Posicionamento de Geledés- Instituto da Mulher Negra para a 66ª Reunião da Mesa Diretiva da Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe

Geledés na ONU, incidencia internacional de Geledés Instituto da Mulher Negra

Santiago – Chile, dezembro de 2024.

Em Defesa do Empoderamento e da Emancipação das Mulheres Afrodescendentes na Revisão de Pequim+30

  1. Vivemos um momento sociopolítico crítico, marcado por retrocessos globais no campo dos direitos humanos, impulsionados pelo recrudescimento da extrema direita em diversos países. Esse fenômeno, acompanhado por uma polarização política acentuada, ameaça desmantelar conquistas históricas e impõe novos desafios ao avanço da igualdade de gênero e da justiça racial. A revisão de Pequim+30 ocorre em um cenário onde as crises globais – guerras, pandemias, instabilidade econômica, degradação ambiental e emergência climática – intensificam desigualdades estruturais, como o sexismo e o machismo, afetando desproporcionalmente mulheres afrodescendentes  em suas múltiplas intersecções de raça, gênero, classe, faixa etária, orientação sexual e deficiências.
  2. No Brasil, essas dinâmicas globais reverberam em um contexto doméstico de desigualdades históricas e estruturais que se mantêm vivas e amplificadas. O racismo sistêmico, ao lado de um conservadorismo político crescente, contribui para a exclusão social, política e econômica das mulheres afrodescendentes, invisibilizando suas demandas e perpetuando ciclos de pobreza e violência. Mulheres afrodescendentes enfrentam índices alarmantes de violência de gênero e racial, uma saúde reprodutiva negligenciada, falta de acesso a uma educação de qualidade, sobrerepresentação nos setores de trabalho informal e precarizado e uma sub-representação em espaços de poder e decisão. Esse cenário evidencia a urgência de medidas que não apenas reconheçam, mas enfrentem de maneira contundente e urgente essas desigualdades.
  3. A invisibilidade das mulheres afrodescendentes, fruto de uma construção histórica de desumanização e exclusão, reforça estruturas de poder coloniais que privilegiam grupos hegemônicos enquanto rebaixam outros à condição de subalternização social. Essa invisibilidade, porém, não é acidental: ela é uma ferramenta estratégica que sustenta privilégios e mantém intactos os sistemas de exploração e de opressão. No caso das mulheres afrodescendentes, essa invisibilidade também se manifesta em políticas públicas que falham em reconhecer suas especificidades e em contextos sociais que as relegam a papéis subalternos.
  4. A revisão de Pequim+30 oferece, portanto, uma oportunidade crucial para reavaliar as estratégias globais e locais de promoção da igualdade de gênero e racial. Geledés propõe que o empoderamento econômico das mulheres afrodescendentes seja central nessa agenda, não apenas como uma ferramenta de emancipação política, mas como um mecanismo de reparação histórica e acesso a direitos. Direitos que incluem a proteção à vida, o combate à violência, a justiça reprodutiva, o direito à infância, o desenvolvimento econômico sustentável e a justiça climática. Sem um compromisso firme com a inclusão dessas pautas, os avanços conquistados desde Pequim estarão em risco, e as promessas de um futuro igualitário continuarão a escapar da realidade.

Direito ao Desenvolvimento Econômico: Superação da Pobreza, Participação social e política

