Feministas analisam PLC da Guarda Compartilhada aprovada no Senado

A atual legislação brasileira diz, sobre a guarda das crianças, nos artigos 1.583 e seguintes, que o juiz deverá informar aos genitores o significado da guarda compartilhada, sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores, as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas e que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada e a forma de convivência dos genitores com os filhos, como podemos ver a seguir:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: 

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; 

II – saúde e segurança; 

III – educação.§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. 

§ 4o (VETADO). 

Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; 

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. 

§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.

§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

É nítido que a atual legislação brasileira já busca o fim do conflito entre os genitores e detentores das guardas, buscando o melhor para as crianças.

Observa-se, além disso , que existem mecanismos de mediação e de busca de aconselhamento psicológico junto com as instituições – Ministério Público e Tribunais – para tentar sanar divergências. Não deixando a decisão da guarda meramente no consenso, podendo ser definida mesmo quando os genitores não possuem acordo após verificação de possibilidade da aplicação da guarda em conjunto.

O Projeto de Lei Complementar 117 de 2013, estipula o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispõe sobre a sua aplicação.
O projeto define guarda compartilhada como:

“Na guarda compartilhada, o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

Observa-se claramente que o legislador define de forma leviana o instituto da “guarda compartilhada” que, dentro da doutrina jurídica, é definida como a tomada em conjunto das decisões relativas a criança, em que ambos dividem as responsabilidades de criação e educação, a criança permanece morando com um dos genitores, mas não há regulamentação de visitas nem limitações de acesso à prole em relação ao outro.

A definição de guarda compartilhada do referido projeto de lei apenas trata da divisão de tempo em que cada criança ficará com os genitores, definição essa que na verdade se refere à GUARDA ALTERNADA.

A “guarda alternada” é a guarda exercida alternadamente entre os genitores que não possuem diálogo, é a guarda física, legal e exclusiva do filho, ou seja, os pais se revezam nas tomadas de decisões, não respeitando ou considerando a decisão do outro genitor. Essa modalidade de guarda não é recomendada, pois cria e amplia conflitos para a criança, que passa a receber orientações diferentes em cada núcleo familiar ao qual pertence e pode sofrer abalos emocionais, entre outras consequências. Definitivamente não é considerada a melhor para a criança.

A automaticidade da declaração de guarda, caso o projeto venha a ser aprovado, poderá, além de prejudicar as crianças envolvidas, ampliar e prolongar eventuais situações de violência doméstica, forçando a vítima a ter a constante presença do agressor próximo a ela. Por isso é importante que cada caso seja analisado, de modo que cada família tenha suas particularidades contempladas pelo judiciário.

Quanto à guarda compartilhada, diversos juristas defendem a alteração do termo “guarda” para “convivência familiar”, para que se exclua a falsa impressão de que os genitores estão disputando um objeto.

A declaração automática da guarda compartilhada somada ao conceito raso apresentado pelo projeto pode gerar resultados negativos para a sociedade brasileira e principalmente para as crianças e mulheres vítimas de violência doméstica.

Observa-se, de acordo com os dados do IBGE (2011), que, após o divorcio, 87,64% das mulheres ficaram responsáveis pela guarda das crianças brasileiras, enquanto apenas 5,42% das guardas foram registradas como responsabilidade conjunta e 5,33% ficaram com os homens.

Infelizmente, tais pesquisas ainda possuem poucos dados e não é possível verificar qual o nível de conflito/interesse dos genitores na busca das responsabilidades igualitárias com os filhos, e quantos deles, após a regulamentação das visitas, cumpriram os acordos e se fizeram presentes na vida dos filhos.

Devemos sempre levar em conta que existem 5,5 milhões de crianças (segundo o Conselho Nacional de Justiça – CNJ) sem o registro paterno no Brasil e que a questão da paternidade não se resolverá com uma simples mudança legislativa. É necessária uma mudança cultural e institucional. Cabe ao judiciário estabelecer mecanismos para sanar ou diminuir os conflitos familiares, caso a caso, por isso o instituto da mediação é de extrema importância.

