FSM-BA: íntegra da carta lida na Assembleia de Movimentos Sociais

Veja abaixo a carta lida na abertura da assembleia dos movimentos sociais durante o Fórum Social Mundial temático ocorrido em Salvador. O documento abaixo é a versão inicial, lida na abertura do evento, por isso não traz os adendos propostos nas intervenções de plenario.


10 ANOS DO FSM
OUTRO MUNDO É POSSÍVEL E NECESSÁRIO.

 

 

Nós, militantes de diversas organizações dos movimentos sociais reunidos no FSMT de Salvador, realizamos a Assembleia dos Movimentos Sociais com o intuito de consolidar uma plataforma de bandeiras unitárias e calendário de lutas.

 

O Fórum Social Mundial surgiu em 2001 como uma forma de resistência dos povos de todo o planeta contra a avalanche neoliberal dos anos 90. Dessa forma ganhou força e se tornou um grande pólo contra hegemônico ao capital financeiro. Ao longo desses 10 anos passou pelo Brasil, Venezuela, Índia e Quênia, e outros países, levando a esperança de um mundo novo.

 

Foi dessa maneira que o FSM conseguiu contagiar corações e mentes para a ideia de que é sim possível construir outro mundo com justiça social, democracia, sem destruir o planeta e valorizando as culturas nacionais. O FSM foi fundamental para a construção de uma nova conjuntura que valorize a integração e a solidariedade entre os povos. E é assim que partiremos para novas lutas e para construir o próximo Fórum Social Mundial em Dakar em janeiro de 2011.

 

Com o declínio do neoliberalismo e a crise do capitalismo os valores representados por esse sistema passam a ser questionados pela sociedade. Assim, o capitalismo predatório que destrói o meio ambiente causando graves desequilíbrios climáticos, que desrespeita os povos de todo o mundo e suas soberanias, que explora o trabalhador e desestrutura o mundo do trabalho, que exclui o jovem, discrimina o homossexual, oprime a mulher, marginaliza o negro, mercantiliza a cultura é agora visto com ressalvas.

 

A crise financeira mundial é uma crise do sistema capitalista. Ela expôs as contradições intrínsecas a esse modelo e quebrou as certezas e a hegemonia do mercado como um deus regulador das relações comercias e sociais. Essa crise abriu a possibilidade de se rediscutir o ordenamento mundial, os rumos da sociedade, o papel do Estado e um novo modelo de desenvolvimento. Porém, sabemos que esse momento pelo qual passamos é de profundas adversidades para a classe trabalhadora de todo o mundo em função das crises financeira e climática em curso. A consequência das crises é o aumento da desigualdade e por esse motivo reafirmamos o nosso desafio com as lutas e com a solidariedade de classe .

 

Nosso continente, a América Latina, atrai os olhos de todo o planeta diante de sua onda transformadora . Por outro lado, a hegemonia mundial ainda é capitalista e as elites não entregarão o continente que sempre foi tido como o quintal do imperialismo de mão beijada. Não é à toa a promoção do golpe contra Chávez em 2002, em Honduras em 2009, a tentativa de golpe contra Lula em 2005 ou mesmo a desestabilização de Fernando Lugo que está em curso no Paraguai.

 

Ao mesmo tempo, as elites se utilizam e fortalecem novos instrumentos de dominação. Sua principal arma hoje é a grande mídia e os monopólios de comunicação. Esses organismos funcionam como verdadeiros porta-vozes das elites conservadoras e golpistas. Por isso ganham força os movimentos de cultura livre e as rádios e jornais comunitários que conseguem driblar o monopólio midiático.

 

O povo estadunidense elegeu Barack Obama em um grande movimento de massas carregando consigo as esperanças de superar a era Bush. Entretanto, mesmo com Obama o imperialismo continua sendo imperialismo. Os EUA crescem seu olho diante das grandes riquezas naturais do nosso continente, como a recente descoberta do Pré-sal. No mesmo momento em que os EUA reativam a quarta frota marítima também instalam mais bases militares na Colômbia e no Panamá , além de insistir no retrógrado bloqueio a Cuba.

 

Atentos a esses movimentos do imperialismo, os movimentos sociais reunidos no Fórum Social Mundial Temático em Salvador reafirmam seu compromisso com a luta por justiça social, democracia, soberania, pela integração solidária da América Latina e de todos os povos do mundo, pelo fortalecimento da integração dos povos, pela autodeterminação dos povos e contra todas as formas de opressão.

 

No Brasil, muitos avanços foram conquistados pelo povo durante os 7 anos do Governo Lula. O Estado foi fortalecido alcançando maior ritmo de desenvolvimento, a distribuição de renda e o progresso social avançaram com a valorização do salário mínimo e políticas sociais como o Bolsa Família, a integração solidária do continente foi estimulada. Porém, muito mais há para ser feito. As Reformas estruturais capazes de enraizar as conquistas democráticas não foram realizadas e a grave desigualdade social perpetrada por mais de 5 séculos em nosso pais está longe de ser resolvida. Por isso, devemos lutar pelo aprofundamento das conquistas nesse período de embate político que se aproxima.

 

Reafirmamos a luta contra os monocultivos predatórios, os desmatamentos, o uso de agrotóxicos que gera a poluição dos rios e do ar.

Seguiremos na luta contra o latifúndio e em defesa da biodiversidade e dos recursos naturais como forma de preservação do meio ambiente, dos ecossistemas, da fauna e flora integradas com o homem.