  1. O empoderamento econômico das mulheres afrodescendentes transcende a esfera da justiça social, configurando-se como uma resposta estrutural à perpetuação da pobreza intergeracional que historicamente exclui grupos subalternamente racializados do acesso a oportunidades reais de desenvolvimento. No contexto global, marcado por crises interconectadas e desigualdades estruturais, o direito ao desenvolvimento econômico emerge como uma ferramenta essencial para transformar a lógica excludente que sustenta essas estruturas. No Brasil, as disparidades salariais ilustram o impacto direto do racismo e do sexismo na vida das mulheres afrodescendentes, que recebem apenas 47% do salário de homens brancos, enquanto dedicam mais horas ao trabalho não remunerado, como os cuidados domésticos e comunitários, invisibilizados e desvalorizados. Essa dinâmica limita a autonomia econômica das mulheres e reforça uma lógica de exploração que beneficia apenas uma parcela privilegiada da sociedade.
  2. A superação da pobreza intergeracional exige reformas profundas e abrangentes que garantam condições de trabalho justas, igualdade salarial e acesso equitativo a oportunidades econômicas. O empoderamento econômico das mulheres afrodescendentes, nesse sentido, não é apenas uma meta em si, mas um mecanismo de reparação histórica e redistribuição de recursos que confronta as bases opressoras das economias modernas. Políticas inclusivas e interseccionais, que considerem as necessidades específicas de mulheres afrodescendentes, indígenas, LGBTQIA+, mulheres com deficiência, mulheres em todos os seus ciclos de vida e outros grupos marginalizados, são fundamentais para construir um ambiente econômico mais equitativo e diversificado, beneficiando toda a sociedade com economias mais robustas e resilientes.
  3. Nesse cenário, o papel do Estado e das instituições financeiras internacionais, como os Bancos de Desenvolvimento, é central. É urgente a adoção de políticas econômicas integradas que garantam às mulheres afrodescendentes a geração de renda por meio de acesso ao mercado de trabalho formal, incentivem o empreendedorismo sustentável e fortaleçam a economia do cuidado. Além disso, a criação de um ambiente econômico regulado, que responda às interseccionalidades de gênero, de raça e de outras especificidades chave, deve ser priorizada em fóruns multilaterais como o G20. Trata-se de assegurar a dignidade e a autonomia das mulheres como pilares inegociáveis do avanço social e econômico.
    8.Reformar a arquitetura financeira internacional representa uma oportunidade crucial para enfrentar as desigualdades estruturais que impactam de forma desproporcional mulheres afrodescendentes em todo o mundo. O racismo, além de ser um sistema de opressão que marginaliza e exclui, deve ser compreendido como um projeto de dominação econômica que moldou as instituições financeiras globais. Este projeto, ao longo da história, consolidou estruturas que privilegiam determinados grupos raciais, enquanto relegam afrodescendentes e outras minorias políticas racializadas a posições subalternas.
  4. Essa dinâmica não é acidental, mas sim deliberada, refletindo uma lógica de exploração que sustenta privilégios à custa da exclusão de outros. Grupos que se encontram na interseção de opressões de raça e gênero enfrentam barreiras históricas e sistêmicas tanto no acesso a recursos econômicos quanto na participação em processos de decisão política e financeira. Isso perpetua um ciclo de desigualdade que reforça a centralização de poder e riqueza nas mãos de poucos, enquanto amplifica a marginalização e vulnerabilidade de populações racializadas em escala global.
  5. Nesse sentido, reconfigurar essas instituições para abordar essas desigualdades é uma ação essencial não apenas para corrigir injustiças históricas, mas também para criar um sistema mais justo e inclusivo que reflita a diversidade e as necessidades de todas as populações. A crise da dívida global, por exemplo, afeta diretamente essas populações, especialmente no Sul Global, restringindo o financiamento público necessário para áreas essenciais como saúde, educação e proteção social, mudanças climáticas. Assim, criar condições de financiamento acessíveis e de longo prazo é vital para reduzir essas vulnerabilidades e promover equidade.
  6. Uma reforma fiscal justa e progressiva, que taxa grandes fortunas e transações especulativas, pode redirecionar recursos para programas que fortaleçam economicamente mulheres afrodescendentes. Essas políticas, combinadas com ações afirmativas e iniciativas de capacitação, podem oferecer acesso igualitário ao mercado formal e fomentar o desenvolvimento sustentável. Paralelamente, a sub-representação de mulheres afrodescendentes em posições de liderança nas principais instituições financeiras perpetua sua exclusão das decisões econômicas globais. Garantir sua presença estratégica é fundamental para a formulação de políticas globais inclusivas, alinhadas à justiça racial e de gênero.
  7. Nesse sentido, o G20 Brasil 2024 apresenta uma oportunidade estratégica para reposicionar essas demandas como prioridades globais, reafirmando o papel central das mulheres afrodescendentes na construção de um sistema financeiro mais justo, inclusivo e sustentável. Esse esforço é essencial não apenas para avançar os compromissos da Agenda 2030 e combater os efeitos da mudança climática,  mas para consolidar um futuro equitativo.
  8. Por fim, é importante destacar a inclusão digital como um componente indispensável do desenvolvimento econômico. A digitalização, embora promissora, pode aprofundar desigualdades existentes se comunidades afrodescendentes forem excluídas. Nesse contexto, programas de capacitação digital, integrados a uma transição justa e à construção de capacidade, são essenciais para garantir que mulheres afrodescendentes não apenas acessem as ferramentas digitais, mas possam utilizá-las como alavancas de transformação e participação econômica e social. Essas iniciativas devem estar no centro das discussões sobre financiamento para o desenvolvimento, considerando as interseccionalidades de gênero e raça.

