Festa com deboche ao assassinato de George Floyd desata debates sobre racismo no Peru

Estudantes de direito da PUC no país se divertiram entoando a frase 'não consigo respirar'

Um novo nível de racismo recreativo foi desbloqueado no Peru e está gerando mobilizações do governo e da sociedade civil no país.

Durante uma festa de aniversário, a frase “Não consigo respirar” —últimas palavras de George Floyd, homem negro assassinado por um policial norte-americano em 2020— foi entoada, entre risos, por universitários peruanos reunidos em torno a um bolo com o rosto de Floyd.

A “diversão” contou com outro toque “criativo”: para explicitar um trocadilho com a banda Pink Floyd, o bolo, cor-de-rosa, trazia o nome do grupo sobreposto ao retrato do morto. Para finalizar, o macabro coro de comensais ainda foi acompanhado da canção “Breathe” (Respire), da banda britânica.

gravação do festejo, de menos de 20 segundos, acumula quase 7 milhões de visualizações no X desde 16 de setembro, quando veio a público, e vem gerando debates no Peru sobre a discriminação étnico-racial no país, especialmente antinegra e anti-indígena.

Denúncia, sanção, demissão

A partir da viralização do vídeo, o Ministério de Cultura peruano denunciou ao Ministério Público os estudantes que protagonizaram a celebração —integrantes da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) —por atos discriminatórios ou incitação, delito previsto no Código Penal do país.

A universidade, por sua vez, expressou em comunicado “categórico rechaço” ao episódio e informou o início de um processo de sanções disciplinares.

Ato seguido, um estúdio de advocacia onde dois dos participantes centrais da festa faziam um estágio comunicou haver dispensado os estudantes.

“Negação”

O Peru tem 34 milhões de habitantes, dos quais 60,2% se consideram “mestiços”, 25,7% se definem como indígenas, 5,9% se autopercebem brancos e 3,6% se identificam como afrodescendentes, de acordo com dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Informática detalhados com outras variáveis no relatório “Um olhar sobre a diversidade étnica”, lançado neste ano.

No entanto, apesar de a maioria (89,5%) da população se autodeclarar mestiça, indígena ou negra, o racismo antinegro e anti-indígena é uma realidade cotidiana e normalizada, afirma à Folha a jornalista Sofía Carrillo Zegarra, apresentadora do programa “Afroraíces“, da Rádio Nacional do Peru.

“O racismo no Peru é um problema público. Mas, apesar de que se reconheça sua existência, existe uma negação das pessoas de se considerar parte do problema”, diz ela. “A primeira pesquisa nacional sobre percepções e atitudes sobre diversidade cultural e discriminação étnico-racial, feita há alguns anos, revelou que mais de 50% dos entrevistados reconhece que o Peru é racista, mas só 8% se percebe como racista ou muito racista. Essa negação se traduz em barreiras para poder abordar o racismo de modo estrutural”, observa.

O bolo-deboche com o assassinato de Floyd também gerou movimentos entre estudantes da universidade. Organizações como AfroPUCP e Raíces PUCP vêm impulsionando, às vezes em conjunto com autoridades acadêmicas, atividades para combate e discussão sobre racismo no campus e também para se constituir em um grupo de apoio a alunos que são alvo de preconceito.

O encontro “Racismo e discriminação na carreira de direito” em 17 de outubro, por exemplo, reuniu estudantes e docentes para refletir sobre “uma problemática que contradiz os propósitos” da carreira.

“Os avanços legais em relação ao reconhecimento do povo afroperuano não se refletem na mudança de atitudes e práticas”, descreve Carrillo. “Isso é consequência de muitos fatores, como a ausência de uma educação antirracista, a distância que existe entre as políticas públicas e o sujeito afroperuano, a reprodução de estereótipos racistas e a pouca presença de afrodescendentes nos meios de comunicação.”


Denise Mota – Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

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