“Fifa nunca tomou medidas drásticas contra o racismo”

O historiador Joel Rufino conta suas impressões sobre os recentes crimes raciais no futebo

Por André Vieira

No ano em que o Brasil recebe a Copa do Mundo da Fifa, novos casos de racismo no futebol continuam surgindo. Episódios que muitas vezes não recebem a atenção necessária por parte de governos e entidades esportivas. O Brasil de Fato entrevistou o professor e escritor Joel Rufino, um dos maiores especialistas no debate sobre os direitos da população negra. Confira suas análises sobre o racismo no mundo da bola.

Brasil de Fato – Como o senhor avalia o racismo no futebol?

Joel Rufino – O futebol se tornou um dos negócios mais rentáveis do mundo. Os clubes europeus disputam aqueles campeonatos a ferro e fogo, como se fossem batalhas, e nesses momentos de grande competição o racismo aparece, é colocado pra fora. Em épocas de paz, sem competitividade, o racismo existe, mas está escondido, a pessoa tem vergonha de ser racista. Quando a competição se acirra como nesse futebol de hoje, a pessoa perde a vergonha de ser racista, de maltratar o outro.

Brasil de Fato – A CBF lançou em 2014 a campanha “Somos Iguais”. O senhor acredita nas ações da Fifa e de suas confederações no combate ao racismo?

Eu acho muito difícil a Fifa ser sincera em alguma coisa. Não acredito. Pode ser que ela seja também, temos que dar o benefício da dúvida. Mas uma instituição com a riqueza da Fifa, com o poder de entrar nos países e fazer o que quiser, de distribuir dinheiro, como é que pode uma instituição dessa combater o racismo? Não sei como. Por exemplo, faz tempo que podiam tomar medidas drásticas contra a demonstração de racismo. Nunca tomaram. Aqui mesmo na América do Sul, houve o caso do Perú, que xingaram um jogador brasileiro num jogo em Lima. Esse time continua na liga, não puseram pra fora. Os juízes levam o jogo até o fim por instrução das federações, embora a regra seja clara. Em caso de demonstração de racismo os juízes podem parar o jogo, mas eles não param. Levam o jogo até o fim, mandam a polícia atrás do cara, às vezes nem isso. Na prática eles não fazem nada. (Joel se refere ao jogo entre Cruzeiro e Real Garcilaso em fevereiro de 2014. Na partida, quando o jogador do time mineiro Tinga pegava na bola, a torcida adversária imitava sons de macaco).

Brasil de Fato – E durante o mundial de futebol?

Nessa Copa que vai ter aqui no Brasil, se houver demonstração de racismo por parte dos torcedores ou dos jogadores em campo, você acredita que a CBF e o governo brasileiro, vão tomar alguma medida? Você acredita? Não, eles não vão porque eles vão querer continuar a Copa. O importante para eles é a Copa.

Brasil de Fato – Em uma partida contra o Villareal em abril deste ano, o lateral do Barcelona Daniel Alves comeu uma banana arremessada no gramado. Para o senhor, o que representa esta atitude?

Pode ser um plano de marketing, mas até que provem o contrário foi um gesto espontâneo e antirracista. A banana que é símbolo do macaco, portanto é um símbolo racista, foi comida por ele e aquilo vai se transformar em merda. Tudo o que você come se transforma em merda. Eu achei muito bonito, eu gostei disso. Acho que foi um anti-gesto, um anti-símbolo. Comeu a ofensa e transformou ela em merda.

Brasil de Fato – Como devemos enfrentar o racismo?

Eu acho que tem que reagir, essa é a primeira coisa. Qualquer ato de racismo contra uma pessoa tem que ter uma reação, ou da própria pessoa ou de quem tiver ao lado. Isso de alguma maneira é pedagógico. Não é pela punição em si, mas ensina que o racismo é um crime. A segunda é apoiar as ações afirmativas do governo, seja qual for. Vê se muda esse quadro de ausência de profissionais negros. O problema é estrutural. Se é preconceito, eu posso citar aqui número de medidas que se pode tomar. Se é o racismo, que é estrutural, é muito mais sério, demanda muito mais esforço de todos, das organizações, dos sindicatos. É preciso organização para fazer reformas de base. Pressão, luta, ir para as ruas.

Fonte:Brasil De Fato

+ sobre o tema

Senado debate participação dos negros em graduação no exterior

    A Comissão de Direitos Humanos e...

Ao censurar comercial do BB, governo mostra ter medo da diversidade; decisão vai na contramão do mercado

Homogeneizar campanhas publicitárias é incitar preconceito contra grupos que...

Meus Olhos Coloridos e o Racismo Estrutural

“Só por hoje Vou deixar meus cabelos em paz Durante 24...

para lembrar

A importância de estarmos juntos, mesmo à distância.

O cenário é assustador e a sensação de medo...

Freud explica a ação dos justiceiros?

  Ana Cassia Maturano   Um homem acusado...

Estado Brasileiro implementa políticas raciais há muito tempo

Neste momento, está em tramitação no Senado Federal o...

Polícia investiga morte de integrante do grupo AfroReggae

Policiais da Divisão de Homicídios (DH) investigam a morte...
spot_imgspot_img

Violência política mais que dobra na eleição de 2024

Foi surpreendente a votação obtida em São Paulo por um candidato a prefeito que explicitou a violência física em debates televisionados. Provocações que resultaram...

Carandiru impune é zombaria à Justiça

É um acinte contra qualquer noção de justiça que 74 agentes policiais condenados pelo massacre do Carandiru caminharão livres a partir de hoje. Justamente na efeméride de...

Doutorando negro da USP denuncia racismo em ponto do ônibus da universidade; testemunhas gravaram gesto racista

Um aluno de doutorado da Universidade de São Paulo (USP) denunciou ter sofrido racismo em um ponto de ônibus no Conjunto Residencial Universitário (CRUSP), na Cidade...
-+=