Filmes revelam olhares sobre o continente africano

Na Feira Pan-Amazônica do Livro dedicada à África, o moçambicano Victor Lopes é um dos raríssimos representantes do continente africano a fazer parte da programação. Mas o que chama a atenção pela conversa por telefone é o sotaque carioca, daqueles bem arrastados.

“Não dá para fugir. São 33 anos morando no Rio de Janeiro. As pessoas sempre se espantam quando descobrem que sou africano. O fato de ser branquelo também não ajuda muito”, conta o cineasta, que veio a Belém como curador da Mostra Africana, evento que integra a Feira Pan-Amazônica do Livro.

Reunindo 22 filmes de seis países, a programação segue com exibições diárias até o próximo dia 5, retratando na tela a África que fala português. “Priorizamos filmes de diferentes nacionalidades, que tivessem o continente africano como cenário. Além das produções africanas, entraram filmes portugueses e brasileiros. Isso causou um problema, pois são pouquíssimos os filmes brasileiros sobre a África”, afirma Victor.

Brasil ainda desconhece cinema africano

Entre as exceções nacionais estão “Angola” (1989), de Roberto Berliner; “Pierre Verger: Mensageiro entre Dois Mundos” (1998), de Lula Buarque de Hollanda; e “Língua, Vidas em Português” (2004), do próprio curador, que traz, entre outros, depoimentos do escritor José Saramago. Da África foi selecionado “O Herói” (2002), do angolano Zezé Gamboa, premiado em Sundance. E de Portugal vem “Fintar o Destino” (1998), de Fernando Vendrell. Para encerrar a programação, “Terra Sonâmbula” (2007), de Teresa Prata, baseado no romance homônimo do escritor moçambicano Mia Couto.

“São vários olhares sobre essa África de língua portuguesa, representada através de vários momentos históricos. Existe uma ligação com a história dos lugares e busca pela relação entre tradição e modernidade. Esses temas são recorrentes”, conta o cineasta, acrescentando que a indústria cinematográfica africana é esporádica.

“Só agora, com a revolução tecnológica, o cinema africano está ganhando autonomia e relevância. Mas ainda falta ser descoberto pelo público, principalmente brasileiro, que ainda ignora a produção africana, apesar de ter uma profunda influência desta cultura”.

Superando dificuldades históricas, a produção africana começa a se firmar por meio de filmes caseiros. É a chamada “Nollywood”, na Nigéria, terceiro maior mercado cinematográfico do mundo, perdendo apenas para os EUA e a Índia.

Victor Lopes viveu até os onze anos em Moçambique, até sua família ser exilada por causa da guerra. “Fui escolhido pelo Brasil para morar. Aqui me sinto em casa. É a união de Portugal e África em um só lugar”, afirma o cineasta, que deve lançar em breve o documentário “Serra Pelada, A Lenda da Montanha de Ouro”, em fase finalização. “Será uma viagem profunda ao centro do País. Considero a grande história brasileira moderna”.

DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO

SHOWS MUSICAIS

Área externa – palco deck

20h: Mostra da África no Pará – Banguê Cinco de

Ouro – Quilombo de Mau (Cametá)

21h: Jaffa Reggae

22h: Calypso

PALESTRAS

Auditório Max Martins

10h30: A construção da pesquisa e extensão nas faculdades

17h: Contos das lendas e mitos da Amazônia com

versões infanto-juvenis

SEMINÁRIO: ÁFRICA E A DIÁSPORA NA AMAZÔNIA

Sala Dalcídio Jurandir

10h30: Cultura, tradição e diversidade cultural em Cabo Verde

14h15: Cultura e tradição angolana ontem e hoje

15h30: Por uma educação sem racismo

16h45: Reflexões sobre a diáspora africana e sua contribuição para o Brasil

17h45: O movimento social negro e sua relação com as instituições de ensino superior

CICLO DE LITERATURA E CULTURA BRASILEIRA

Sala Patativa do Assaré

10h15: Literaturas africanas de língua portuguesa

11h30: O Romance oitocentista em debate

14h15: A narrativa oral amazônica em perspectiva

15h30: Cultura popular e poesia em Bruno de Menezes

MOSTRA AFRICANA

17h: Os deportados (Paulo Cabral, 80 min – Cabo Verde)

19h: Desobediência (Lucínio Azevedo, 80 min – Cabo Verde)

>> Educação para o encantamento

Voltar à infância e lembra-se dos tempos pueris, ao lado da família. O escritor Márcio Vassallo, em sua publicação mais recente, “Da Minha Praia até o Japão” (Global Editora/2010), conta as memórias de um adulto que, quando criança, cavava buracos na areia para ir até o Japão. O território, figurado no país remoto, nada mais era do que o coração do pai – e encontrar o lugar distante era uma tentativa de alcançá-lo. Descobriu isso, metaforicamente, depois de adulto, quando passou a refletir sobre a relação com o pai. Das experiências da meninice, o autor narra em primeira pessoa como costumava brincar no litoral, fantasiar histórias e criar seres imaginários no infinito oceânico.

Contar histórias da própria vida e direcioná-las em livros para crianças foi a forma encontrada pelo escritor para se aproximar das pessoas. Escrever é uma maneira de chegar ao cerne de uma relação atemporal, configurada e remodelada através dos tempos, de uma criança com a família.

Ao ler o livro, o pai do escritor, Adalton Salgueiro, 68 anos, ficou emocionado. O filho costuma dizer que a publicação é uma declaração de amor. “Ele ficou de olho aguado, mexido”, diz. “Chegar até o Japão não era o mais importante, mas sim chegarmos um ao outro”, declara.

Pai de Gabriel, de dez anos, Vassallo diz que hoje em dia a relação “pai e filho” é apressada e conclui que a experiência paterna em momentos curtos, sintéticos, são situações a serem vividas. “Falta tempo para contemplar, para reparar. Vejo as pessoas filmando e fotografando tudo para ver depois, sem conseguir olhar para o momento na hora”, analisa.

Permitir-se o momento e contar as histórias que o assombram e lhe causam estranheza, trilhando caminho na sinuosa e ainda discriminada fração da literatura infantil, Vassalo propõe a “educação para o encantamento”, uma espécie de descoberta para ser livre para imaginar.

“Para se descobrir, tirar as cobertas, se abrir para as fantasias”, diz. “Se o autor decidir escrever para ser didático, ensinar coisas, está morto.

Márcio Vassalo conversa hoje com o público paraense, durante a XIV Feira Pan-Amazônica do Livro. Belém não lhe é terra alheia. Ele ministra a oficina “Literatura infantil e poesia na escola e no dia-a-dia: como quebrar estereótipos e despertar a paixão pelos livros” às 10h30 e às 15h. E participa ainda do Encontro Literário, às 19h30. (Diário do Pará)

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