Filhas do Vento: crescendo e se criando na mobilização por uma nova realidade para as mulheres negras

A realidade sociopolítica brasileira demanda que providências individuais e coletivas sejam tomadas. A Marcha das Mulheres Negras em Brasília (2015) foi essencial para a demarcação das mulheres negras como atrizes essenciais de transformação social e para o despertar de grupos e iniciativas nessa difícil caminhada. Essa movimentação, associada a episódios institucionais assustadores como o golpe sofrido por Dilma Rousseff e a aprovação da PEC 55, que congelou os gastos públicos por 20 anos, ambos em 2016, provocou o encontro das Filhas do Vento em Recife, Pernambuco.

O coletivo Filhas do Vento nasceu oficialmente em outubro de 2016 no Museu da Abolição em um evento de lançamento que debateu sobre mulheres negras, identidades e políticas públicas. Atenção e muito cuidado entre as integrantes do grupo eram (e ainda são) os princípios norteadores das ações. O coletivo surgiu da inquietação de Flávia Clemente, Juliana Cíntia, Marília Mendes, Girlana Diniz, Waneska Viana e Emannuelle Cristina, bem como da confluência da disponibilidade de tempo e energia dessas mulheres.

Articulando-se com outros grupos e movimentos da cidade, as Filhas do Vento construíram eventos como o “Abolição para quem?”,  o I Encontro de Coletivos Negros – que aconteceu também no Museu da Abolição –  e muitos outros relacionados ao Dia Internacional da Mulher, Mês da Consciência Negra e aos que acontecem dentro e fora das universidades. Foram muitas possibilidades aproveitadas para contribuir com e ampliar o debate das relações étnico-raciais para diversos públicos da cidade. 

Cartaz do Evento. (Arte: Nathália Ferreira)

Ao mesmo tempo em que davam conta dessas agendas, as Filhas do Vento também tocavam o projeto AfroCinergia, um espaço de debate baseado em conteúdos audiovisuais relacionado à temática do racismo e da emancipação da população negra e seus projetos acadêmicos e pessoais.

Registro de uma das atividades do AfroCinergia (Foto: Arquivo pessoal)

São cinco anos de trabalhos de formação e ações educativas direcionadas para que cada vez mais mulheres negras tenham consciência da própria força e importância no Brasil e no mundo.  Em 2019, após uma pausa por conta das demandas pessoais e profissionais das integrantes, o grupo se organizou para disputar o edital do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco do Fundo Baobá. 

Unindo esforços e experiências, essas mulheres foram contempladas com o acompanhamento da instituição no desenvolvimento do projeto “Travessias negras: das margens periféricas aos centros decisórios do poder”. Esse é um momento que marca o início de uma nova fase para as Filhas do Vento.

“[A aprovação nesse edital] Foi uma oxigenada em todos os sentidos. No processo de aprimoramento do nosso autoconhecimento, das nossas estratégias políticas para o enfrentamento dessa realidade, para o desenvolvimento de nossas ações. Uma possibilidade também que esse projeto deu pra gente foi de ampliar o coletivo tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.” (Flávia Clemente, integrante do grupo) 

Aprovado para ser executado em 2020, o projeto precisou ser todo remodelado para o formato on-line devido à pandemia do coronavírus. Flávia conta que foi um contexto desafiador, embora não fosse tão estranho porque a população negra já lida diariamente com muitas dificuldades. Nesse cenário, as Filhas do Vento trabalharam diversos conteúdos tanto interna quanto externamente, através das suas redes sociais.

A aprovação nesse programa de aceleração possibilitou uma série de mudanças dentro do coletivo. A começar pela expansão do grupo, que só não manteve a formação inicial por conta da saída de Marília Mendes e Girlana Diniz. Atualmente, Mariana Paz, Tamires Carneiro, Poliana Ribeiro, Debhora Bento e Taís Nascimento também fazem parte do grupo e somam forças nessa luta sempre árdua, mas que fica mais amena quando é compartilhada entre pares.

Agora, mais fortalecidas, as Filhas do Vento seguem no propósito de transformar o cenário do feminicídio, do genocídio da população negra, do empobrecimento da população e tantos outros entraves sociais. “A nossa ferramenta maior vai ser sempre a educação crítica e o diálogo. É assim que a gente sabe trabalhar”, conta Flávia, que finaliza, alertando que elas também sabem gritar e gritam quando necessário.

Sobre a autora:

Jornalista, colaboradora de Perifaconnection, Favela em Pauta e Agência Retruco (PE), integra o Afronte Coletivo e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco (,)  e uma das homenageadas do 1º Prêmio Neusa Maria de Jornalismo.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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