Eu tenho medo, por Sueli Carneiro

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Eu tenho medo, por Sueli Carneiro.

Estou com Regina Duarte. Eu também tenho medo!

Tenho medo de gente que tem medo de gente, como aquele ex-presidente da ditadura militar que tinha horror até do cheiro de povo. Tenho medo especialmente de quem tem medo de gente pobre, preta, de gente que veio de baixo e ousou sair do lugar que lhe estava destinado como um vaticínio.

Tenho medo de quem confunde inteligência com título universitário, saber com conhecimento; esses que estigmatizam como incapazes, os que não saíram de seu próprio ventre. Eles abolem o princípio de igualdade e de indivisibilidade de todos os seres humanos. Portanto, eles acreditam em seres superiores, eleitos por obra divina e com esse tipo de convicção costumam simpatizar com diferentes modalidades de facismos, racismos etc…

Tenho medo de quem tem medo de alternância de poder porque esse medo revela outro, mais assustador, que é o medo mais profundo que eles escondem de uma verdadeira democracia.

Tenho medo de quem demoniza a esquerda, de que tem medo de oposição de quem acredita em pensamento único, em Deus único. Porque eles se acomodam a toda espécie de intolerância e obscurantismo.

Tenho também medo de uma esquerda com classe, mas sem raça. Mas temo mais ainda, uma direita que só governa para os simplesmente de primeira-classe. Tenho medo dos que tentam conspurcar com seu medo a livre expressão daqueles que tem como única arma para mostrar a sua indignação o voto. Graças a esse medo a história desse país tem sido o de uma ilha de democracia cercada de ditaduras por todos os lados.

Tenho medo de quem tem medo do resultado de eleições livres e democráticas mas não se apavora diante do fato desse país, no início do terceiro milênio, manter pessoas trabalhando em regime análogo ao de escravidão dentre elas crianças de 4 a 10 anos de idade como denunciado pela imprensa na última quarta feira, mais uma entre as inúmeras denúncias que se conhece sobre esse tema que via de regra envolve gente que participa de eleições cujo resultado se conhece antes da contagem dos votos.

Tenho medo de quem não se apavora com os 53 milhões de pessoas empobrecidas das quais 22 milhões vivendo em condições de indigência humana num país em que a sua economia está entre as dez maiores do mundo e no entanto é incapaz de oferecer segurança alimentar ao conjunto de sua população.

Tenho medo de quem tem medo de uma esquerda que onde exerce o poder nunca empreendeu nenhuma revolução. Isso significa que a mera defesa de direitos elementares de cidadania às massas excluídas são considerados ainda hoje, como no pós-abolição, como rompantes revolucionários por setores de nossas elites.

Tenho medo de quem é capaz de usar o medo para acovardar outros; para domesticar consciências, manter o status quo e inviabilizar a emergência de qualquer alternativa. Que tentam nos convencer que esgotou-se a capacidade humana de criar, sonhar e cultuar a esperança.

Tenho medo dos que preferem o conforto do mal conhecido a ousar lutar pela transformação, pela mudança. Quando essa gente se move para garantir que tudo permaneça como está eles não tem limites: valem-se do terrorismo político que se assemelha nas práticas e objetivos com o terrorismo criminoso como o dos traficantes dos morros cariocas. No cerne de ambos, o medo, da derrota política para uns, ou da frustração de seus planos de consolidação de um poder paralelo criminoso para outros. Em ambos os casos a intimidação como arma.

Sempre tive medo do medo. E esse medo do medo sempre me impulsionou a me arriscar para impedir que ele me governasse. Por isso, com prazer, o derrotarei ,uma vez mais, no próximo dia 27, em legítima defesa de minha liberdade, sobretudo de sonhar e ousar mudar.

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