EU COVEIRA

Ontem eu saí com minha esposa, um amigo e seu namorado pra jantar. Foi uma noite muito agradável, conversamos sobre muitas coisas. Dois casais negros apaixonados. Estava feliz.

Gilza Marques no MamaPress

Chego em casa e dou de cara com a notícia: minha cidade está imersa em sangue mais uma vez. Mais um chacina provocada pela polícia em Salvador, dessa vez em Valéria. 6 irmãos caídos. Outros tantos desaparecidos.

SC e SP registram casos de extermínio sumário de irmãos haitianos. Fui dormir. Não dormi.

Curiosa, abri minha TL e fui olhar quem estava comentando os casos. 3 pessoas. Anotei.

Enquanto isso, seguem as batalhas de divas pra ver quem tem o afro mais alto, os comentários sobre a novela da globo que falou de racismo, as defesas ao governo dilma (em minúsculo) e ao pt, a notícia de que o Olodum (o combativo Olodum) está em parceria com Rui Costa, o comandante da polícia mais assassina do Brasil. A mesma polícia que exterminou 12 irmãos em fevereiro no Cabula e foi absolvida numa sentença relâmpago pouco comentada. Os negros do PT, os negros da esquerda, seguem calados.

Eu desejo que o espírito de Toussaint L’Ouverture tome conta de nós. Eu desejo que o espírito de Toussaint L’Ouverture tome conta de nós, porque realmente está difícil.

Talvez os negros haitianos tenham muito o que nos ensinar. Talvez a gente aprenda, com eles, a pelo menos cantar um dos hinos da Revolução de São Domingos: “Ê! Ê! Bomba! Heu! Heu!/ Canga, bafio, té! Canga, mouné de lé!/ Canga, do ki la!/ Canga, li!****”

Soube, a uns dias, que haverá uma reforma administrativa no governo federal. Os 39 ministérios serão reduzidos a 20. E eu estou desejando, do fundo do meu coração, que a SEPPIR acabe.

Eu desejo que a SEPPIR acabe (e há de acabar!) pra ver se o movimento negro toma um rumo. Pra que a gente pare de vender nossa dignidade por meia dúzia de D.A.S.. Por alguns milhões de reais caídos das mesas dos senhores da supremacia branca. Quem acompanha de perto, como eu acompanho, sabe o que tem acontecido. A Esplanada dos Ministérios é o lugar mais sujo do Brasil. ISSO INCLUI A SEPPIR.

A esse momento político do país (golpe, contragolpe, PT, PSDB) eu daria o nome de crise da brancura. São 500 anos da brancura no poder. E o máximo que eles conseguiram fazer foi isso aí. Patéticos. Direita ou esquerda, governos civis ou militares, colônia, império, ditadura ou república, eis a grande obra da supremacia branca. Se teve ou não teve roubo na Petrobrás, não me interessa. Esse dinheiro, pra meu povo, nunca chegou. O meu povo segue nas valas.

Não temos o que comemorar. Não temos do que nos orgulhar. 8% de negros das universidades, meia dúzia de negros doutores, um estatuto da igualdade racial não aplicado. É esse o nosso grande legado? Fala-se de empoderamento. De que poder estamos falando, afinal, se nem poder de decidirmos sobre nossas vidas nós temos? É tudo uma grande ilusão festiva.

Sigo na minha sensação de impotência. Na vontade de voltar pra Bahia, minha pequena África, e de lá exercer o único papel que a militância negra que não se vendeu por cargos e editais, consegue exercer: o de coveiros. Enterrando nossos irmãos e irmãs aos gritos de REAJA! Cultivando o ódio, e aprendendo com quem, assim como eu, não tem vergonha de dizer que o ódio é um combustível de luta. Que não existe integração num país que nunca nos quis. Que todos os nossos problemas se derivam indiscutivelmente da questão racial, a maior opressão da terra. E que a gente precisa parar de pensar enquanto minoria, porque nós somos uma maioria, ainda que exilada. Eu quero falar de poder negro.

Com o espírito de Licutã, Zeferina, Toussaint L’Ouverture, Assata Shakur, Sundiata Acoli e tantos outros, sigo, com alguns poucos, na nossa função de coveiros. Coveiros dos corpos arrastados, abortados, fuzilados, espancados, amarrados, escarnados, assassinados, encarcerados.

Eu, coveira insubmissa, sigo na minha função cantando: “Ê! Ê! Bomba! Heu! Heu!/ Canga, bafio, té! Canga, mouné de lé!/ Canga, do ki la!/ Canga, li!”

Até um dia. Até um dia. Mesmo que eu não veja esse dia.
‪#‎reajaouserámorto‬
‪#‎reajaouserámorta‬

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