Acesso à cultura eleva autoestima de jovens da periferia

“A certeza, na favela, é que eu não seria nada”, disse o cantor Criolo, nascido na favela das Imbuias, zona sul de São Paulo, em entrevista recente ao site jornalístico Ponte. Para o MC de 39 anos, que viveu na favela durante toda a sua adolescência, a baixa autoestima e a sensação de não pertencimento entorpecem os jovens da periferia. Alguns assumem qualquer risco, diz ele, para serem socialmente aceitos.

Por Nayra Lays, 17 anos, moradora do Grajaú, São Paulo, no Énois, do Brasil Post

Criolo superou os conflitos pessoais de sua origem e hoje faz shows pelo mundo inteiro. Para isso, o acesso à cultura, incentivado pela mãe, Maria Vilani, foi fundamental. Maria sabe que o incentivo cultural nas periferias não pode parar. É por isso que, há alguns anos, atua como educadora, escritora, filósofa e ativista cultural, como ela mesma se descreve.

É ela quem administra o Caps (Centro de Arte e Promoção Social), fundado por um amigo e localizado no bairro do Grajaú, extremo sul de São Paulo. No Caps, são promovidas rodas de poesia, cafés filosóficos, oficinas de teatro e todo tipo de atividade cultural. De acordo com Vilani, “todos são bem vindos”.

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Há três anos atuando como um dos mediadores das rodas de poesia do Caps, o poeta, escritor e rapper, Márcio Ricardo, 24, expande ali sua antiga paixão pela poesia e pela literatura.

Maria e Márcio conversaram com o blog Énois sobre a autoestima dos garotos com que convivem e as mudanças na forma com que eles se enxergam.

Como o contexto da vida em bairros mais pobres influencia a forma com que a juventude da periferia se vê?

Maria Vilani: As pessoas sofrem influência do meio em qualquer idade, mas principalmente quando ainda estão em desenvolvimento. Isso acontece em qualquer lugar do mundo. Na periferia, por ser um lugar hostil, o jovem tem a sua autoestima prejudicada. O apelo da mídia ao consumo exacerbado torna esse mal estar ainda maior, pois desperta no jovem o desejo de adquirir aquilo que ele não tem dinheiro para comprar. Isso faz com que ele se veja como um fracasso. Ainda lhe falta uma educação de qualidade, cultura e lazer.

Márcio, houve alguma situação em que você tenha se sentido inferiorizado de alguma forma?

Márcio Ricardo: Quando eu tinha uns nove anos, meu amigo e eu escrevemos uma poesia cada um. Quando ele foi mostrar o que tinha feito para a professora, ela duvidou que ele fosse mesmo o autor e o acusou de copiar coisas que não eram dele. Eu também queria mostrar meu texto para ela, mas, depois de ver como ele foi oprimido, desisti. Só fui mostrar um verso meu para alguém anos depois, aos 16 anos. A sociedade lá fora gera muitos conflitos, mas aqueles que estão aqui dentro, na periferia, também.

Enquanto jovem, você acha importante que a questão da autoestima de jovens da periferia seja mais discutida? Por quê? 

Márcio Ricardo: Com certeza. O diálogo é sempre importante, pois penso que estamos em guerra com nós mesmos. Entre vaidade e vontade, tristeza e alegria, política e opinião, crença e religião. O diálogo é a luz que encontramos fora da caverna.

Nos seus anos de convivência com os jovens da periferia, o que mudou?

Maria Vilani: A periferia vem passando por mudanças, principalmente em relação ao conhecimento, à cultura e ao lazer. Com a entrada recente desses jovens nas universidades, proporcionada pelos programas do governo, o nível de conhecimento aumentou. Com isso, cresceu no jovem também uma consciência de sua situação de ser periférico, pobre e excluído do sistema, o que o levou a lutar pelos seus ideais.

Muitos desses garotos formam coletivos em vários segmentos da arte, influenciando assim outros jovens que, gradualmente, se juntam a esses grupos ou formam outros.

Essa prática tem melhorado a autoestima da juventude mas também dos adultos e dos idosos. Vemos na periferia uma verdadeira corrente do despertar da consciência da nossa humanidade e da nossa capacidade de por ela lutar.

Para conhecer o Caps: rua Irina Milchev Starbulov, 519 – Grajaú – São Paulo

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