Evento de Geledés em NY avança em propostas para justiça reparatória

Enviado por / FonteKatia Mello

Debate com altas autoridades da ONU e organizações da sociedade civil é ação preparatória para a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4) que acontece em meados de 2025

Nesta quarta-feira, 4, Geledés – Instituto da Mulher Negra promoveu na sede da Comunidade Bahá’í Internacional, em Nova York, o evento “Perspectivas Afrodescendentes sobre o Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável”, para debater os critérios de raça e gênero que devem ser integrados aos debates globais de financiamento para o desenvolvimento sustentável. A iniciativa do instituto ressalta a urgência de reformar a governança financeira internacional no intuito de promover a justiça social, a equidade e a reparação histórica.

O evento promovido por Geledés foi uma oportunidade crucial para a escuta de importantes vozes afrodescendentes no processo de financiamento para o desenvolvimento, “especialmente em relação à preparação para a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4)”, como destacou em sua fala de abertura Gabriel Dantas, assessor internacional de Geledés e mediador do evento.

Além de Dantas, estiveram presentes no encontro Barbara Reynolds, presidente do Grupo de Trabalho de Peritos da ONU sobre Afrodescendentes, Elaine Gomes, Segunda Secretária da Missão Permanente do Brasil na ONU, Flora Sonkin, representante do Mecanismo da Sociedade Civil FfD4, Cláudio Guedes Fernandes, representante da ONG Gestos, Janaina Gama, codiretora do W20 Brasil, Isabelle Mamadou perita do Grupo de Trabalho sobre Afrodescendentes e Carlos Álvarez Nazareno, coordenador do Grupo Xango em Buenos Aires.

Evento “Perspectivas Afrodescendentes sobre o Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável” – Imagem: Zoom

Dantas chamou atenção para o fato de a Segunda Reunião Preparatória para a Quarta Conferência do Fórum sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que acontece em meados de 2025, acontecer em um momento propício para o debate sobre justiça reparatória. Neste contexto, o assessor internacional de Geledés apresentou quatro recomendações. A primeira delas se refere à reforma dos bancos multilaterais e nacionais de desenvolvimento, com implementação de políticas afirmativas para garantir a inclusão de pessoas de ascendência africana em projetos de financiamento e estruturas de governança. “Os projetos devem incluir análises de impacto que considerem raça e gênero como variáveis ​​centrais, alinhando-se com o compromisso do G20 de reduzir as desigualdades”, disse ele.

A segunda proposta refere-se à criação de um fundo global para o desenvolvimento econômico de afrodescendentes, priorizando os empreendimentos liderados por afrodescendentes e comunidades vulneráveis. “Este fundo deve alavancar financiamento concessional para reduzir o endividamento dessas populações”, afirmou ele.

Em terceiro lugar, Dantas apontou a necessidade de se aumentar a transparência e haver obrigação na implementação de dados desagregados por raça, gênero e localização, seguindo os compromissos assumidos na Declaração do G20. E por último, ele abordou o combate ao racismo ambiental, de forma a garantir projetos de infraestrutura financiados por bancos públicos de desenvolvimento.

Neste sentido, Barbara Reynolds ressaltou uma questão importante em relação ao melhoramento da qualidade de vida dos afrodescendentes: a localização geográfica. “Se você está em uma área de perímetro urbano, e muitos de nós estamos em nossos países porque não vivemos em subúrbios, então é diferente para quem está no centro da cidade. E com isso, vêm todos os tipos de coisas em torno da moradia, como a qualidade dos supermercados que você tem, você sabe, comida fresca que pode ter no supermercado ou quando é tudo comida enlatada e o custo de tudo isso; o ônibus que o leva do trabalho para o bairro onde você mora. É todo o tipo de coisa nesta pequena demografia”, disse ela.  

Elaine Gomes, Segunda Secretária da Missão Permanente do Brasil na ONU, ressaltou em seu discurso o estabelecimento da data de 25 de julho como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas Afrodescendentes. “O objetivo desta data comemorativa é marcar a importância da luta global contra a escravidão e o racismo, destacar o compromisso de alcançar a igualdade de gênero, bem como enfatizar a contribuição de todas as mulheres e meninas de ascendência africana para o desenvolvimento de nossas sociedades”, disse ela.

