Barbara Reynolds, presidente do Grupo de Trabalho de Especialistas da ONU sobre Afrodescendentes, fez uma fala contundente nesta segunda-feira, 2, durante a abertura da 35ª sessão do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes que acontece na sede das Nações Unidas em Nova York, de hoje à sexta-feira, 6. A sessão trata da temática de justiça reparatória para africanos e afrodescendentes.
Neste contexto, Reynolds traçou um panorama desde os tempos dos navios negreiros aos dias atuais. “Entre os tempos dos navios que saíram dos portos de Gorée, de Costa da Mina e outros da África até os dias de hoje, muita coisa aconteceu. Nós nos apoiamos nos ombros de nossos ancestrais, cujos sangues se verteram em lágrimas. Fomos deixados não apenas em outros continentes, mas alguns de nós foram jogados para fora dos navios. E por todas as Américas e partes da Europa, esses clamores permanecem sem resposta. Nós temos uma oportunidade agora de fazer isso”, disse ela.
A presidente do GT de Peritos da ONU sobre Afrodescendentes destacou que, para além da Década Internacional Afrodescendente, cujo período vigora entre 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro deste ano, com o tema “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”, há uma urgência em se endereçar a questão reparatória. “Eu não tenho uma década. Esta é a minha vida. Esta é a vida do povo negro. Nós somos especialistas em sermos negros. Nós vivemos sendo negros, estudamos sendo negros, nós dirigimos sendo negros, vamos aos hospitais sendo negros. Nós temos uma nova literatura para crianças negras ensinando-as sobre quando são paradas por policiais em todas as partes do mundo ou sobre quando subimos nos ônibus sendo negros. Então para nós, hoje, quando escutamos que é sobre um encontro, não é sobre um encontro. É sobre estarmos juntos e olharmos para os princípios que temos em comum”. E resgatou a questão da ancestralidade. “Estamos aqui por aqueles que lutaram por nós e temos uma obrigação moral em fazer isso”.
Na mesma direção, o assessor internacional de Geledés, Gabriel Dantas, resgatou na mesma sessão as marcas do colonialismo. “As estruturas econômicas, políticas e sociais que governam o mundo são profundamente marcadas pelos legados históricos do colonialismo, racismo e discriminação, que continuam a impactar afrodescendentes e outras populações racializadas. O racismo opera como um sistema de opressão que não apenas desumaniza indivíduos, mas também molda a distribuição desigual de recursos e oportunidades”, disse ele.
Dantas avançou nas recomendações para a justiça reparatória ao começar pela reforma dos bancos multilaterais e nacionais de desenvolvimento. “Os bancos devem implementar políticas afirmativas para garantir a inclusão de afrodescendentes em projetos de financiamento e estruturas de governança. Os projetos devem incluir análises de impacto que considerem raça e gênero como variáveis centrais, alinhando-se com o compromisso do G20 de reduzir as desigualdades”, disse ele. Depois mencionou a criação de um fundo global para o desenvolvimento econômico dos afrodescendentes que priorize os empreendimentos liderados por essa população e comunidades vulneráveis.
O assessor de Geledés também sublinhou a necessidade de haver transparência e de se estabelecer dados desagregados por raça, gênero e localização como uma obrigatoriedade em todas as análises de políticas públicas e projetos financiados, seguindo os compromissos assumidos na Declaração do G20. E por último, ele resgatou a pauta de se combater o racismo ambiental, de maneira a garantir projetos de infraestrutura, especialmente os mantidos por bancos públicos de desenvolvimento, que levem em conta o impacto em comunidades racializadas.
Após o discurso de Dantas, Reynolds agradeceu a Geledés e brincou: “Senhores e senhoras, se há uma organização da sociedade civil que está pegando em nosso pé, essa organização é Geledés”, sobre o trabalho constante do instituto nesta temática nos últimos anos nos fóruns das Nações Unidas e G20.
Assista à sessão: