Fonte: Folha de São Paulo
Neguinho diz que recepção calorosa dissipou fantasmas que o perseguiram desde 1970
Após quase 40 anos na Suécia, brasileiro diz que não acreditava na anistia e que gostaria que o governo abrisse arquivos da ditadura
Após ter vivido por quase 40 anos com identidade falsa na Suécia, o ex-marinheiro Antônio Geraldo Costa, o Neguinho, 75, livrou-se do maior tormento do exílio: o medo.
Voltou ao Brasil, em 21 de julho, temendo ser preso quando apresentasse sua identidade verdadeira à imigração. Mas a recepção calorosa dissipou os fantasmas que o perseguiram desde 1970, quando fugiu para o exílio. O homem que foi ao encontro da reportagem, na última terça, estava leve e “”feliz como pinto no lixo”. Conforme suas palavras, renasceu.
Neguinho foi um dos líderes da rebelião dos marinheiros, em 1964 -que precipitou o golpe militar-, tendo sido vice-presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais. Foi expulso da Marinha e participou de assaltos a banco para financiar a luta armada.
Viveu no exterior com o nome falso de Carlos Juarez de Melo e com ele obteve cidadania sueca, casou-se, teve dois filhos, trabalhou e se aposentou. (ELVIRA LOBATO)
Saiba quem é Antônio Geraldo Costa, o Neguinho
FOLHA – Por que decidiu reassumir a identidade e voltar?
ANTÔNIO GERALDO COSTA (NEGUINHO) – Sempre alimentei o sonho de voltar, de ser enterrado como Antônio Geraldo Costa, na minha terra.
FOLHA – Muitos exilados pediram anistia após a aprovação da lei, em 79, mas o senhor só entrou com o pedido em 2005. Por que demorou?
NEGUINHO – Eu não acreditava na anistia. Vi muitos ex-marinheiros serem perseguidos. Não temia exatamente uma retaliação da Marinha, mas das forças da direita.
FOLHA – É verdade que não queria pedir anistia?
NEGUINHO – Não queria. Alguns companheiros me incentivaram a fazê-lo. Quando me foi dada a anistia, entrei com os papéis na Suécia para consertar a confusão dos documentos.
FOLHA – Qual sua opinião sobre o Brasil de hoje?
NEGUINHO – Para mim, o Brasil vive uma democracia relativa. O aparelho de Estado ainda sofre os efeitos da ditadura. Gostaria que o governo abrisse os arquivos da ditadura.
FOLHA – Quando o avião que o trouxe de Estocolmo pousava no Rio, o que pensou que aconteceria?
NEGUINHO – Receava uma provocação na minha chegada. Cheguei meio tenso.
FOLHA – Estava trêmulo?
NEGUINHO – Nada trêmulo. Desci com a cabeça erguida, disposto a enfrentar uma possível reação. Pessoas que me apoiam contataram o ministro Tarso Genro, antes de minha chegada. Saí do avião e um cidadão elegante me abordou no corredor. “É Antônio Gerado Costa?”, me perguntou. Respondi: há algum problema? Ele falou que era emissário de Tarso Genro, para me dar as boas vindas.
FOLHA – O que o senhor tem feito desde que chegou?
NEGUINHO – Encontro amigos, vou a reuniões políticas com velhos companheiros e pessoas que apoiam a causa da anistia, circulo sem a sensação de estar sendo vigiado. Gosto de ir às feiras. Quando senti o cheiro da lima e de goiaba, voltei à minha infância em Alagoas.
FOLHA – O homem que retornou é diferente do que viveu na Suécia?
NEGUINHO – Sempre fui falante, mas o Carlos Juarez [identidade usada no exílio] era retraído, temia se expor nas festas.
FOLHA – O que tem curtido nesta nova fase?
NEGUINHO – Estou aprendendo a andar de ônibus, a calcular os preços em reais. Fui a um forró.
FOLHA – Feliz que nem um pinto no lixo?
NEGUINHO – Esta expressão diz tudo.
FOLHA – Identificou-se com algum partido político?
NEGUINHO – Não. Estou me situando.
FOLHA – O que o choca no reencontro com o Brasil?
NEGUINHO – A poluição sonora e o aumento da miséria. E, principalmente, a quantidade de pessoas dormindo nas ruas e o crescimento das favelas.
FOLHA – O senhor reencontrou um Brasil melhor ou pior?
NEGUINHO – Politicamente, melhorou. Acredito que a proporção de pobres diminuiu, mas me parece que a pobreza extrema aumentou.
FOLHA – E qual sua opinião sobre o governo Lula?
NEGUINHO – Lula é muito conceituado no exterior, mas acho que o governo do PT poderia ter feito muito mais. Como nordestino, me pergunto: o que se passa na cabeça do Lula para apoiar o Sarney?
FOLHA – E sobre a candidatura da Dilma Rousseff à Presidência?
NEGUINHO – Tenho apreço por ela. Mas não tenho como opinar sobre sua candidatura.
Matéria original: Ex-marinheiro perde o medo do exílio e “renasce” no Brasil