Festival de dança traz o passinho das periferias para o Theatro Municipal

O Festival Internacional de Danças Urbanas Rio Hip Hop Kemp saiu da periferia e aconteceu pela primeira vez no mais importante palco da cidade, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Akemi Nitahara/Agência Brasil 

por Akemi Nitahara, no Agência Brasil

Jovens negros de comunidades do Rio de Janeiro ocuparam no dia 31 o Theatro Municipal. A batalha do passinho saiu da periferia e aconteceu no mais importante palco da cidade, com direito ao mesmo aviso sonoro pomposo de trombetas que anunciam o início de balés, concertos e óperas. A plateia lotada assistiu com entusiasmo os dançarinos descalços, sem camisa, de boné e bermudão que apresentaram coreografias ritmadas e acrobáticas, num mistura frenética e impressionante de break, samba, funk, axé e frevo.

imagem-de-divulgacao-do-espetaculo-na-batalha-em-cartaz-no-rio-de-janeiro
Cartaz do espetáculo

O espetáculo Na Batalha, do grupo de dança homônimo, abriu o Festival Internacional de Danças Urbanas Rio Hip Hop Kemp, o Rio H2K, que vai até o dia 7 de junho com workshops, painéis, festas, shows, espetáculos e batalhas no Theatro Municipal, Centro de Movimento Deborah Colker, Oi Futuro Ipanema, Imperator, na Leopoldina e na Cidade das Artes.

leia também:

A apresentação no Theatro integrou também o projeto Trajetórias, que leva concertos e espetáculos de dança de estilos variados nas manhãs de domingo ao Municipal com ingressos a preços populares de R$10. O co-diretor do Rio H2K, Miguel Colker, explica que o espetáculo de dança de rua no Municipal é um marco para a história da arte brasileira.

passinho_theatro_municipal

“Daqui a 10 anos a gente vai lembrar do dia em que o festival colocou um espetáculo de passinho no Theatro Municipal. Tem várias coisas pontuais na história da arte que, mesmo que não tenham mudado tudo na hora, influenciaram. Como a peça Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, dirigida pelo Ziembinsk, aqui neste mesmo Theatro Municipal, que teve uma iluminação que ninguém entendeu. Aquilo não mudou a iluminação cênica, mas virou história”.

Para o diretor artístico do Na Batalha, Julio Ludemir, o passinho é o terceiro marco da cultura negra na história do Theatro Municipal. “Houve o Orfeu Negro de Abdias Nascimento na década de 1950, depois quando o secretário de cultura Darcy Ribeiro chamou a Clementina de Jesus para cá e foi um escândalo naquele momento, porque falou de uma cidade intransigente que não reconhecia o samba e a cultura negra como arte. E nós temos agora esse momento em que, mais do que o jovem negro no palco, temos esse jovem negro da favela aqui na plateia”.

Ludemir ressalta o valor artístico do grupo, para além do aspecto cultural de lazer, entretenimento e inclusão social que o passinho oferece. “Talvez pela primeira vez esses jovens, que em geral são perseguidos pela polícia, são mortos por um estado que tende a criminalizá-los, estão tendo um tratamento não só de artistas, mas de uma centralidade artística. Esses meninos, o funk, o passinho, fazem parte da produção artística carioca e precisam de um espaço para que se reconheça isso”.

O dançarino Diego Ramos, de 23 anos, conhecido como CL Fabulloso, de Queimados, integra o grupo Os Fabullosos e participou da batalha de passinho. Para ele, a dança começou como diversão, virou trabalho e hoje é inspiração para muitos jovens das comunidades.

“O passinho para mim é tudo. Antigamente era só diversão, quem mandava passinho nas favelas era o tal, a mulhereda dava mole, mas hoje em dia para a gente virou trabalho. Ensaiar de segunda a sexta, pegar o [trem do ramal] Japeri lotado indo e voltando para poder ensaiar, final de semana a gente sai para o show e pé na estrada. Na Batalha agora virou trabalho”.

CL explica que o passinho começou nos bailes funk e hoje já é uma cultura própria, mais engajada socialmente. Na apresentação de hoje, estavam presentes temas como drogas, violência policial e mercado de trabalho.

O também dançarino DG Fabulloso, 23 anos, diz que é um sonho estar hoje no Theatro Municipal, pois no passado já sofreu preconceito no mesmo local. “Eu já fui barrado aqui, a Companhia de Dança Bativa convidou a gente para assistir o espetáculo delas. Elas chamaram o pessoal para subir no palco e o segurança me barrou, não sei porque até hoje. Hoje eu estou no palco e ele não pode me barrar. Não sei se era preconceito por causa de como eu estava vestido”.

+ sobre o tema

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o...

para lembrar

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o...
spot_imgspot_img

Feira do Livro Periférico 2025 acontece no Sesc Consolação com programação gratuita e diversa

A literatura das bordas e favelas toma o centro da cidade. De 03 a 07 de setembro de 2025, o Sesc Consolação recebe a Feira do Livro Periférico,...

Mostra em São Paulo celebra produção de cineastas negros no Brasil

Uma seleção de filmes brasileiros realizados por cineastas negros ou que tenham protagonistas negros é a proposta da OJU-Roda Sesc de Cinemas Negros, que chega...

O dia em que os deputados brasileiros se negaram a abolir a escravidão

Se dependesse da vontade política de alguns poucos, o Brasil teria abolido a escravidão oito anos antes da Lei Áurea, de 13 de maio de...