Caso ocorreu em bairro de classe média alta de São Paulo; rede diz investigar
por Paulo Gomes no Folha de São Paulo
Impedida de comprar sorvete pelo segurança de uma lanchonete do McDonald’s em um bairro de classe média alta de São Paulo, Fernanda Vicentina da Silva afirma ter sido vítima de racismo. “Ali era todo mundo branco, só eu que era preta”, afirma.
Segundo a mulher, que estava com dois filhos pequenos, o segurança a confundiu com uma pedinte. A rede de fast food diz investigar o incidente.
O caso ocorreu por volta das 18h20 da última segunda-feira (25), na loja da Vila Mariana, na rua Domingos de Morais, zona sul. Moradora do Jabaquara, mais ao sul da cidade, Fernanda tem 35 anos, um filho de 7 e uma filha de 3. Diz ser autônoma —”mas na carteira de trabalho está auxiliar de limpeza”.
Atualmente está desempregada e vende panos de prato na porta de estações do Metrô. Segundo Fernanda, ela não estava pedindo.
Fernanda Vicentina da Silva, 35, que diz ter sido expulsa de um McDonald’s após ser confundida com pedinte
“Eu tenho pressão alta e meus filhos têm bronquite. Tinha ido no hospital e quando saí com os meninos eles disseram ‘mãe, quero sorvete e lanche’. Quando eu tava com o cartão para dar pro menino [atendente do quiosque de sobremesas, no lado de fora], ele pegou o cartão, que é do Bolsa Família, e o segurança já chegou me xingando”, afirma.
Segundo Fernanda, ela foi enxotada mesmo dizendo que estava comprando. “Ele gritou ‘Não é para você ficar pedindo aí não! Sai fora!’. Me chamou de vagabunda. Pedi para me respeitar e comecei a chorar. Os meninos também”, diz. “Me senti muito humilhada, muito para baixo mesmo.”
Clientes então foram ampará-la e orientaram-na a chamar a polícia —uma delas, a professora universitária Priscila Quintal, postou um relato em uma rede social. Testemunhas ligaram para o 190, mas os policiais não chegavam. Após sucessivas ligações, foram informados pela central de que os pedidos estavam sendo cancelados.
A PM disse à reportagem não ter como confirmar a informação. Quando a polícia enfim chegou, os agentes teriam desencorajado Fernanda de registrar boletim de ocorrência. Segundo Priscila, os agentes afirmaram que não adiantava ir na delegacia “porque isso vai para a Justiça, precisa de advogado e custa dinheiro. Disseram que na Defensoria [Pública] seria difícil.”
Fernanda diz ainda ter sido ameaçada pelo segurança. “Ele falou ‘a senhora não sabe onde eu moro, eu sou do Capão Redondo.’ Acabou que nem compramos o sorvetinho por causa dessa confusão. Meu menino ficou falando de lá até aqui no Jabaquara, ‘será que ele [o segurança] vai vir [atrás]?”
Segundo a rede de fast food, o segurança, que é terceirizado, foi afastado de suas funções temporariamente.
“Trata-se de uma questão pontual e que não condiz com a cultura democrática e inclusiva da empresa”, afirmou a companhia, que diz apurar internamente o ocorrido. “O McDonald’s informa que, preliminarmente e até que tudo esteja esclarecido, afastou o funcionário terceirizado envolvido no caso e reforça que não compactua com nenhum tipo de agressão ou injúria em suas unidades.”
Fernanda registrou boletim de ocorrência na terça-feira (26) e, graças à repercussão da publicação de Priscila, conseguiu uma advogada para levar o caso adiante. “Ela disse que vai me ajudar e falou que isso é crime mesmo.”
O segurança pode responder por racismo —que é inafiançável. O artigo 5º da Lei 7.716/1989 diz que a pena para recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador, é de reclusão de um a três anos.