Quero aproveitar o ensejo para escrever aqui sobre uma de minhas pinturas prediletas no complexo religioso do Santo Sepulcro –um quadro pendurado em uma capela anexa à basílica, retratando o encontro entra a rainha de Sabá e o rei Salomão. Infelizmente, não encontrei a pintura para publicar aqui no blog, então usei acima uma gravura do italiano Piero della Francesca (século 15) sobre o mesmo tema.
A imagem, escondida em um canto de uma capela escura e puída no coração de Jerusalém, registra um momento importantíssimo da história do judaísmo e também do povo etíope. O encontro entre a rainha de Sabá e o rei Salomão é, afinal, o mito fundador que une a Etiópia a essa religião monoteísta.
O épico etíope “Kebra Negast” afirma que os etíopes descendem de tribos israelitas trazidas à região pelo filho da rainha de Sabá e de Salomão. A lenda também diz que ele levou ao país a Arca da Aliança, que guardava as tabletas dos Dez Mandamentos recebidos por Moisés.
Não à toa as ondas de imigração etíope para Israel, no século 20, foram chamadas de Operação Moisés (1984) e Operação Salomão (1991).
Esses judeus de origem africana, porém, não encontraram em Israel a mesma recepção dada a outros grupos de imigrantes. Alvos de preconceito, eles hoje se concentram em regiões periféricas do país e vivem em uma comunidade pouco aberta.
Os judeus etíopes são facilmente identificados, nos arredores da estação central de ônibus de Tel Aviv, pelas vestes brancas rituais e os penteados elaborados de suas mulheres. Em Jerusalém, em dias festivos, eles se reúnem em restaurantes típicos, como os da rua Jaffa.
Nos anos 90, a comunidade foi o centro de uma polêmica, ao ser noticiada a prática de descartar doações de sangue de etíopes. Recentemente, relatos de contracepção forçada de novos imigrantes vindos da Etiópia deram conta de que o preconceito ainda é fato no país.
Uma pesquisa com base em dados econômicos de 2010 realizada pela Universidade Bar-Ilan mostra que imigrantes etíopes têm salário entre 30% e 40% menor em comparação com árabes-israelenses —que também reclamam da discriminação.
O levantamento compara apenas trabalhadores de ambos os grupos quando entram no mercado de trabalho, sem experiência prévia.
Alguns setores ultraortodoxos, além disso, não aceitam os etíopes como judeus, e casamentos e conversões nessa comunidade são por vezes considerados inválidos do ponto de vista religioso.
Esse é um assunto delicado, por aqui. É difícil discuti-lo com israelenses, incluindo os etíopes. Quando entrevistei a miss Israel, de origem etíope (leia aqui), ela preferiu não tocar no assunto. O que não quer dizer, é claro, que não seja uma questão social a ser resolvida enquanto esse jovem país segue adiante –sob a promessa de ser, acima de tudo, inclusivo.
Fonte: Folha de S.Paulo