Filhos de um Deus menor

Por: Jorge Eurico

 

 

O músico brasileiro Jorge Benjor exalta,numa das suas mais emblemáticas obras com o título “Negro é lindo”, os predicados mais importantes do homem não-branco deste país tropical onde existe (de norte a sul, de leste a oeste) um racismo social latente e, ao mesmo tempo,velado.

Fê-lo segura e garantidamente para dizer alto e bom som que o brasileiro de ascendência africana também tem o seu valor e pode dar o seu contributo para o engrandecimento desta portentosa nação. Músico e compositor que mais deu cartas nos anos 70/80 no seu país, em particular, e, de uma forma geral, no mundo lusófono (e não só), Jorge Benjor é, digo eu, daqueles artistas que, se aperecebendo do apartheid social (e também económico) existente na sociedade brasileira, decidiu, por sua conta e risco, transformar – quiçá de forma involuntária – a música em arma de arremeso contra o fenómeno em apreço. Jorge Benjor diz, por exemplo, que negro é sinónimo de amor; é amigo, é lindo e também filho de Deus. Bem, que negro é sinónimo de amor, é por demais consabido. Que negro é amigo, também não é novidade. Que negro é lindo, concordo em número, grau e género. Que negro também é filho de Deus, concordo. Só que, aqui no Brasil, infelizmente os negros são filhos de um Deus menor. Há dias, aqui no Rio de Janeiro, fui ver uma exposição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Lá, tive a subida honra e soberana oportunidade de conhecer Ricardo Riso, um jovem de 37 anos, licenciado em Literaura Africana de Língua Portuguesa pela faculdade de Letras da Universidade Estâcio de Sá do Rio de Janeiro. Foi uma conversa que, dada a sua importância e o meu interesse, começou por volta das seis da tarde no CCBB e, imaginem, acabou às duas horas da manhã na Lapa, centro desta cidade maravilhosa. Dispensável será dizer que Ricardo Riso é negro e que a nossa conversa gravitou em torno da literatura africana e de escritores angolanos que (não) são publicados no Brasil. Falou do facto de a maior parte das universidades brasileiras não conferirem a devida importância à literatura africa, particularmente a angolana. Disse-me, verbis gratia, que aqui só são publicados os escritores angolanos que também têm um lugar ao sol em Portugal. Ou seja: aqui no Brasil só publicam autores angolanos que também têm nome em Lisboa e arredores. Disse mais: as grandes editoras brasileiras dificilmente publicam obras de intelectuais não-brancos. Há sempre alguém não-negro que publica por eles. E quando se publica obra de um literato não-branco, é porque a edição é do autor. Os escritores não-brancos no Brasil não têm o mesmo sucesso (e quando o têm) que os músicos, actores ou jogadores de futebol. Por isso, caro Jorge Benjor, adoro a sua música. Mas daí a concordar, por exemplo, que o negro brasileiro também é filho de Deus…Só se for de um Deus menor!

 

Fonte: NotíciasLusofonas

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