Direito ao Desenvolvimento Sustentável: Gênero e Justiça Climática

  1. Com apenas 17% das metas da Agenda 2030 em progresso satisfatório, a transversalização do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, que trata da igualdade de gênero, emerge como uma estratégia essencial para territorializar e implementar toda a agenda. Na América Latina e Caribe, onde enfrentamos desigualdades estruturais profundamente enraizadas, crises ambientais e vulnerabilidades econômicas, é indispensável que políticas públicas reflitam essas realidades. A alocação de recursos, como o exemplo do Orçamento Mulher do BNDES no Brasil – ainda subfinanciado, subexecutado e sem recortes interseccionais – demonstra a urgência de reformular essas políticas, priorizando igualdade de gênero e raça como pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável.
  2. O racismo ambiental destaca-se como uma questão prioritária em nossa região. Comunidades afrodescendentes e indígenas, tanto em áreas rurais quanto urbanas, enfrentam de forma desproporcional os impactos das mudanças climáticas e de políticas econômicas que priorizam lucros em detrimento dos direitos humanos e da preservação ambiental. No Brasil, comunidades quilombolas são diretamente afetadas por desmatamento, poluição e degradação ambiental, frequentemente associados à expansão agrícola e industrial. Essa dinâmica reflete como decisões econômicas continuam a ignorar os direitos dessas populações, agravando as desigualdades que permeiam a região.
  3. Além disso, os impactos das crises climáticas são marcadamente sexistas e racistas. Mulheres e crianças afrodescendentes, que contribuíram minimamente para o aquecimento global, sofrem os piores efeitos dessas mudanças, enfrentando maior vulnerabilidade devido a práticas discriminatórias, exclusão de recursos para adaptação e falta de acesso a bens e serviços essenciais. Essa desigualdade estrutural é reforçada pela invisibilidade das mulheres afrodescendentes e indígenas nas agendas climáticas, que frequentemente não abordam suas necessidades e vozes, perpetuando padrões excludentes.
  4. Por isso, é imprescindível que ações antirracistas e antissexistas sejam incorporadas em todas as agendas que buscam efetivar os direitos humanos. Quando se trata da Agenda de Desenvolvimento Sustentável, é crucial analisar, em cada meta dos 17 ODS, como o racismo, o machismo, o capacitismo, o etarismo, o heterossexismo e outros marcadores sociais de desigualdade impedem o alcance dos objetivos. Só assim será possível construir políticas capazes de enfrentar as desigualdades históricas e promover a efetiva implementação das agendas globais.
  5. O Fórum Político de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável, plataforma da ONU responsável pelo acompanhamento da Agenda 2030, estabelece, por meio de suas declarações políticas, que os países devem assumir o compromisso de combater o racismo. Como afirma a declaração política de 2023, no parágrafo 17, subscrita por todos os chefes de Estado e Governo, incluindo o Brasil: “Comprometemo-nos a intensificar nossos esforços para combater o racismo, todas as formas de discriminação, xenofobia e intolerância relacionada, estigmatização, discurso de ódio, por meio de cooperação, parceria e inclusão e respeito à diversidade.” Além do compromisso assumido no Fórum Político de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável, o Pacto do Futuro, aprovado na Cúpula do Futuro de 2024, também destaca a importância de incluir