 

Nos unimos no combate ao machismo, ao racismo e à homofobia. Lutamos por uma sociedade justa e igualitária, livre de qualquer forma de opressão, onde as mulheres tenham seus direitos respeitados e não sofram abusos e violências, os negros não sofram preconceito e saiam da condição histórica de pobreza que lhes é reservada desde os tempos da escravidão, os homossexuais tenham acesso a direitos civis e não sofram discriminação.

Sabemos que essas conquistas virão da luta do povo organizado. Por isso, convocamos todos os militantes a fazer um grande mutirão de debates envolvendo estados, municípios e segmentos sociais no intuito de construir um projeto de desenvolvimento soberano, democrático e com distribuição de renda para o Brasil. Só assim seremos capazes de aprofundar as mudanças que estamos construindo e derrotar a direita conservadora e reacionária do nosso país nas eleições que se avizinham.

 

Esse grito que expressa nosso anseio liberdade e mais direitos não poderia ser dado em lugar melhor. Estamos na Bahia, terra de todos os santos e de bravos lutadores, valorosos intelectuais e líricos poetas e artistas como a banda tambores das raças que abriu a Assembleia entoando versos que afirmam que:

 

Zumbi não morreu, está presente entre nós. Palmares referência que sustenta nossa voz.Liberdade, igualdade, revolta dos buzios, levante malês, herança ancestral que alimenta a união é a força pra vencer!

 

De Salvador conclamamos o povo brasileiro a lutar por um Brasil livre, independente, democrático e justo socialmente.

 

Para isso, o conjunto dos movimentos sociais brasileiros convoca a Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais para o dia 31 de maio em São Paulo e definem as seguintes bandeiras de luta:


SOBERANIA NACIONAL
 Defesa do Pré-sal 100% para o povo brasileiro;
 Pela retirada das bases estrangeiras da América Latina e Caribe;
 Defesa da autodeterminação dos povos;
 Pela retirada imediata das tropas dos EUA do Afeganistão e do Iraque;
 Pela criação do Estado Palestino;
 Contra os Golpes de Estado a exemplo de Honduras;
 Contra a presença da 4ª Frota na América Latina;
 Pela integração solidária da América Latina;
 Contra a volta do neoliberalismo
 Pelo fortalecimento do MERCOSUL, UNASUL e da ALBA;
 Pela democratização e o fortalecimento das forças armadas;
 Pela defesa da Amazônia e da nossa biodiversidade como patrimônio nacional.

 

DESENVOLVIMENTO
 Por uma política nacional de desenvolvimento ambientalmente sustentável, que preserve o meio ambiente e a biodiversidade, e que resguarde a soberania sobre a Amazônia brasileira.
 Por um Projeto popular de Desenvolvimento nacional com distribuição de renda e valorização do trabalho;
 Pelo fortalecimento da indústria nacional;
 Contra o latifúndio e os monocultivos que depredam o meio ambiente
 Em defesa da Reforma Agrária.
 Redução da jornada de trabalho sem redução de salários;
 Por políticas Públicas para a Juventude;
 Defesa de formas de organização econômica baseadas na cooperação, autogestão e culturas locais;
 Pela alteração da Lei Geral do Cooperativismo e da conquista de um Sistema de Finanças Solidárias e Programa de Desenvolvimento da Economia Solidária (PRONADES), do Direito ao Trabalho Associado e Autogestionário, e de um Sistema de Comércio Justo e Solidário;
 Por um desenvolvimento local sustentável.
 Por Políticas Públicas de Igualdade Racial;

 

DEMOCRACIA
 Contra os monopólios midiáticos e pela democratização dos meios de comunicação.
 Contra a criminalização dos movimentos sociais;
 Em defesa da Cultura livre
 Pela ampliação da participação do povo nas decisões através de plebiscitos e referendum;
 Contra o golpe em Honduras;
 Contra a desestabilização dos governos democráticos e populares da América Latina;
 Pelo fim das patentes de remédios
 Contra a intolerância religiosa, em defesa do Estado laico.


MAIS DIREITOS AO POVO
 Educação pública, gratuita e de qualidade para todos e todas, com a universalização do acesso, promoção da qualidade e incentivo à permanência, seja na educação infantil, no ensino fundamental, médio e superior. Por uma campanha efetiva de erradicação do analfabetismo. Adoção de medidas que democratizem o acesso ao ensino superior público;
 Defesa da saúde pública garantindo acesso da população a atendimento de qualidade. Tratamento preventivo às doenças, atendimento digno às pessoas nas instituições públicas;
 Pela garantia e ampliação dos direitos sexuais reprodutivos;
 Contra a exploração sexual das mulheres;
 Pelo fim do fator previdenciário e por reajuste digno para os aposentados.


SOLIDARIEDADE
 Solidariedade ao povo haitiano diante do recente desastre ocorrido em virtude de uma seqüência de terremotos.
 Solidariedade ao povo cubano – pela liberdade dos 5 prisioneiros políticos do Império.
 Solidariedade aos povos oprimidos do mundo.
 Solidariedade aos presos políticos do MST

 

CALENDÁRIO

08- 18 MARÇO – JORNADA DE COMEMORAÇÃO DOS 100 ANOS DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER;
MARÇO – JORNADA DE LUTAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO DA UNE E UBES
Abril-Jornada de mobilizações em defesa da Reforma agrária e contra a criminalização dos movimentos sociais.
01 MAIO- DIA DO TRABALHADOR
31 MAIO – ASSEMBLÉIA NACIONAL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
1 DE JUNHO – CONFERENCIA NACIONAL DA CLASSE TRABALHADORA
SETEMBRO -Plebiscito pelo limite máximo da propriedade

 

Fonte: Portal Vermelho

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