Europa e Xenofobia, um gigante engolindo o próprio rabo

Por: Allan Robert P. J.

 

A Europa está atravessando um período de crise de identidade. O Velho Continente procura fortalecer a sua posição no mercado global, adotando uma política econômica homogênea entre os Estados que melhor se adaptaram a uma realidade em contínua mutação, formando a comunidade que hoje chamamos União Europeia (UE).

A moeda única e as normas que servem para promover a estabilização provocaram mudanças, nem todas positivas. Se, por um lado, os países que não participaram da formação da UE se empenharam em seguir a mesma linha, esperando pela inclusão no que parecia ser um clube de elite, por outro lado os países que já descobriram os sacrifícios dessa união se encontram em situações bem diferentes. Os mais ricos e com economias mais sólidas gozam do livre mercado europeu, mas o rigor das regras econômicas e a impossibilidade de flutuação da moeda tem prejudicado os países que não se prepararam ao fim das barreiras de proteção. Como os salários não acompanharam a incursão no Euro, o poder aquisitivo é desigual, mas os preços, não.

O projeto da UE previa não apenas a livre circulação de bens e serviços, mas também de pessoas. Independentemente da nação, todos deveriam fazer parte de um grande Estado livre e aberto que preservasse as diferentes realidades locais. A prática não confirmou as boas intenções dos ideais; o sonho de um ‘Estados Unidos da Europa’ não vingou. À diferença daquele outro, na América, os países europeus acumulam séculos de histórias, diferenças culturais e rivalidades que imprimiram a desconfiança na endocultura das pessoas. O impacto da crise de 2008 e a convulsão no mundo árabe – que está provocando uma imigração em massa rumo à Europa – ameaça engatar a marcha a ré no trem dos objetivos europeus, gerando uma epidemia xenófoba que se alastra pelo continente.

Extrema direita cresce

“Não entendo porque alguém que nasceu em Burquina Fasso deve viver aqui”. Essa frase de Jörg Haider, falecido político da extrema direita austríaca, está se tornando cada vez mais atual. O movimento nacionalista está alcançando uma repercussão que poucos imaginavam, ameaçando tornar-se a nova velha realidade europeia.

Marine Le Pen, filha do ultradireitista Jean Marie Le Pen, é a favorita para as próximas eleições presidenciais na França. Segundo as pesquisas, Sarkozy teria 19% das intenções de voto no primeiro turno, contra os 22% de Le Pen. Em caso de vitória, Marine Le Pen promoverá um referendo popular para a saída da França da União Europeia. No Cantão Ticino, na Suíça, Giuliano Bignasca venceu as últimas eleições prometendo reduzir o número de italianos que atravessam a fronteira para trabalhar. Na gélida Finlândia, Timo Soini, líder do partido “Os Verdadeiros Finos” [os Finos são uma etnia do norte da Europa], declarou ser contrário a qualquer ajuda econômica aos países da UE em dificuldade, como Grécia e Portugal. Soini conduziu o partido a 20,4% dos votos nas últimas eleições legislativas na Finlândia, transformando-o no maior partido finlandês. A Amnesty International denunciou a nova Constituição Húngara, sob o mote “Deus, Pátria e Família” (essa frase é famosa no Brasil, dos tempos da Ditadura, lembram?), por entender que “viola as normas internacionais e europeias dos direitos do homem”. A nova Constituição é vista como um verdadeiro golpe de Estado constitucional do primeiro-ministro conservador Viktor Orban.

Êxodo africano

Com a crise nos países norte-africanos, milhares de refugiados se aventuram em velhos barcos de pesca no Mediterrâneo. Os que conseguem chegar às costas italianas vêm em busca da sobrevivência, e não mais de uma vida melhor. A ilha de Lampedusa, no sul da Itália, é o ponto mais próximo entre a Europa e a fuga pela vida. No mês de Março deste ano, o número de clandestinos acolhidos na ilha superou várias vezes o número de habitantes. Um processo de triagem busca identificar quem tem direito ao status de refugiado para poder expatriar os demais, mas o fluxo constante de imigrantes, a indecisão para identificar e separar refugiados de simples clandestinos, além da absoluta ausência de ajuda externa, atrasa o expatrio e cria grandes guetos nas poucas estruturas italianas, aumentando o receio da população. A UE tem se mostrado apática com o caso, como se as fronteiras do sul da Itália não fossem, também, fronteiras europeias.

A Espanha não tem o menor pudor em atacar com tiros os clandestinos que tentam a entrada pelo mar. A França tem oposto resistência ao acesso de refugiados através da fronteira com a Itália e já cogita suspender o Acordo de Schengen, que prevê a livre circulação entre os Estados europeus. A Suíça investe em publicidade para mostrar como o país poderia mudar para pior, caso permitisse o acesso de clandestinos. Os países que fazem fronteira com a Itália aumentaram de modo mais ou menos discreto o controle nas fronteiras. Mesmo na Itália, políticos como Umberto Bossi, líder da “Lega Nord”, partido de extrema-direita e o componente do punho de ferro do atual Governo, defende a expulsão imediata de todos os refugiados.

Em crises, extremistas crescem

A história mostra que os maiores efeitos da crise de 1929 se sentiram quatro anos mais tarde. Podemos imaginar que o pior da crise de 2008 refletirá em 2012? Começa-se a acreditar que, depois dos bancos, seriam os países a falir. Em 1933 (quatro anos após a crise de 29) Adolf Hitler assumiu como primeiro-ministro alemão após uma regular eleição. O medo difuso da imigração de massa pode criar uma nova cortina de ferro, num plausível cenário de uma ditadura continental xenófoba. O sonho ameaça tornar-se um pesadelo, e o que deveria ser um ‘Novo Continente’ europeu, vai ficando mais velho que nunca.

 

 

Fonte: Fato Expresso

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