explicitamente as questões raciais nas agendas globais. No documento, são reconhecidas as especificidades das comunidades afrodescendentes, com ênfase na necessidade de políticas públicas que promovam a equidade racial. A linguagem adotada no pacto é clara ao afirmar que os Estados devem garantir a plena participação de afrodescendentes nos processos de tomada de decisão e implementar medidas de combate ao racismo estrutural e sistêmico, destacando a importância de ações afirmativas e a valorização da diversidade racial nas políticas internacionais de desenvolvimento sustentável.
  6. O primeiro passo para incorporar a questão racial nos ODS é a desagregação de dados, essencial para evidenciar desigualdades sistêmicas e orientar políticas públicas baseadas em evidências. Contudo, para que isso seja eficaz, é necessário que os orçamentos públicos sejam compatíveis com os desafios apresentados, priorizando populações afrodescendentes e indígenas. Além disso, valorizar práticas e saberes das comunidades afrodescendentes, como o conceito de “bem viver”, articulado na Marcha das Mulheres Negras no Brasil (2015), oferece uma perspectiva transformadora para integrar justiça social, sustentabilidade e coletividade às agendas globais.
  7. As políticas climáticas e os processos de negociação devem ser urgentemente reformulados. Atualmente, são amplamente excludentes e falham em abordar as aspirações de mulheres afrodescendentes, quilombolas e indígenas. No Brasil, projetos de energia renovável, como biocombustíveis, solar e eólica, frequentemente resultam na apropriação de terras e deslocamento compulsório de comunidades lideradas por mulheres afrodescendentes e indígenas, ampliando desigualdades. O racismo ambiental interage com outras formas de exclusão social, tornando necessário que as análises de violações de direitos ambientais reconheçam essas intersecções e enfrentem suas causas de maneira holística.
  8. A inclusão da dimensão racial nos marcos normativos internacionais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), é um passo crucial para garantir que comunidades afrodescendentes sejam reconhecidas e protegidas de forma equivalente à população indígena e comunidades locais. A recente incorporação de afrodescendentes no escopo do Artigo 8(j) da Convenção sobre Diversidade Biológica, acordada na COP de Biodiversidade na Colômbia, representa um avanço significativo ao reconhecer o papel dessas comunidades na preservação dos ecossistemas. Essa conquista é fundamental para qualificar discussões globais sobre adaptação climática, perdas e danos, transição energética justa, financiamento climático e mecanismos de mercado de carbono. A inclusão dessas perspectivas nos processos decisórios pode ajudar a construir respostas mais equitativas e eficazes frente à crise climática. É imperativo que a revisão de Pequim +30 incorpore esse posicionamento como estratégia para pressionar sobre o reconhecimento dessa população.
  9. As economias globais devem abordar as desigualdades estruturais ligadas à crise climática, combatendo a degradação ambiental e o racismo sistêmico. A inclusão de mulheres afrodescendentes nos processos decisórios é essencial para garantir que suas necessidades sejam contempladas e que as políticas climáticas promovam justiça de maneira efetiva. Trabalhar por essas transformações não é apenas uma questão de direitos, mas um passo essencial para assegurar um futuro sustentável e verdadeiramente inclusivo para todas as pessoas na região.

