Família de jovem preso suspeito de roubo em Niterói diz que prisão foi injusta e motivada por racismo

Enviado por / FonteG1, por Larissa Caetano

Um jovem de 24 anos foi preso como suposto autor de um assalto a mão armada em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. A família e a defesa dizem que houve falha em seu reconhecimento.

Para a esposa de Danillo, a prisão foi motivada por ele “ser negro e periférico”. Ela organizou uma petição pela internet que já tinha 4.474 assinaturas até a noite de terça-feira (18).

Danillo Félix Vicente de Oliveira, de 24 anos, foi detido em 6 de agosto, por volta das 19h, no centro do município. Ao G1, a esposa dele, Ana Beatriz Sobral Faria, de 21 anos, afirmou que a abordagem foi realizada por policiais em uma viatura da Polícia Civil descaracterizada.

O jovem mora com a companheira e o filho, de 1 ano, no Morro da Chácara, a poucos quilômetros do local. Até a publicação da reportagem, ele havia passado 12 dias no presídio Tiago Teles, em São Gonçalo, na Região Metropolitana, incluindo o seu primeiro Dia dos Pais.

“Nunca na minha vida pensei que a gente fosse passar por isso, mesmo sabendo que o país é racista, que existe racismo, a gente vê na televisão todos os dias, mas a gente acha que nunca vai acontecer com a gente. Eu fiquei muito surpresa. Foi um sentimento de tristeza absurdo”, lamentou a esposa.

“Não tem um minuto que eu não pense nele, desde a hora que eu acordo até dormir. O nosso filho fica chamando e todos os familiares estão muito tristes e comovidos com essa situação. Jovens pretos e pobres são presos injustamente, são mortos todos os dias”, disse a companheira.

Reconhecimento falho, diz defesa

A advogada do jovem, Cristiane Lemos, acredita que a prisão foi baseada em um “reconhecimento fotográfico falho”. Ela contou ao G1 que a vítima, que foi roubada no dia 2 de julho, foi até a 76ª DP (Niterói) pelo menos duas vezes e mudou o depoimento após ver uma foto antiga de Danillo.

Em um primeiro momento, a vítima relatou que o suspeito era um homem de 20 a 24 anos, de cor parda e com bigode fino, segundo a advogada.

“O que recai sobre ele é um reconhecimento falho fotográfico feito em sede policial. A vítima foi até a delegacia e fez um reconhecimento de um álbum exposto na 76ª DP. Ela retorna para prestar mais esclarecimentos e aí disponibilizam o Facebook do Danillo. Ela reconstrói toda a narrativa alegando que o autor do delito seria o Danillo. Ocorre que a foto que foi mostrada é de 2017, na qual o Danillo tinha o cabelo curto e realmente estava com o bigode fino. O Danillo não se trata de um homem pardo, e, sim, de um homem negro”, explicou a advogada.

O cabelo do jovem é outra diferença apontada pela defesa. De acordo com a esposa, Danillo usa tranças e tem cabelo grande desde o ano passado. Para a advogada, essa seria a principal característica apontada pela vítima se o suspeito realmente fosse o jovem.

“Ele tem um cabelo de dread, é um cabelo grande. O ponto muito crucial na defesa dele é essa questão, essa característica física dele. Qualquer pessoa que hoje fosse, por exemplo, assaltado pelo Danillo, iria descrever que o suposto assaltante teria o cabelo de dread, porque é marcante. Não foi o caso”, alegou a defesa.

Sem imagens de câmera de segurança

A defesa de Danillo aponta que há uma série de falhas na prisão. Cristiane Lemos afirmou que foi uma surpresa a decretação da prisão preventiva para um jovem que não tem antecedentes criminais.

Ela destaca que, no depoimento para a polícia, a vítima informou aos policiais que havia câmeras de segurança no local do assalto, mas a gravação do vídeo não foi solicitada.

“A vítima alega que no momento do delito tinha câmeras de segurança, porque foi na frente de um prédio, e aí está mais um ponto falho. Nada foi feito para recuperação dos registros da câmera de segurança, até porque, se fossem recuperadas as imagens, ia saber que não foi o Danillo. A delegacia não diligenciou na recuperação das imagens, o Ministério Público também não e o Judiciário também não. O que recaiu sobre o Danillo foi apenas um reconhecimento falho, porque a gente consegue, por conta dessas poucas características, enquadrar em várias pessoas um acusado. A gente consegue desenhar em várias pessoas um acusado e foi o que aconteceu”, declarou a advogada.

Saúde fragilizada

Mesmo com todos os pontos apontados pela defesa, o jovem permanece no presídio Tiago Teles. De acordo com a advogada, Danillo está com a saúde fragilizada e abalado emocionalmente.

“O Danillo hoje já teve febre na unidade prisional e fortes dores de cabeça. Ele hoje é uma pessoa triste, um menino triste, que passou o Dia dos Pais longe da sua família, o seu primeiro Dia dos Pais. Ele está sendo colocado em cárcere por erro do Judiciário”, ressaltou a Cristiane Lemos.

O que dizem os citados

A Polícia Civil informou que, “de acordo com a 76ª DP, o inquérito foi concluído com base nos elementos produzidos nos autos e submetido à apreciação do Ministério Público na forma da lei”.

O G1 entrou em contato também com o Ministério Público, mas até a publicação da reportagem não teve resposta.

O Tribunal de Justiça explicou, em nota, que a “pesquisa feita a partir do nome de Danilo (com um “L” só) indicou a existência de duas denúncias do MP contra ele pelo crime de roubo. Em ambas, houve a decretação de prisão preventiva”.

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