No Brasil, têm sido realizados, nos últimos anos, mutirões de reconhecimento de paternidade e campanhas para que crianças não fiquem sem o nome dos pais no registros. Portanto, a guarda compartilhada automática poderá afetar diretamente essas ações do governo, já que os casos não seriam analisados pelo judiciário e a criança passaria a ter dois responsáveis muitas vezes sem nunca ter tido contato com o outro responsável, o que as levaria a situações de risco.

A automaticidade da guarda compartilhada poderá também produzir impactos emocionais e financeiros na vida das mulheres. Ora, se a guarda é compartilhada, as responsabilidades de forma presumida também passariam a ser. O projeto determina que os filhos fiquem o mesmo tempo com cada genitor, mas no quesito pensão alimentícia ele não especifica que os custos serão de 50% a 50% (quando a situação financeira dos dois genitores é equivalente), ou se cada um arcará apenas com os gastos enquanto estiver com a criança, não especificando como serão pagas as contas exclusivas da criança como, por exemplo: escola, transporte, vestimenta, alimentação, material escolar, plano de saúde etc.

A guarda compartilhada pressupõe que os gastos serão feitos de forma harmoniosa, e o PL cria a autorização e a obrigação de fiscalizar os gastos de um genitor com o outro, mas não especifica qual será e como será o processo de prestação de contas, e ainda deixa a dúvida sobre como duas pessoas que não se comunicam irão, de forma harmoniosa, fazer o esclarecimento das contas mensais, diárias ou anuais. Há de se pensar se a cada discordância na vida das crianças será necessária intervenção judicial para sanar o conflito, já que o conflito só foi sanado na lei e não na realidade dos casos.

Outra questão polêmica do projeto é a necessidade de autorização expressa para a mudança de endereço de município/estado. Significa, na prática, que caso uma das partes tenha que se mudar devido ao trabalho, por exemplo, ela só poderá se mudar com autorização expressa, não apenas com comunicação e adequação das visitas e guarda, cerceando o direito de ir e vir.

Desta forma, desaconselhamos a mudança da legislação, que não busca sanar os conflitos e sim apenas tratar da guarda física de uma criança, não dando atenção às demais situações em que essas famílias se encontram.

Reconhecemos a necessidade de se ampliar, dentro do judiciário, a mediação de conflitos, inclusive com a ajuda de equipe sócio-psicológica.

Fernanda Rosas Pires de Saboia – Assessora técnica do CFEMEA

 

Fonte: Agência Patrícia Galvão

+ sobre o tema

Descobrindo o feminismo em geração que cresceu com Xou da Xuxa

Nesses meus quase quatro anos na Universidade de Oxford,...

A mulher que quer registrar uma união civil com a irmã

Catherine Utley e sua irmã Ginda moram juntas há...

R. Kelly é condenado a 20 anos de prisão por abusar sexualmente de crianças

O cantor e compositor R. Kelly foi sentenciado a 20 anos...

para lembrar

O dia mais triste do ano

Levantou às duas e quarenta da matina, tentando esquecer...

Garoto de 8 anos ganha aula de maquiagem de presente de natal

Ethan, fã da drag queen Jefree Star, ganhou de...

Políticas públicas para a Mulher Negra são debatidas na Assembleia Legislativa da PB

A Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) realizou na manhã...
spot_imgspot_img

Anielle Franco é eleita pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes da nova geração

A revista americana Time incluiu a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em sua lista das cem personalidades da nova geração que têm potencial para transformar o...

Morre cantora Dona Jandira aos 85 anos em Belo Horizonte

A cantora Dona Jandira morreu ontem aos 85 anos em Belo Horizonte. O anúncio foi feito em seu perfil no Instagram. A causa da...

Joyce Ribeiro será nomeada embaixadora de Cidade Velha, em Cabo Verde

A apresentadora da TV Cultura Joyce Ribeiro será nomeada a embaixadora no Brasil para a cidade de Ribeira Grande, em Cabo Verde. Mais conhecida como Cidade Velha,...
-+=