Direito à Vida: Combate à Violência e Saúde Reprodutiva

  1. A violência letal e institucionalizada é talvez a manifestação mais visível dessa realidade. Dados revelam que 66% das mulheres assassinadas no Brasil são afrodescendentes, vítimas de uma violência armada enraizada em políticas públicas de segurança que negligenciam o direito à vida em comunidades periféricas. A Revisão de Pequim+30 deve instar os governos a adotarem planos nacionais de redução da letalidade policial, com a participação de movimentos negros e da sociedade civil. Esses planos precisam estabelecer protocolos de segurança pública baseados no respeito aos direitos humanos e no fim do perfilamento racial, reorientando as forças de segurança para a preservação da vida e a garantia de segurança para todas as pessoas, especialmente em territórios vulnerabilizados.
  2. No campo da saúde, a violência estrutural se expressa na mortalidade materna alarmante de mulheres  afrodescendentes. Em 2021, 61,3% das mortes maternas no Brasil foram de mulheres  afrodescendentes, revelando a desigualdade racial e o peso de estereótipos que desumanizam essas mulheres. A crença equivocada e estereotipada de que mulheres afrodescendentes são mais resistentes à dor não é apenas um reflexo da violência obstétrica racista, amplamente documentados, mostram como o racismo impacta a saúde reprodutiva dessas mulheres, perpetuando traumas e perdas mas também um subterfúgio que perpetua a negligência em relação às suas vidas. Essa visão preconceituosa legitima práticas de descaso que se manifestam em diagnósticos tardios, atendimentos inadequados e uma assistência precária durante o pré-natal. No entanto, essa não é uma questão isolada de desinformação ou preconceito; trata-se de parte de um projeto mais amplo de desumanização que contribui para a marginalização e o extermínio silencioso da população afrodescendente. Essa dinâmica sustenta estruturas de poder que desvalorizam vidas negras, reforçando um ciclo de violência sistêmica e negligência institucional que precisa ser combatido de forma urgente e incisiva. Pequim+30 deve reforçar a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, com metas claras para erradicar as desigualdades no acesso e qualidade dos serviços de saúde, além de campanhas de formação antirracista para profissionais da saúde.
  3. A violência sexual é uma ferida aberta na vida de meninas afrodescendentes, que representam 52,2% das vítimas de estupro e estupro de vulnerável registrados no Brasil. O Estado brasileiro, ao falhar em assegurar acesso a serviços de saúde reprodutiva e direitos sexuais, contribui para agravar essa violência. Durante a pandemia, a redução de 45% nos serviços de aborto legal afetou diretamente meninas  afrodescendentes em situações de extrema vulnerabilidade, evidenciando uma negligência sistemática em garantir direitos previstos em lei. Pequim+30 precisa incluir o fortalecimento de políticas públicas que assegurem o acesso universal a serviços de aborto seguro e legal, com atenção especial às necessidades de meninas e mulheres  afrodescendentes. É imprescindível que esses serviços sejam ampliados, descentralizados e culturalmente sensíveis, a fim de garantir que nenhuma menina ou mulher seja revitimizada ao buscar assistência.
  4. A violência política é outra dimensão alarmante. Mulheres  afrodescendentes que ousam ocupar espaços de liderança são alvo de ataques sistemáticos que combinam racismo, misoginia e ameaças físicas. Segundo o Instituto Marielle Franco, 8 a cada 10 candidatas  afrodescendentes foram vítimas de violência virtual durante campanhas eleitorais. Essas agressões não apenas minam a saúde mental dessas lideranças, mas também perpetuam sua exclusão de espaços de poder, privando a sociedade de representações comprometidas com a transformação estrutural. Pequim+30 deve enfatizar a necessidade de mecanismos efetivos de proteção a lideranças  afrodescendentes, incluindo o monitoramento de crimes de violência política e a responsabilização de agressores. É urgente criar uma cultura de proteção que garanta a segurança e a continuidade da participação de mulheres afrodescendentes na política.
  5. O genocídio da população  afrodescendentes, um tema amplamente documentado por organizações da sociedade civil, também atinge mulheres e meninas de forma particular, alimentando um ciclo de violência, exclusão e pobreza intergeracional. Essa dinâmica revela não apenas a ausência de políticas públicas robustas, mas também a negligência do Estado em cumprir seu papel de garantir direitos fundamentais. Pequim+30 deve colocar o foco na criação de centros de referência multidisciplinares que ofereçam suporte psicológico, jurídico e social às vítimas de violência racial e de gênero, além de fortalecer iniciativas de prevenção e combate a essas violações.
  6. Para enfrentar de forma contundente essas desigualdades, a Revisão de Pequim+30 deve servir como um marco para exigir do Estado brasileiro ações concretas e integradas. O combate à violência contra mulheres e meninas afrodescendentes precisa ser central em políticas de saúde, segurança e justiça. Essas ações não apenas abordarão as consequências imediatas da violência, mas também romperão os alicerces estruturais que a perpetuam, promovendo um caminho para a construção de uma sociedade mais equitativa e justa.