Gomes também tratou da necessidade de haver uma reforma da arquitetura financeira internacional envolvendo os bancos multilaterais. “Apelamos para a realização de reformas de governança e instituições financeiras internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento, e ressaltamos a necessidade de aumentar a representação da fatura dos países em desenvolvimento na tomada de decisões na arquitetura financeira internacional, especialmente o FMI e o Banco Mundial”, disse ela.

Janaina Gama, codiretora do W20 Brasil, mencionou o documento “Empoderamento Econômico da População Afrodescendente e o Papel dos Bancos Nacionais e Multilaterais de desenvolvimento”, produzido por Geledés, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os grupos de engajamento do G20, Civil 20 (C20), Think 20 (T20), Women 20 (W20) e a ONU Mulheres Brasil. “Convidamos a todos a lerem as recomendações da declaração aos líderes do G20 no Rio de Janeiro. Entendemos que os tópicos de nossas recomendações foram incluídos, por exemplo, violência de gênero e economia, mas nosso trabalho continua. E agora tendemos a continuar nossas ações de advocacy para promover o empoderamento econômico das mulheres no Brasil com parceiros, incluindo governos, incluindo organizações da sociedade civil como Geledés”.

Já Flora Sonkin, representante do Mecanismo da Sociedade Civil da Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), pontuou os estragos econômicos da colonização até os dias atuais. “Retornando novamente à história da colonização, os países que foram abandonados, que foram estabelecidos com economias baseadas na exportação, tornaram-se dependentes de instituições financeiras como o Banco Mundial e o FMI. São dominados pelos mesmos países que os colonizaram e que agora estão oferecendo empréstimos e mantendo-os como discípulos até hoje, com um legado colonial que continua. Esses países são forçados a cortar gastos para atender às condições do FMI”, afirmou Sonkin.

Cláudio Guedes Fernandes, representante da ONG Gestos, fez uma longa explanação sobre a supremacia racial, afirmando que hoje ela se instalou ao redor do mundo. Neste contexto, Fernandes fez um comparativo entre Brasil e EUA ao considerar que “ambos são baseados na eugenia”, com a ideologia da supremacia branca permeando os processos de tomada de decisões. Mencionou ainda que isso se reflete nas guerras atuais ao destacar a invisibilidade dos conflitos no Congo, perante as guerras da Ucrânia e Gaza. O representante da ONG Gestos ainda falou sobre os mecanismos da macroeconomia, com recorte racial e de gênero. “Como podemos resolver esse processo da macropolítica? Precisamos mudar as leis e precisamos fazê-las serem cumpridas. E não é só isso, temos outro problema, que é a simetria salarial. Uma mulher negra no Brasil ganha cerca de 47% de uma branca e um homem negro ganha cerca de 80% de um homem branco”. Para Fernandes, uma maneira de se atacar esses problemas seria por meio da educação.

A perita do Grupo de Trabalho sobre Afrodescendentes, Isabelle Mamadou, resgatou a ausência de políticas públicas, programas educacionais e de assistência social em seu discurso. Ela fez uma provocação ao grupo ao perguntar sobre quais os atores que iriam liderar esse processo, destacando a relevância do envolvimento de mulheres negras na liderança. “Por muitas vezes em nossa comunidade é preciso escolher entre sobreviver e estar envolvida nessas causas”, disse.

O coordenador do Grupo Xango em Buenos Aires, Carlos Álvarez Nazareno, trouxe à mesa os resultados da Conferência da Diáspora Africana nas Américas, realizada em agosto deste ano na Bahia. Nazareno apontou a necessidade de se estabelecer uma rede entre os países da diáspora. “Precisamos enfrentar os organismos com uma network financeira antirracista”, disse ele.  

Em sua fala conclusiva, Barbara Reynolds mencionou que gosta do trabalho de Geledés por justamente promover a escuta das várias opiniões e fazer o compartilhamento de ideias. “E se esses argumentos todos fossem unificados de maneira lógica e coerente nos espaços que ocupamos?”, provocou ela. Sim, certamente, essa é a intenção de Geledés para que se possa avançar nessa pauta.

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