foram propostos, com o objetivo de aumentar as penas e restringir ainda mais as atividades”, indicou.

A criminalização de ONGs e defensores é particularmente séria na área dos direitos ambientais, como foi demonstrado durante os incêndios na Amazônia em 2019. Grupos de ambientalistas e membros dos Bombeiros de Alter do Chão chegaram ser presos ou indiciados.

No ano passado, 24 defensores de direitos humanos foram assinados no Brasil, contra 18 no México e 14 em Honduras. Hoje, a região é a que mais mata ambientalistas.

“À medida que os negócios de extração e extração de madeira se deslocam para a América Latina, os riscos aumentam”, indicam. No caso brasileiro, isso não seria diferente. “A exploração tornou-se uma parte fundamental do modelo econômico de Bolsonaro: aqueles que se opõem a ela são classificados de “antipatrióticos” e “anti-desenvolvimento”. Sob o Presidente Bolsonaro, a aplicação das regulamentações ambientais relaxou e houve um enorme salto no desmatamento da Amazônia – dados governamentais sugerem que o desmatamento está ocorrendo em sua maior taxa em uma década”, aponta.

Em 2019, 33 assassinatos ocorreram na região Amazônica e quase 90% dos assassinatos de ativistas e indígenas no Brasil aconteceram nesse setor do país. Um deles foi Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos. Entre 2000 e 2018, 42 povos indígenas Guajajara foram assassinados durante o conflito com madeireiros ilegais.

Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.
Fonte: Por Jamil Chade, da UOL

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