Direito à Educação de Qualidade: Infância e Meninas Afrodescendentes

  1. Meninas afrodescendentes enfrentam desafios persistentes no exercício de seus direitos fundamentais, especialmente no acesso a uma educação de qualidade. Historicamente relegadas a posições de vulnerabilidade devido ao racismo estrutural e às desigualdades de gênero e classe, essas meninas vivenciam barreiras que comprometem sua infância e trajetória escolar, manifestando-se em condições de exclusão, exploração e criminalização, agravadas pela insuficiência de políticas públicas inclusivas e antirracistas.
  2. A negação sistemática do direito à infância para meninas afrodescendentes é marcada por uma sobrecarga de responsabilidades domésticas, exposição ao trabalho infantil e vulnerabilidade à exploração sexual e violência. Dados do IBGE revelam que, embora quase universalizado o acesso à educação básica para crianças de 6 a 10 anos, as desigualdades tornam-se evidentes nos níveis educacionais subsequentes. Em 2018, a taxa de conclusão do ensino médio para mulheres afrodescendentes foi de apenas 67,6%, em contraste com 81% para mulheres brancas. No ensino superior, mesmo com o aumento no número de estudantes afrodescendentes, elas permanecem concentradas em cursos tradicionalmente relacionados ao cuidado, como enfermagem e serviço social, estando sub-representadas em áreas de maior prestígio e retorno financeiro, como engenharia e tecnologia, onde representam apenas 21,6% das matrículas.
  3. A pandemia de COVID-19 aprofundou essas desigualdades. Segundo o estudo A Educação de Meninas Negras em Tempos de Pandemia, essas meninas enfrentaram múltiplas desvantagens, como a falta de acesso a material didático, tecnologias e tempo para acompanhar as aulas remotas, devido à sobrecarga de responsabilidades domésticas. Tais fatores resultaram em altas taxas de evasão escolar e comprometeram o desenvolvimento integral de meninas afrodescendentes, ampliando ainda mais o fosso educacional.
  4. Além disso, o avanço de políticas como a militarização das escolas representa uma séria ameaça à democracia e à diversidade no ambiente escolar. Sob o pretexto de combater a vulnerabilidade social, escolas cívico-militares têm imposto modelos de gestão e disciplina incompatíveis com os princípios de liberdade, pluralismo e equidade previstos na Constituição e nas normativas internacionais. Essas instituições reforçam padrões de disciplina e estética que violam direitos fundamentais, desrespeitam a diversidade cultural e limitam a liberdade de expressão, prejudicando de maneira desproporcional meninas afrodescendentes.
  5. Diante desse cenário, é imprescindível o compromisso para reverter os danos causados pela pandemia e os retrocessos representados pelas escolas militarizadas. A promoção de uma educação inclusiva e antirracista requer investimentos substanciais em infraestrutura, tecnologia e políticas de apoio à permanência escolar, especialmente voltadas para meninas afrodescendentes. Estratégias específicas devem incluir programas de reforço escolar, acesso ampliado a materiais e tecnologias e apoio financeiro para famílias em situação de vulnerabilidade.
  6. A plena implementação da Lei 10.639/2003, que torna obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, é essencial para combater o racismo estrutural na educação. Políticas afirmativas devem ser fortalecidas para promover a inclusão de meninas afrodescendentes em áreas de maior prestígio, como ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), garantindo equidade no acesso e permanência.
  7. A superação dos desafios educacionais também exige o enfrentamento das consequências da pandemia, com atenção especial às desigualdades intensificadas durante esse período. A construção de currículos que valorizem as identidades afrodescendentes e rompam com narrativas eurocêntricas deve ser uma prioridade, assim como a criação de ambientes escolares seguros e acolhedores, onde meninas afrodescendentes possam se desenvolver plenamente, livres de violência e discriminação.
  8. Por fim, é essencial que o Estado reforce seu compromisso com políticas públicas transformadoras, combatendo a militarização da educação e assegurando que o ensino seja orientado pelos princípios de liberdade, igualdade e respeito às diferenças. A defesa do direito à educação de qualidade para meninas afrodescendentes não é apenas uma questão de justiça social, mas também um pilar indispensável para a construção de um futuro mais equitativo, inclusivo e plural, no qual todas as crianças possam crescer e se desenvolver em igualdade de condições.

+ sobre o tema

Em feito histórico, Geledés demanda na ONU reparação aos afrodescendentes   

“Nesta quinta-feira, Geledés realizou um feito histórico ao ser...

Geledés se une a organizações para exigir mais recursos ao mecanismo EMLER da ONU

Geledés – Instituto da Mulher Negra, em parceria com...

Afrodescendentes conquistam reconhecimento inédito, e indígenas, novo órgão na COP de biodiversidade

O papel dos afrodescendentes, como grupos quilombolas, para a...

Geledés participa de fórum global da Unesco contra Racismo e Discriminação

Na abertura do 3º. Fórum Global contra o Racismo e...

para lembrar

Brasil responde a processo inédito por discriminação racial no trabalho na Corte IDH

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) realizou...

Geledés e OEA juntas em Washington

Em parceria com a Missão Brasileira na Organização dos...

Geledés participa da 54ª Assembleia Geral da OEA

Com o tema “Integração e Segurança para o Desenvolvimento...

Geledés participa na ONU do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

Geledés–Instituto da Mulher Negra segue atuando de forma forte, efetiva e produtiva nos fóruns da ONU como parte participativa da organização internacional. Representantes de...

“Reparação é reconhecer o que a História nos negou. E não é algo que a humanidade desconheça”, diz Epsy Campbell

Epsy Campbell Barr, presidenta do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, deu uma parada em sua tribulada agenda durante o 3º Fórum Global contra o Racismo...

Geledés propõe a criação de um Major Group de Afrodescendentes na ONU

A criação do Major Group de Afrodescendentes na ONU foi uma meta anunciada nesta segunda, 18, por Geledés – Instituto da Mulher Negra durante...
-+=