Através de um movimento social, Aline Gabriela irá se formar como pedagoga. Ela também sonha em criar um projeto para ajudar famílias em situação de vulnerabilidade
Aline Gabriela Andrade Afonso, de 30 anos, sempre teve uma vida atravessada pela vulnerabilidade. Mas nesta pandemia, ela aprendeu que é possível, como mulher negra, ser o que quiser.
No início da crise sanitária no ano passado, Aline perdeu o emprego como auxiliar de limpeza. Quando se deparou com as contas se acumulando e a falta de alimentos em casa, Aline enfrentou o dilema da população preta e pobre neste país: medo de uma possível contaminação para não morrer de fome. “Só as pessoas que tinham uma reserva guardada conseguiram se manter. E quem é mãe solo? E quem não tem ninguém para contar?”, questiona. Essa é uma realidade que assombrou muitas famílias brasileiras, principalmente aquelas que vivem em regiões periféricas das metrópoles do país.
Segundo dados do CadÚnico (Cadastro Único do governo federal) deste ano, a escassez de alimentos e o aumento da extrema pobreza se tornaram realidade para 14,5 milhões de famílias brasileiras. O número de famílias na miséria registrado em abril de 2021 é o maior da série histórica do Ministério da Cidadania, iniciada em agosto de 2012. Para entendermos a gravidade deste panorama, famílias em extrema pobreza são as com renda per capita de até R$ 89 mensais, segundo o próprio governo federal. Geralmente são elas que estão em situação de rua ou as que vivem em barracos, sem acesso a água tratada ou saneamento básico. Existem ainda 2,8 milhões de famílias brasileiras que vivem com renda mensal entre R$ 90 e R$ 178.
De acordo com um estudo do DataFavela lançado em março deste ano, 71% das famílias moradoras de comunidades periféricas hoje sobrevivem com menos da metade da renda que tinham antes da pandemia, sendo que 93% dos moradores não tinham nenhum dinheiro guardado. Ainda segundo a mesma pesquisa, 32% afirmaram que estão procurando seguir as medidas de prevenção contra a Covid-19; 33% estão procurando seguir, mas nem sempre conseguem; e 30% não conseguem seguir de forma alguma.
Em março de 2020, o Ministério da Economia havia aprovado o auxílio emergencial de R$ 1.200 para as mães-solo, como Aline, por três meses. No entanto, com o passar do tempo, o auxílio foi diminuindo. Em novembro de 2020, o repasse caiu pela metade (R$ 600) e, em abril de 2021, começaram a ser pagas parcelas de R$ 375.
“Mesmo com o auxílio, não dá para comprar comida por conta dos altos preços. Esse governo não tá nem aí para o brasileiro. O próprio presidente já disse para deixar morrer quem tiver que morrer. A gente tem que sobreviver sozinho”, desabafa.
Vendo o tamanho do descaso por parte das autoridades brasileiras, Aline decidiu “ir à luta”, como costuma dizer. No ano passado, ao lado de Michelle Nogueira, fundadora do Movimento Vem Com Tudo – Unidos Pela Luta (MVT-UPL), ela participou de uma campanha para ajudar a amiga a se tornar vereadora.
Entre as pessoas que conversou ouviu de uma mulher da comunidade: “Eu não quero conversar com ninguém, porque as pessoas da política vêm na minha porta, prometem e depois nunca mais voltam. O meu filho está aqui chorando de fome”.
Ao bater de porta em porta nos bairros da periferia de São Paulo, Aline encontrou exatamente estas famílias em condição de extrema vulnerabilidade. Algo que ela conheceu bem em seu passado. “Tinha época em que na minha casa não tinha um grão de feijão e de arroz. Eu falava com a assistência social que precisava de uma cesta básica, porque não tinha o que comer e ela me dizia: ‘Precisamos fazer uma visita primeiro’ e eu respondia: Mas tenho fome agora! Não posso esperar daqui a uma semana”.
Prontamente, Aline explicou que nem todos os políticos são ruins, mas pelo fato de muitas pessoas não pesquisarem sobre seus candidatos e não terem consciência de voto no momento da eleição, os governantes acabam sendo eleitos sem se preocupar com os problemas urgentes da população mais pobre.
Ela decidiu, então, estar na linha de frente para arrecadar alimentos para ajudar essa mãe e outras famílias em situação de vulnerabilidade. Através do MVT-UPL, Aline se empoderou e entendeu a sua potencialidade como mulher negra. Ela havia largado os estudos aos 14 anos e achou que não tinha mais chances de voltar a estudar depois de adulta.
Quando se tornou auxiliar de limpeza na escola do seu bairro, ela decidiu se inscrever no EJA (Educação de Jovens e Adultos), uma modalidade de ensino destinada a pessoas que não completaram, abandonaram ou não tiveram acesso à educação formal na idade apropriada.
Nessa época, ela teve que conciliar as funções de mãe, emprego, cuidar da casa e fazer seus estudos. Aline foi aprovada pelo ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos) e em uma importante transformação de autoestima, passou a acreditar mais em seus potenciais. Foi quando começou a estudar mais sobre o feminismo e o racismo da nossa sociedade. Agora, ela está prestes a se formar na faculdade de Pedagogia e quer se especializar como psicopedagoga para ajudar crianças que são vítimas de violência ou possuem bloqueios de aprendizagem.
Em relação ao seu trabalho social, Aline arrecada alimentos para doar cestas básicas para famílias de sua comunidade e sonha em criar um projeto social para dar alimentação, moradia e educação.“A discriminação está em todas as partes que você anda. Seja pela sua cor, pelo seu financeiro, pela sua orientação sexual ou pela comunidade em que você nasceu. Com o movimento social, eu aprendi que o meu lugar é onde eu quiser. Seja na política, seja em uma sala de aula ou na cadeira de um juiz”, conclui.